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O G8 ampliado e a governança global

FSP, Mundo, p. A21
Autor: SILVA, Luiz Inácio Lula da
16 de Jul de 2006

O G8 ampliado e a governança global
Participação do Brasil e de outros países em desenvolvimento é importante para debates sobre liberalização econômica, proteção ambiental e segurança

Luiz Inácio Lula da Silva

Nos dias 15 a 17 de julho, durante a Cúpula do Grupo dos Oito, em São Petersburgo, participarei, juntamente com os líderes das principais economias industriais e emergentes do mundo de um diálogo ampliado, iniciado em Evian, em 2003, e aprofundado em Gleneagles, em 2005, sobre importantes temas da agenda global.

O convite do presidente Putin para que o Brasil e outros países em desenvolvimento participem das discussões do G8 é extremamente louvável pela contribuição que aporta para a governança internacional. No momento em que se avolumam desafios mundiais em matéria de liberalização comercial, coordenação econômica, proteção ambiental e de segurança, o encontro de São Petersburgo traz otimismo e esperança.

Nas Nações Unidas e nas instituições de Bretton Woods se discute a necessidade de reformar as instâncias multilaterais, para que elas reflitam melhor as realidades do mundo contemporâneo. O mecanismo do G8 ampliado, ainda que tenha suas limitações, contribui para um debate mais legítimo sobre uma nova ordem internacional. Afinal, os grandes desafios enfrentados pelo G8 são desafios globais, que requerem soluções em escala planetária.

Minha experiência de vida -como dirigente sindical e político- foi forjada no diálogo, na negociação. Aprendi que é na conversa franca, olhando no olho de meu interlocutor, sem abrir mão de convicções, que temos condições de reduzir diferenças e ampliar consensos. É isto que espero da reunião de São Petersburgo que os chefes de governo e de Estado lá presentes dêem uma demonstração de liderança e de coragem política.

Essas virtudes são especialmente necessárias no momento em que estão em causa a credibilidade e a viabilidade da OMC -um dos pilares do multilateralismo. Teremos em São Petersburgo talvez a última chance para destravar a Rodada de Doha e provar que o comércio pode efetivamente ser uma alavanca para o desenvolvimento, quebrando um ciclo de desigualdades, em muitos casos responsável pela miséria e violência que golpeia sobretudo os países mais pobres.

A reunião ministerial de Genebra, de início de julho, deixou patente o que todos sabemos: as negociações em nível exclusivamente técnico não avançarão sem vontade política.
De minha parte, estarei levando a esse encontro a disposição brasileira de fazer as concessões a nosso alcance para podermos chegar a um acordo. Confio que meus pares terão igual atitude, pois a História não nos perdoará se frustrarmos por mais alguns anos, talvez décadas, as legítimas aspirações dos mais necessitados.

Segurança energética

Outro tema onde também precisamos encontrar soluções globais é o da segurança energética. Apesar das distintas necessidades nacionais em matéria de energia, compartilhamos o desafio comum de assegurar acesso a energia limpa, de fornecimento confiável e a preços acessíveis.

É com esse intuito que levarei a São Petersburgo os resultados da grande aposta que o Brasil está fazendo no desenvolvimento dos biocombustíveis. Quero compartilhar meu entusiasmo com as excelentes perspectivas para o etanol, o biodiesel e o H-bio (que é uma combinação inovadora de óleos vegetais e fósseis).

Esses produtos constituem, em primeiro lugar, alternativa de energia renovável, permitindo diversificar a matriz energética mundial e reduzir uma indesejável dependência de número limitado de fontes e fornecedores. Em segundo lugar, são fator de proteção ambiental, por emitir poucos gases, responsáveis pelo efeito estufa, e por aproveitar dejetos agrícolas e terras exauridas.

Em terceiro lugar, essas biomassas são ferramentas de desenvolvimento com forte impacto social. Dada a abundância e variedade das matérias primas e a versatilidade da tecnologia empregada, permitem a geração de empregos na pequena e média agricultura e na indústria. E geram receitas de exportação para países muitas vezes dependentes de uma única commodity e com carência de recursos energéticos.

O aproveitamento de todo o potencial dos biocombustíveis passa, entretanto, pela criação de novos modelos de cooperação energética. Precisamos unir esforços na geração e disseminação dessas tecnologias e na abertura dos mercados mundiais para os novos combustíveis. Para tanto, o Brasil está propondo a constituição de um Fórum Etanol para ajudar a fixar padrões internacionais para lidar com as questões técnicas e logísticas associadas à produção e suprimento desses combustíveis.

Não se tratará mais de dividir o mundo entre produtores e importadores, nem de gerar novas relações de dependência, já que todos poderão produzir e consumir diferentes tipos de biocombustíveis. A idéia é maximizar as vantagens que essas novas fontes de energia podem trazer em termos de diversificação agrícola, geração de empregos e preservação ambiental. Enfim, os benefícios potenciais dessa energia são assim como sua fonte -inesgotáveis.

Educação e saúde

Os demais temas na agenda de São Petersburgo requerem iniciativas igualmente ambiciosas e inovadoras.

No campo da educação, por exemplo, o Brasil oferece capacitação pedagógica em países pobres, que poderia ser parcialmente financiada por membros do G8. Queremos também ver ampliado para outros países o programa de conversão de dívidas de países pobres por investimentos em programas educativos locais.

Vamos divulgar proposta relevante para dois outros temas: combate às pandemias e mecanismos inovadores de financiamento do desenvolvimento. Trata-se da Central Internacional para a Compra de Medicamentos para combater a Aids, a malária e a tuberculose nos países em desenvolvimento, a ser custeada por uma contribuição internacional sobre bilhetes aéreos, em fase de implementação em vários países, inclusive o Brasil.

Estamos levando para São Petersburgo propostas e expectativas ambiciosas. Estou seguro de que voltaremos com esperanças redobradas e um compromisso renovado com a parceria e solidariedade globais.

FSP, 16/07/2006, Mundo, p. A21

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