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Autor: TERENA, Luiz Eloy
14 de Mar de 2021
O Estado é o principal vetor da pandemia nos indígenas
Por Luiz Eloy Terena
14/03/2021
O maior transmissor da Covid-19 é o governo. Sou Terena e advogado, mas não é preciso ser indígena para reconhecer este fato; nem ser formado em Direito para considerar criminoso o descaso, pelo qual toda a população hoje paga. No país há um ano, a pandemia já fez com que mais de 273 mil brasileiros perdessem a vida. Também não é preciso ser epidemiologista para concordar que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas. Em julho de 2020, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF), para obrigar o Executivo a cumprir com seu direito constitucional de cuidar de nós. Foi uma medida desesperada, porque o novo coronavírus chegou ao Brasil em meio a uma epidemia de invasões às nossas terras.
O ministro Luís Roberto Barroso então determinou que o governo apresentasse um plano para nos proteger. Até agora, três versões foram apresentadas e rejeitadas. Quando a primeira foi indeferida, em 29 de julho, 276 de nós haviam morrido; no mês passado, já eram 576. Percentualmente, é pouco mais de 0,1% do total. Mas muitos povos correm risco de extinção - como ocorreu com tantos ao longo do tempo. São culturas únicas, milenares; conhecimentos úteis para toda a Humanidade. E esses são dados do Ministério da Saúde, que conta apenas indígenas vivendo em aldeias de territórios demarcados. Mais completo, o levantamento da Apib indica mais de mil mortes. Em análise, a quarta versão do plano é igualmente insatisfatória em nossa avaliação, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Em 17 de fevereiro, a Covid-19 levou Aruká, o último homem do povo Juma. Esta morte equivale a um etnocídio culposo, pois poderia ter sido evitada. Aruká foi vítima não só da omissão do governo, que não instalou barreiras sanitárias para protegê-lo, como exigiu o STF, mas também das ações de quem devia protegê-lo. No hospital, recebeu medicamentos indicados pelo Ministério da Saúde, cuja eficácia não é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Sociedade Brasileira de Infectologia.
Com a morte de Aruká, restaram apenas quatro Juma, suas três filhas e uma neta. Dos Kanoê, sobraram três pessoas; dos Avá-canoeiro, cinco; e dos Akuntsu, seis. A situação mais desesperadora é a dos Piripkura. Hoje só há dois sobreviventes. Ambos homens. Quase 1.400 hectares de seu território - cerca de 5% do total - foram desmatados, a maior parte entre agosto e dezembro do ano passado.
Há pelo menos 114 grupos indígenas isolados, especialmente vulneráveis a doenças que vêm de fora. Por serem mais desprotegidas, suas terras também estão mais sujeitas a invasões. Uma das maiores obsessões do presidente é abrir nossos territórios para a exploração de minérios; e dos 143 pedidos protocolados na Agência Nacional de Mineração (ANM) no ano passado, 71 incidem sobre áreas habitadas por eles. Como é sabido, nem todos esperam pela aprovação oficial. Isso não aconteceu só nos últimos dois anos, mas a falta de atitude do governo atual - ou suas atitudes - encorajam mais invasores.
Em 1o de março, denunciei esta política de extermínio na 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, como representante da Apib. O mundo inteiro está preocupado com o que vem acontecendo no Brasil. Há indígenas que se recusam a tomar vacina por conta de fake news espalhadas por simpatizantes do governo. Como os moradores de cidade grande, também não somos imunes à desinformação. É urgente que os vários povos que formam o povo brasileiro se unam para combater os males em comum que nos afligem.
*Assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
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