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O drama se espalha para a fauna e flora

O Globo, País, p. 7
10 de Nov de 2015

O drama se espalha para a fauna e flora
Carcaças de peixes e tartarugas foram achadas a mais de 100 km de Mariana

Alessandra Duarte, Dandara Tinoco* e Mariana Sanches* (*Enviadas especiais)

RIO E MARIANA (MG) - Peixes engolfados em lama, tartarugas que pareciam petrificadas. O cenário podia ser visto no último domingo em Ponte Queimada, localidade no município de Marliéria (MG), no Parque Estadual do Rio Doce. "O cheiro químico é tão forte que nem abutres vieram comer as carcaças", dizem moradores na página do parque no Facebook. A mais de cem quilômetros de Mariana (MG), a lama das barragens que se romperam em Bento Rodrigues já mostra seus efeitos para a fauna e a flora. A lama chegou na noite desta segunda-feira à divisa de Minas com o Espírito Santo.
- A lama chegou no fim de semana ao Parque do Rio Doce, a maior reserva de Mata Atlântica do estado, 35 mil hectares, num parque que é cortado pelo Rio Doce. O impacto (do desastre) é enorme. Provavelmente este é o maior desastre ecológico do estado - alerta o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da UFMG, o biólogo Ricardo Motta.
Motta estima que a fauna e a flora locais levarão pelo menos uma década para se recuperar. Segundo o professor, que já trabalhou em barragens de rejeitos da Vale em Minas, rejeitos de barragens desse tipo têm não só ferro, mas também arsênio, zinco e manganês, além de óleos e graxas utilizados nas máquinas de beneficiamento de minério.
- O monitoramento dessa toxicidade tem de ser feito na água dos rios da região e também nos peixes e plantas, porque o nível de toxicidade na água pode estar baixo, mas ainda estar alto nos animais e na vegetação. Por isso em muitos países, como o Canadá, a lei exige análise de água e também de fauna e flora em áreas de mineração; a legislação brasileira, porém, exige exame só da água - diz Motta. - Vai ser preciso monitoramento de toxicidade por pelo menos um ano, com coletas mensais de água e de amostras de peixes e plantas. O Rio Doce tem também muitas colônias de pescadores, que devem ser informados sobre isso.
Além de peixes, a lama vai afetar anfíbios e outras espécies de vida aquática, e de répteis e aves que se alimentam delas.
- A passagem de luz e o oxigênio na água dos rios diminuíram. E, como o Rio Doce está com a vazão baixa pela estiagem, isso agrava o assoreamento com a lama, e os pontos mais fundos onde há a reprodução de espécies deixam de existir - diz André Avelar, do Instituto de Geociências da UFRJ. - Em Linhares (ES), para onde a lama está indo, há reserva de tartarugas marinhas que pode ser afetada.
Em relação à flora, o risco é o próprio minério de ferro no solo.
- Nada cresce sobre essa capa de minério - destaca Motta, para quem o setor minerador no país atende termos de ajuste de conduta sem investir em tecnologias mais sustentáveis. - Dizem "poluo aqui, mas recupero ali". É preciso abrir a caixa-preta.
- Nessas barragens também há alumínio, muito tóxico para plantas - completa Avelar. - Tanto que áreas perto das barragens parecem paisagem lunar.
Além do impacto na fauna e na flora, o drama também atinge os animais dos moradores. Segundo o Corpo de Bombeiros, só no domingo foram resgatados 22 cachorros e um porco. A corporação deve divulgar hoje balanço dos animais salvos.
Hoje, bombeiros tentavam pelo 3o dia salvar um pinscher:
- O governador (Fernando Pimentel) nos pediu para salvar esse cão quando esteve aqui, no dia seguinte ao acidente - explicou o tenente Leonard Farah.
No domingo, uma cadela resgatada após 3 dias soterrada passava por uma cesariana para retirada de filhotes. Na sexta, após ser resgatado, Marlon Célio, de 19 anos, não queria ir ao hotel que o abrigaria pois teria de separar-se de Dafne, pastora alemã de 9 meses que, diz ele, conseguiu nadar sobre a lama e achá-lo, pelo cheiro, na mata em que passou a madrugada seguinte ao acidente.

O Globo, 10/11/2015, País, p. 7

http://oglobo.globo.com/brasil/animais-vegetacao-tambem-sofrem-com-lama…

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