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O Dia do Índio

O Liberal-Belém-PA
19 de Abr de 2004

Chegar perto dum índio, de sua cultura, exige mudança radical de perspectiva, como se o olho passasse a ver pelo lado oposto, no sonho, no inconsciente. Entender o índio, entender sua cultura e respeitá-lo implica despir-nos dessa nossa civilização. Um espaço colorido e pródigo, povoado pelos animais, vegetais, minerais e espírito, um tempo prodigiosamente mais lento que permite consumir meses para polir arco e aguçar a flecha, tempo para o índio varar a noite dançando, para receber o filho nascendo ou despedir-se do ancestral que morre; é preciso revirar os olhos e afugentar velhos conceitos para enxergar, abrir os ouvidos ao silêncio, curtir o detalhe, perceber a minúcia, a sofisticada simplicidade quase sempre fruto duma tradição milenar, que passa de boca a ouvido, mão a mão, geração atrás da outra; reabrir portas fechadas dentro de cada um de nós. É encontrar a simplicidade perdida, a inocência e a solidariedade.

O professor Aryon Rodrigues (UnB) calcula que, nos primeiros anos de colonização, aproximadamente 6 milhões de índios falavam mais de 1.300 línguas indígenas. Entretanto, as políticas colonizadoras e "civilizatórias" resultaram no desaparecimento de cerca de 85% dessas línguas. Na primeira metade de século XX, já se registrava uma perda de 30% delas.

As línguas indígenas que desapareceram foram principalmente aquelas praticadas em áreas em que o processo colonizador foi mais longo e intenso, isto é, Sudeste e regiões Nordeste e Sul, sobretudo na região litorânea. A média de falantes por língua é de 1.000, mas há línguas que os usuários se contam nos cinco dedos da mão. Segundo dados recentes, apenas nove línguas indígenas são faladas por mais de 5 mil índios. São elas: Guajajara, Sateré-Mawé, Xavante, Yanomami, Terena, Macuxi, Kaingang, Ticuna e Guarani.

A região da Amazônia brasileira é aquela que apresenta maior concentração de falantes de línguas indígenas: são mais de 90 línguas faladas por sociedades indígenas distintas. Só nas áreas indígenas localizadas no Estado do Pará são faladas 41 línguas diferentes. A Amazônia possui um vasto material para o campo de pesquisa lingüística e uma urgência cada vez maior de que estudos lingüísticos sejam feitos ali. Da mesma forma que, por um lado, tem uma imensa diversidade em sua fauna e flora, e por outro, uma certa quantidade de espécies biológicas ameaçadas de extinção, a região amazônica possui uma extraordinária diversidade de línguas, com um bom número delas correndo sério risco de se extinguir em poucos anos. A quantidade de línguas amazônicas faladas atualmente é cerca de 170, distribuídas em quatro grandes famílias lingüísticas (Aruak, Karib, Tupi e Macro-Jê); os pesquisadores fazem esse tipo de classificação baseados em estudos comparativos das línguas.

Muitas línguas, no entanto, têm estudos apenas incipientes, outras nunca foram documentadas. É o caso do sabanê, que é uma língua tonal, isto é, existe um componente extra além dos segmentos sonoros vocálicos e consonantais; trata-se do tom, ou melodia da fala, que altera o conteúdo semântico daquilo que se diz. A situação atual dessa língua é crítica, e os pesquisadores estão cientes disso. Setenta anos atrás, a tribo sabanê contava com aproximadamente 19 mil indivíduos. Hoje, restam no norte de Mato Grosso, na área de transição entre a floresta amazônica e o cerrado, menos de 100 índios sabanê, dos quais apenas 13 falam a língua de seus ancestrais. Os indivíduos da tribo com menos de 35 anos só falam o português. Entre os Aweti do alto Xingu, "somente alguns homens adultos, entre 25 e 40 anos, sabem falar o português", declara o alemão Sebastian Drude, professor da Universidade Livre de Berlim, que tem contato com esses índios desde 1998.

Há línguas indígenas que contam no sistema fonológico apenas 13 letras! Imagine, se o português tem 23 letras, o grego 24 e o hebraico 22, como existe uma língua em que os falantes se comunicam eficientemente com somente 13 letrinhas, das quais 4 são vogais e 9 consoantes? Das duas uma: ou a natureza é inexplicável ou Deus é as duas coisas, ou seja, inexplicável e a natureza simultaneamente. Pensou que isso é tudo? Não revelei 1% dos mistérios lingüísticos das línguas amazônicas. É óbvio que os índios não representam um povo, mas muitos povos, que se diferem bastante entre si. Lógico que as línguas também são diferentes. Assim, cada uma tem determinados traços, que podem coincidir ou não com outras, mas, no seu conjunto, caracterizam-se como um sistema único de expressão humana.

Em 26 Estados existentes no Brasil, somente no Rio Grande do Norte e Piauí não mais há índios; no Distrito Federal, também. Estamos na Semana do Índio e, por extensão, a semana é nossa também, pois todos os brasileiros temos um pouco de sangue indígena, afinal quando os portugueses invadiram a Terra Brasílis só habitavam eles por aqui. Nas escolas, onde a questão indígena permanece ligada a apenas uma data comemorativa, o Dia do Índio, a imagem do silvícola continua a mesma de 40 anos atrás, isto é, preconceituosa, pejorativa e miserável. Contudo não pensam assim biólogos, antropólogos e lingüistas estrangeiros que vêm à Amazônia, porque sabem que os índios amam e precisam da natureza que é rica e bela. Eles sabem como a terra é importante ao povo indígena, portanto, eles a amam. Todas as vezes que visitam uma aldeia, observam, estupefatos, como eles respeitam a mãe natureza; os índios ensinam às crianças como ela é importante, daí eles crescerem amando e respeitando a natureza.

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