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O dia

Adital - http://www.adital.com.br/
Autor: Egon Dionísio Heck *
21 de Jul de 2009

Quando o dia foi amanhecendo, prometia. Os amigos, alvoroçados,procuravam os amigos para o abraço do dia. Seu dia. Os céus precisariam ser cortados pelos velozes pássaros de ferro (que de ferro tem muito pouco!), descendentes daquele dia especial de um brasileiro que teimou que também poderia voar. E deu certo. Hoje, o céu de brigadeiro no mundo inteiro é testemunho dessa idéia genial e teimosa de voar. São milhares de aviões cortando nuvens e ventos, de um canto a outro do planeta. Também não faltaram as imagens meio desfocadas, de homens dando um pulinho para pisar na lua. Dos enamorados, ela deve ter pensado: "fiquem pra lá! Não venham fazer aqui o mesmo estrago que estão fazendo lá embaixo na terra!".

Para os Kaiowá Guarani, no Mato Grosso do Sul, mais do que tudo isso, era anunciado o dia de extrema importância: a volta dos Grupos de Trabalho, para concluir o trabalho de identificação de suas terras tradicionais. Um sonho e um pesadelo. Já no final do dia, como um raio, a notícia de mais um adiamento. Será que ainda dá para confiar em alguém, se perguntam irados, os Kaiowá Guarani. Quanta enganação entre a terra e a lua, entre os amigos e inimigos. Talvez seja apenas mais um dia do pesadelo secular, desde que a invasão começou.

Verdade ou mentira

"É uma questão de honra do País, não apenas para o presidente da FUNAI. O Brasil está sendo observado internacionalmente. Trata-se de uma questão humanitária muito séria. Não podemos aceitar que no âmbito da nação brasileira tenhamos um grupo indígena vivendo nas condições precárias em que os guaranis kaiowás vivem hoje, afirmou Meira" (Correio do Estado,13/07/09). A matéria inicia dizendo que "o reconhecimento e a garantia dos direitos originários dos índios Kaiowá Guarani a terras no Mato Grosso do Sul, hoje ocupadas por atividades produtivas, é definido pelo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcio Meira, como uma 'questão de honra' para o Brasil e como 'o principal desafio' após a confirmação da demarcação em faixa contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima" (idem, p. 8a)

O que os Kaiowá Guarani estão a se perguntar todos os dias, é quem está falando a verdade e quem está enganando. Tem razões de sobra para não mais acreditar em prazos, em planos, em prioridades, em demarcação e garantia de suas terras. Conforme o Termo de Ajustamento de Conduta - TAC, assinado em novembro de 2007, os relatórios de identificação das terras dos Kaiowá Guarani deveriam estar sendo publicadas no Diário Oficial da União e do Estado, até dia 30 de junho. Já se passa quase um mês do prazo. Agora o presidente do órgão indigenista oficial fala em conclusão dos trabalhos até o final do ano. É bom lembrar que desde o início do governo Lula, a Funai tem afirmado que a questão de demarcação das Terras Guarani é prioridade para o órgão.

Por outro lado os produtores rurais da região do Estado, na fronteira com o Paraguai, continuam se mobilizando para impedir a demarcação. A FAMASUL, os Sindicatos Rurais e ONGs ruralistas comandam a ofensiva anti-direitos indígenas. "de acordo com o presidente da instituição (Famasul) , Ademar Silva Junior, a escala é significativa tanto em áreas como em indenizações porque, caso o governo precisar desapropriar 500 mil hectares, a estimativa é de que a indenização fique em torno de R$ 5 bilhões." E arremata "Não vamos aceitar engodos em cima de falácias. É fácil falar em expropriações ou até mesmo em desapropriação, o difícil é encontrar mecanismos legais para isso".(C.E. 15/07/09) Já o presidente do Sindicato Rural de Ponta Porã afirmou que "Os produtores não querem vender suas terras, o Governo que procure outras áreas ou fazendas para comprar... De acordo com o dirigente sindical, os produtores rurais da região de fronteira não vão aceitar indenização proposta pelo Governo federal no processo de demarcação das terras para índios guarani-kaiowás, que começará dia 20 de julho".

Ruim para todos

A não demarcação das terras indígenas é indiscutivelmente ruim para todos. Os setores da agroindústria dizem que seus investimentos estão prejudicados por causa da indefinição fundiária, na demarcação das terras indígenas. Os Kaiowá Guarani continuam sob o rigor genocida de um processo de extrema violência com mortes diárias em função desse quadro de confinamento. A Constituição desrespeitada e os Convênios e legislação internacional descumprida, acabam atingindo negativamente a imagem do país. Caso não tivesse havido a intempestiva e inconstitucional reação contrária ao reconhecimento dos direitos à terra desse povo, a identificação já teria sido concluída no ano passado e hoje já se teria um quadro bem melhor para todos.

Em vista da urgente superação dessa realidade, o general Jorge Armando Felix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, esteve duas vezes em Mato Grosso do Sul, recentemente, para ouvir todos os setores e "para repassar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um retrato fiel sobre o quadro da região" (Correio do Estado, idem). Nesta mesma ocasião afirmou que "o Exercito Brasileiro poderá atuar no sentido de garantir a segurança durante o processo de demarcação". Porém acredita que isso não será necessário. Por isso é importante que efetivamente os Grupos de Trabalho reiniciem e concluam seus trabalhos com tranqüilidade e agilidade.

Essa será também uma das reivindicações levadas pela delegação do Mato Grosso do Sul para a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, pois foi uma das 21 diretrizes aprovadas na etapa estadual, realizada de 15 a 17 desse mês, em Campo Grande.

O que se espera é que o governo brasileiro cumpra sua obrigação de identificação e demarcação das terras Kaiowá Guarani, para que esse povo passe a ser motivo de orgulho para nosso país, e demais países em que vivem.

Cimi MS
Campo Grande dia 20 de julho de 2009

* Assessor do Conselho Indigenis (CIMI) Mato Grosso do Sul

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