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O desenvolvimento sustentável é possível?

MPD Dialógico, nº. 12, mar 2007, p. 5-9
05 de Out de 2007

O desenvolvimento sustentável é possível?

Por Carolina Stanisci

Contaminação da água, poluição do ar, derretimento de geleiras, alteração nas correntes marítimas, desertificação de grandes áreas, destruição de corais, enchentes, terremotos, maremotos, o fim de inúmeras espécies de plantas e animais... A lista apocalíptica poderia prosseguir pois, como se sabe, a degradação do meio ambiente é proporcional à ação do homem voltada para o desenvolvimento.
Cabe a dúvida: que desenvolvimento é este que devastou tanto o nosso planeta?
A resposta não é simples, mas algumas reflexões podem estar contidas em duas palavrinhas supostamente "mágicas" usadas quando se discutem alternativas e soluções para combater os efeitos nefastos da ação do homem no planeta: "desenvolvimento sustentável".
Segundo Marcio Santilli, fundador da ONG Instituto Socioambiental, desenvolvimento sustentável é "aquele que evita passivos para as futuras gerações, ou, pelo menos, cujo benefício econômico é evidentemente maior que os passíveis não mitigáveis". Em poucas palavras: é o desenvolvimento que não mata a vida.
Um dos maiores vilões que impedem esse desenvolvimento "do bem" é o aquecimento global. Contra ele, não servem leis ou iniciativas comunitárias bem intencionadas. A mudança deve ser brutal - e global.
"O aquecimento global não é apenas o tema mais importante da agenda ambiental, mas é também superveniente em relação à agenda da própria política econômica e põe em xeque o modelo de civilização pós-industrial e as próprias condições de vida no planeta", afirma Santilli.
O economista José Eli Lopes da Veiga, que figura na seção "MPD Entrevista" desta edição, endossa o ambientalista e diz que "metade do problema ambiental" no mundo decorre do aquecimento global.
A emissão na atmosfera de gases como o dióxido de carbono, provocada em grande parte pelo uso de combustíveis fósseis como o petróleo (veja Box na página 7), hoje é considerada pelos climatologistas
como a maior causa do aquecimento global.
E o problema tem dimensões tão grandes que, para os cientistas, saber o que fazer com a emissão de carbono é a equação mais sedutora do século 21.
A solução não parece estar próxima, mas o investimento realizado para se livrar do carbono, e principalmente o investimento em novas fontes de energia, é tão importante que os grandes líderes mundiais no começo de 2007 deram amostras de que se preocupam com o tema.
No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, representantes das maiores economias do planeta mostravam-se temerosos em relação ao aquecimento global.
George W. Bush, presidente dos EUA, não exatamente conhecido por defender a causa ambiental, deu aval para que se consuma mais etanol em seu país. Bush pretende diminuir o consumo de gasolina nos EUA em 20% na próxima década.
No Brasil, investe-se no biodiesel. O combustível é produzido a partir de fontes renováveis como o etanol no lugar do metanol, combinadas a um óleo de origem vegetal, como a mamona, a soja e o girassol, ou óleo animal, como o sebo. "É uma faca de dois gumes", afirma a bióloga Cristina Azevedo, em relação ao biodiesel.
"Se por um lado o biocombustível é uma fonte de energia alternativa importante, por outro é necessário analisar o impacto socioambiental, principalmente no caso de extensas monoculturas."
Cristina exemplifica: o agricultor que planta, digamos, arroz, feijão e mandioca para sua subsistência e passa a plantar apenas mamona sofrerá impacto. Se muitos fizerem o mesmo, a agricultura familiar no país sofrerá um impacto gigantesco que não pode ser deixado de lado. Ao que parece, não é simples substituir o petróleo ou conseguir novas fontes de energia.
Reserva de biosfera
Segundo José Eli Lopes da Veiga, um grave problema ambiental, talvez o mais grave em seguida do aquecimento, é a contaminação das águas. Resultado da ocupação desordenada de áreas urbanas e rurais e do uso equivocado do solo, o problema é familiar para os leitores de jornal em São Paulo, onde o entorno de áreas de mananciais é ocupado por milhares de pessoas.
A construção do trecho sul do Rodoanel, por exemplo, criou uma polêmica entre o governo e organizações da sociedade civil por conta do impacto que terá na Bacia da Billings, um dos maiores mananciais de água que abastecem a região metropolitana de São Paulo.
O Instituto Socioambiental publica em seu endereço na Internet (www.isa.org.br) textos explicando o impacto da obra no trecho sul da cidade. O Rodoanel cortará os municípios de Embu, Itapecerica da Serra, São Paulo, São Bernardo do Campo, Santo André, Ribeirão Pires e Mauá e, em São Paulo, passará pelos bairros do Grajaú, Jardim Ângela e Parelheiros.
Ministério Público e muitas organizações não-governamentais questionaram a obra do Rodoanel sob os mais diversos aspectos. "Foram muitas ações civis públicas, tanto do MP estadual como do federal", lembra a desembargadora do Tribunal Regional Federal Consuelo Yoshido, a quem coube julgar uma ação movida pelo MP federal que questionava os termos do licenciamento da obra em 2003.
"A discussão era sobre quem faria o licenciamento", lembra Consuelo, que também é professora de direito ambiental na PUC-SP.
Na ação, o MP queria que o Ibama também participasse do licenciamento da obra, uma vez que o entorno da construção do Rodoanel é uma "reserva de biosfera", termo da Unesco que define ecossistemas reconhecidos internacionalmente como áreas em que o uso sustentável e a preservação ambiental devem ser harmonizados.
Consuelo conta que teve medo de que, se a ação prosseguisse e subisse ao STF, o licenciamento nunca seria feito e a obra estaria parada até hoje. Foi, portanto, feito um acordo entre as partes (Ministério Público, Ibama e Estado de São Paulo), e o Estado, por meio da Secretaria do Meio Ambiente, foi supervisionado de perto pelo Ibama.
"É importante pesar o custo social, ambiental e econômico na tomada de decisões", afirma Consuelo.
Perda de biodiversidade
"O desmatamento é iniciado pelo madeireiro, que abre estradas até áreas de exploração. Essas estradas servem depois para a expansão da fronteira agrícola, na qual milhares de lavradores são empurrados para ocupar as terras baratas da Amazônia. É a síntese da destruição da Amazônia: corte de madeira, gado e, depois, soja." A frase acima, que poderia sair da boca de algum ambientalista, foi dita pelo promotor de Justiça em Rondônia Pedro Abi-Eçab. Ele revela um tema caro ao desenvolvimento sustentável, a perda de biodiversidade, que ocorre por vários motivos, entre eles, o desmatamento.
Titular da Promotoria de Justiça de Guajará-Mirim, ele diz que a maior parte dos trabalhos do MP na área ambiental no local é relacionada à proteção das Unidades de Conservação inscritas na Lei 9795/99 e ao combate à exploração ilegal de madeira. O problema todo, resume o promotor, é também "cultural".
Cultural porque talvez os brasileiros tenhamos herdado um hábito desenvolvimentista que privilegie construções, queimadas e indústrias. Tudo isso, é claro, tem um preço.

O derrubamento de árvores na Amazônia, por exemplo, é responsável por dois terços da emissão de gás carbônico no Brasil.
E o preço que tem sido cobrado na região central do país é alto. A bióloga Cristina Azevedo afirma que a perda de biodiversidade na área de cerrado é enorme por conta da invasão indiscriminada de terras por plantações de soja. Quando se perde biodiversidade também se perde toda uma cultura local, lembra a bióloga.
E o caso é grave. Segundo pesquisa divulgada recentemente pela Embrapa, apenas 61,2% da cobertura do cerrado foi preservada.

Consumo sustentável: compre esta idéia
Você sabia que 97% da água existente no planeta é salgada? E que, da água doce, apenas 1% é acessível e está armazenada em lençóis subterrâneos, rios e lagos? Se tiver sempre em mente essa informação, você passará a economizar água? E será que passará a apagar mais as luzes de casa ao descobrir que a energia elétrica não é um bem infinito?
Se essas perguntas já passaram pela sua cabeça, talvez você seja um consumidor "consciente" como 6% da população brasileira. O número foi apurado em pesquisa realizada pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente em 2004.
A associação, criada em 2001 para fomentar o consumo sustentável e a responsabilidade social de empresas, descobriu que há 4 perfis de consumidor que variam independentemente da renda. "Essas pessoas [consumidores conscientes] estão fazendo coisas sem pensar apenas em seu bolso", diz Helio Mattar, presidente do Akatu.
A pesquisa apontou que, se por um lado, 6% dos brasileiros são consumidores "conscientes" e 37% "engajados", a maioria não se conscientizou, sendo considerada "iniciante" (53%) e "indiferente" (3%).
Uma nova pesquisa sobre o consumidor brasileiro será divulgada pelo Akatu no primeiro semestre de 2007. Mattar, porém, não está otimista. Ele diz acreditar que o grau de consciência dos consumidores pode diminuir e lembra que, na ocasião da primeira pesquisa, o país sofria os efeitos do Apagão e a economia mundial não estava tão estável como hoje. Tudo isso fazia com que o brasileiro economizasse energia, por exemplo.
E o que faria o brasileiro mudar seus hábitos de uma vez? "O primeiro passo é pensar se o que se consome é mesmo necessário", afirma Mattar, indo na contramão do apelo publicitário de que todos são alvo, mas ressaltando que, com tantas notícias sobre aquecimento global, talvez seja a hora de o brasileiro consumir com consciência.

O cidadão ecologicamente correto

Por Diego Cordeiro

Mais um dia comum: trabalho, trânsito etc. O cidadão entra em casa e acende a luz da sala. Vai ao quarto e acende outra luz. Troca de roupa e volta à sala, onde liga a televisão. Vai para a cozinha, abre a geladeira.
Pensa se tem ou não fome em frente ao eletrodoméstico escancarado. Decide tomar um banho e, do banheiro, escuta o noticiário dizendo que a temperatura na Terra tem se elevado gravemente. Olhando no espelho, especula: "O que será que estão fazendo para mudar isso?". Mal sabe o incauto cidadão que grande parte da solução está à sua frente.
Este não é o caso de Marcelo Theoto Rocha, 35. Engenheiro agrônomo, doutor em economia aplicada e consultor da ONU no monitoramento de emissão de CO2 de países desenvolvidos com metas a cumprir, desde cedo se interessa pela causa ambiental e tem um argumento categórico na ponta da língua: "Para cobrar o governo e as empresas, precisamos fazer a nossa parte".
A preocupação com o meio ambiente começou no doutorado na USP. A universidade promovia um programa de reciclagem que despertou o pesquisador para os problemas ambientais.
Mas foi muito antes de seus estudos que Marcelo, nascido em Holambra (SP), procurou se pautar pelo comportamento ecologicamente correto. Habituado a reciclar o lixo, o pesquisador ampliou suas ações ambientalistas especialmente após o Apagão.
"Conforme as coisas acontecem, as pessoas ficam alertas." Marcelo trocou o freezer de casa e usa a máquina de lavar com a capacidade máxima e não usa microondas. "Os banhos também são rápidos", diz.
O engenheiro foi mais longe: não usa mais o seu carro pela cidade. "Quantas pessoas vivem em São Paulo e quantas têm carro? A diferença é que eu escolhi usar o transporte público", explica. "Eu me estresso menos", comemora ele, que calcula economizar cerca de 12 mil reais por ano, já descontado o gasto com o transporte.
Casado, Marcelo diz que sua mulher o apóia em todas as iniciativas. "Ela apóia, mas diz que é 'menos sustentável' que eu", diverte-se. O pesquisador conta que sua nova empreitada em prol do meio ambiente será a construção de uma casa com aproveitamento de energia solar e da água da chuva, feita com madeira certificada e outros quesitos.
"Isso tudo tem que ficar dentro do orçamento", conta. Ele espera que essa atitude ajude na futura educação da filha de um ano e cinco meses. "Vou procurar uma escola que tenha essa preocupação ambiental", afirma, com fôlego para convencer muitas outras famílias da importância da causa ambiental.

O efeito estufa
Quando a radiação solar entra na atmosfera da Terra, parte dos raios que incidem sobre o planeta é absorvida e o aquece; outra parte volta para o espaço. A atmosfera é composta por vários gases, inclusive o dióxido de carbono. Esses gases têm o papel importante de reenviar os raios infravermelhos para a Terra, aquecendo-a. Se os gases são emitidos em excesso, o aquecimento da Terra acaba também sendo demasiado.

Dicas de como praticar o consumo sustentável no dia-a-dia*

Não deixe a torneira ligada durante a escovação de dentes, apenas use a água para bochechar
Produza menos lixo: a decomposição emite metano (CH4), gás que contribui para o efeito estufa
Compre produtos com pouca embalagem ou que sejam envoltos por embalagem reutilizável ou reciclável
Não use todos os aparelhos eletroeletrônicos ao mesmo tempo; além de poupar, você estará ajudando a evitar a construção de novas hidrelétricas e diminuirá a exploração de fontes de recursos não-renováveis, como o petróleo
Se usar a máquina de lavar louça, ligue-a somente quando estiver com toda a sua capacidade preenchida; o mesmo para a máquina de lavar roupa
Não fique horas no banho; se não puder ficar apenas 5 minutos, tente diminuir aos poucos a permanência debaixo do chuveiro
Não lave o chão do seu quintal com água diariamente; se precisar, use a água que usou para lavar as roupas
Não abra a geladeira e fique meditando à sua frente; apenas pegue o necessário e feche-a imediatamente, o seu bolso será o primeiro a agradecer
Não use o ferro elétrico quando todos os outros aparelhos estiverem ligados em sua casa; você pode aproveitar o calor do ferro após desligá-lo para passar muitas roupas
Evite lavar o carro com mangueira o tempo todo; prefira baldes cheios de água
As plantas não precisam ser regadas em suas folhas; basta molhálas
a partir da base
Não jogue nunca lixo na rua; o mesmo vale para lixo dentro de locais como bares; saiba que bitucas de cigarro podem ser levadas pelo vento para o meio ambiente
Compre livros feitos com papel reciclado
*Fonte: Ministério do Meio Ambiente e Idec.

Histórico do desenvolvimento sustentável

1968
Fundação do Clube de Roma, agremiação de cientistas e economistas europeus para debater a interação entre economia e meio ambiente.

1972
A ONU organiza a Conferência de Estocolmo, na Suécia. Resultado: criação da "Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano", ampliando a preocupação com o meio ambiente, o modelo de crescimento e o uso dos recursos naturais.

1974
O ambientalista Lester Brown cria o Worldwatch Institute, organização Independente que se dedica a pesquisas sobre desenvolvimento sustentável.

1982
A ONU publica a "Carta da Natureza" para chamar a atenção para nossa dependência dos ecossistemas e defender todos os tipos de vida.

1983
A ONU cria a "Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento", liderada Gro Harlem Brundtland, para formular propostas para os problemas detectados e criar redes de cooperação.

1984
É publicado o primeiro "State of The World Reporter" pelo Worldwatch Institute. Esta série de relatórios se transforma no ponto focal mais importante sobre as relações entre a economia e seus impactos ambientais

1987
A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento produz o Relatório "Our Common Future", documento em que surge pela primeira vez o termo desenvolvimento sustentável.

1992
Realizada no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO 92. Resultado: Agenda 21, conjunto de propostas e objetivos que norteia o desenvolvimento sustentável global.

1997
É assinado o Protocolo de Kyoto, no Japão, por 84 países. O documento prevê redução de emissão de dióxido de carbono e de outros gases que colaboram com o agravamento do efeito estufa pelos países desenvolvidos.

2001
Os Estados Unidos se retiram do acordo previsto pelo Protocolo de Kyoto.

2002
A ONU organiza a ECO 2002, ou Rio + 10, em Johannesburgo, África do Sul, para discutir os acertos e falhas nas ações relativas ao meio ambiente mundial na última década.

2006
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), reunido em Paris, indica que a ação humana é a principal causa do aquecimento global e diz que temperatura do planeta poderá subir até o fim do século entre 1,8 e 4 graus centígrados.

MPD Dialógico, no. 12, mar 2007, p. 5-9

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