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O defensor do sol

CB, Brasil, p. 11
Autor: VIDAL, José Walter Bautista
12 de Fev de 2008

O defensor do sol
Entrevista - José Walter Bautista Vidal
Criador do Proálcool diz que Brasil, por "predestinação cósmica", será potência das energias renováveis

Leonel Rocha

O físico e engenheiro José Walter Bautista Vidal foi um dos coordenadores do programa governamental do álcool combustível na década de 70, o Proálcool. Professor aposentado da UnB, fundou, com um grupo de amigos, o Instituto do Sol, que funciona como um centro de estudos e consultoria para a produção de combustíveis renováveis. Amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recentemente ele participou de uma reunião de duas horas e meia com a cúpula do governo, na qual expôs suas idéias sobre a produção de combustíveis renováveis. Saiu de lá acreditando que o presidente realmente apóia a idéia. Mas, segundo ele, ministros e assessores jogam contra. "Ao falar com o Lula , vemos que ele defende a agricultura familiar e o pequeno produtor para produzir energia limpa, renovável. Mas o governo dele faz o oposto", lamenta Bautista Vidal. O professor propõe a criação, pelo governo, de uma empresa de economia mista para oferecer tecnologia, logística e coordenar um programa de produção, por pequenos agricultores organizados em cooperativas, de combustíveis limpos de óleos como dendê, mamona e girassol, além de cana. Com idéias nacionalistas, ele critica a Petrobras por fazer campanha contra os combustíveis renováveis e prevê que, com a abundância dos raios de sol que chega ao Brasil, o país poderá se transformar no maior produtor de energia limpa do mundo. "Poderemos adquirir nossa autonomia em combustíveis plantando energia limpa e retirando da miséria milhares de produtores rurais", defende. O professor não é um militante ambientalista. Mas suas idéias combinam com a preservação das florestas, principalmente a Amazônica. Na semana passada, ele recebeu o Correio para a seguinte entrevista:

A produção de energias renováveis no Brasil é uma idéia pra valer?
É sim. O Brasil tem uma predestinação cósmica e geográfica de ser a grande potência energética do futuro da humanidade com o fim da era do petróleo. As nossas condições naturais são excepcionais. A grande fonte de energia é o sol, único reator a fusão nuclear natural. Um grama do hidrogênio do sol representa, quando transformado, a energia de mil toneladas de petróleo. Um bilhão de vezes mais. A quantidade de energia produzida pelo sol e que chega por dia à Terra eqüivale, energeticamente, a todas as reservas de petróleo conhecidas em todos os tempos. A civilização do petróleo representa a energia de um dia que o sol nos envia a cada manhã. Por ser o único país que recebe tanto sol e ter a maior proporção de água doce do Planeta, podemos transformar, por meio da fotossíntese, a energia eletromagnética de complicada captação e armazenamento, em energia líquida vegetal limpa com a produção de álcool, celulose e óleos vegetais, de qualidade superior à dos derivados de petróleo.

O dendê seria uma boa alternativa para a Amazônia?
Fantástica. Excelente alternativa para as áreas já degradadas. Somente nessas regiões, sem considerar o restante da floresta ainda em pé, a produção de óleo de dendê para combustíveis colocaria o Brasil auto-suficiente em diesel vegetal, permitindo, até, que a produção nacional de derivados de petróleo seja exportada ao invés de ser consumida aqui. O dendê produz 20 vezes mais óleo do que a soja. Ao mesmo tempo, estaríamos preservando o meio ambiente com o plantio de árvores do dendê, que é natural da Amazônia e tem hoje uma produtividade que não tinha.

As alternativas de soja e cana para a Amazônia são boas?
São absolutamente inviáveis. O excesso de umidade da região dissolve a sacarose da cana e colocar soja na Amazônia é uma bobagem porque exige desmatamento de grandes áreas. É um crime. O que se deve colocar na Amazônia são árvores, como é o caso do dendê e de dezenas de outras palmáceas que produzem óleo.

Por que os vários programas de produção de energia renovável não deslancham no Brasil?
Porque os interesses internacionais não deixam. A Petrobrás produz combustíveis concorrentes aos de origem vegetal. Admiro e até entendo as razões econômicas para isto. Mas há muitos anos a empresa vê a produção de energia renovável e limpa como concorrente. A estatal tem perseguido e inviabilizado a produção desse tipo de energia por uma razão lógica, já que os acionistas, principalmente os estrangeiros, querem ganhar dinheiro e não pensam em ajudar o Brasil a se desenvolver.

E a polêmica sobre a substituição de áreas que hoje produzem alimentos básicos por terras para produzir energia renovável, com a conseqüente elevação nos preços dos produtos da cesta básica?
É completamente falsa. As previsões feitas pelos organismos internacionais de que o Brasil vai se tornar uma grande potência de energia líquida do mundo com o fim do petróleo cria uma avalanche de perturbações externas, de quem não quer que o nosso país se torne uma potência energética. Teve até um deputado da Suíça que elaborou um relatório dizendo que a cana-de-açúcar para produzir etanol está tomando espaço de alimento. Totalmente falso. Nas microusinas de 400 litros por dia que o Instituto do Sol está implantando em milhares de pequenas propriedades, ficou comprovado que, com bagaço de cana e vinhoto usado como fertilizante, alimenta-se 80 cabeças de gado, aumentando a produção de carne e leite. Os cálculos mostram que esta política geraria 22 milhões de postos de trabalho.

As propostas do Instituto do Sol se parecem com as idéias originais do programa de governo do presidente Lula. Porque elas não são implementadas?
Eu conversei com o presidente Lula e fiquei animado. Ele está querendo a fazer as coisas, ele tem boas motivações e quer resolver, mas se diz decepcionado porque não consegue levar avante as propostas de geração de energia renovável com a participação de pequenos produtores. Ao falar com o Lula , vemos que ele defende a agricultura familiar e o pequeno produtor para produzir energia limpa. Mas o governo dele faz o oposto. Ele é bem intencionado, mas virou um refém da política na área econômica e dos credores internacionais. Todos nós estamos preocupados com a elevação da renda do país, mas não podemos ficar sem as políticas necessárias e de instrumento de operação. Quando nós colocamos o Brasil na era petrolífera, houve uma mobilização nacional, o movimento "O Petróleo é nosso" e os militares fizeram relatórios recomendando a criação de um instrumento estatal, que hoje é a Petrobras. Mas a empresa hoje é dominada pelos acionistas estrangeiros que representam 67% das ações preferenciais. Eles recebem dividendos que exigem lucros cada vez maiores com o petróleo e não com geração de energia renovável. Enquanto isto, o potencial de abastecer o mundo de energia líquida fica sem um instrumento para viabilizá-lo. Além de estarmos sem este instrumento do estado, vemos os investidores estrangeiros comprando nossas terras para produzir combustível renovável e deixar o nosso pequeno produtor na miséria. O mundo inteiro está esperando que o Brasil assuma a responsabilidade pela produção de energia renovável, líquida, estratégica.

Mas não é importante que a Petrobras continue explorando o petróleo que há no Brasil?
Sim. Mas a companhia tem outros interesses. Ela é a única que pode montar uma indústria petroquímica com 400 subprodutos inteiramente baseada em óleo de mamona que é uma excelente matéria prima. O preço do óleo de mamona é o dobro do cobrado pelo diesel de petróleo e, assim, não pode e nem deve ser usada como combustível. A idéia é criar uma resinoquímica que poderia produzir uma enorme quantidade de lubrificantes e produtos nitrogenados, com elevados preços no mercado internacional. Também pode produzir próteses para serem utilizados na medicina, um outro tipo de mercado. Só a Petrobras pode montar esta companhia e exportar o combustível produzido no país, aumentando ainda mais seus lucros.

Que instrumento estatal seria este para gerenciar a produção de combustíveis renováveis?
O Instituto do Sol está produzindo tecnologias eficientes que possibilitam a produção de combustíveis renováveis por um quinto do preço de produção da gasolina, por exemplo. Precisamos de um órgão que se encarregue da distribuição e da proteção dos pequenos produtores. O presidente Lula gostou da idéia de criação de uma empresa de economia mista para se responsabilizar pela coordenação de um programa que poderia incluir um milhão de microusinas de álcool com o aproveitamento do rejeito para fertilizantes. Enquanto nós patinamos nessa área, nos Estados Unidos foram criados quatro instrumentos do estado para distribuir por lá o nosso combustível renovável.

O futuro do Brasil é plantar energia?
O Brasil é um fenômeno cósmico. Por ser um "continente" tropical e receber tanta energia solar, permite a produção de energia para abastecer o mundo. Nós já fizemos todos esses cálculos. Ao invés de depender de reservas de petróleo que levam 400 milhões de anos para se formar, por meio do óleo de girassol em dois meses estará produzindo um excepcional substituto dos derivados de petróleo. Enquanto houver sol, poderemos plantar energia renovável no Brasil.

CB, 12/02/2008, Brasil, p. 11

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