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O crime (ambiental) compensa no Brasil

O Globo, Economia, p. 35
27 de Nov de 2011

O crime (ambiental) compensa no Brasil
Poder pedagógico é inócuo, porque multa é baixa e ainda não é paga. Procurador defende mudanças urgentes

Liana Melo
liana.melo@oglobo.com.br

É duplamente vantajoso cometer crime ambiental no Brasil. Primeiro porque o valor da multa é irrisório - o teto não ultrapassa R$50 milhões. Segundo porque o infrator simplesmente não paga pelo delito. Logo, o efeito pedagógico da multa, que seria, em última instância, desestimular o crime, acaba sendo inócuo. A expectativa generalizada é que o óleo derramado pela Chevron na Bacia de Campos não sirva apenas para engrossar as estatísticas oficiais. Afinal o Ibama, a quem cabe exigir essas multas, emite muito, mas cobra pouco.
Não bastasse isso, existe uma superposição de competências, o que acaba enfraquecendo ainda mais as punições ambientais.
- Defendo a revisão urgente dos marcos regulatórios ambientais - advoga Eduardo Santos de Oliveira, procurador do Ministério Público Federal (MPF) do Rio, que instaurou inquérito contra a Chevron. - E o pior, no Brasil, o crime ambiental é tratado como se fosse uma simples briga de bar.
Há um consenso entre especialistas que o governo nunca chegou a azeitar a máquina ambiental para cobrar. Alguns chegam a compará-la a um tigre de papel que não assusta mais ninguém.
O excesso de recursos, especialmente no Judiciário, é um problema, mas não pode ser apontado como o maior entrave. A pesquisadora do Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (Imazon) Elis Araújo lembrou que, em 2008, chegou-se a reduzir de quatro para duas as instâncias para contestações no âmbito administrativo:
- O que a gente vê, entretanto, é que o índice de arrecadação continua baixo.

Processo pode tramitar até 10 anos na Justiça
Multas convertidas em serviços, nem sempre ambientais

RIO e BRASÍLIA. Não bastasse a multa ser baixa e o coeficiente de recolhimento pequeno, os poluidores ainda questionam os valores na Justiça. Até percorrer todas as instâncias judiciais, o processo pode levar até dez anos.
- Não defendo a supressão do recurso administrativo, mas um trâmite mais célere - diz Eduardo Santos de Oliveira, do MPF, comentando que o sinal emitido pela Justiça acaba sendo o de que o poluidor "não vai ser punido".
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, engrossa o coro das críticas:
- É preciso avançar não só na legislação, mas também na capacitação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que vive sofrendo indicações político-partidárias.
Na prática, defende Elis Araújo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), é como se o mecanismo burocrático implementado pelo Ibama tivesse sido criado apenas para "beneficiar, não o Estado, mas o criminoso".
Pequenas mudanças já começam a ocorrer, como é o caso do Amazonas, que, desde 2007, passou a apreender o maquinário e o objeto ilícito no momento da infração.
- Só assim é possível quebrar o lucro da empresa ou do fraudador - afirma Elis, criticando o fato de que muitas multas acabam convertidas em serviços. - A maioria das penas propostas nos acordos judiciais está desvinculada do dano ambiental.
A conversão da multa em serviço virou regra no Rio. Foi o que ocorreu com a Petrobras, que derramou 1,3 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara, em 2000. Três anos depois, as marcas do acidente ainda eram visíveis e prejudicavam a população. Juntas, as multas da estatal somaram R$150 milhões, mas nunca foram pagas. Parte dela foi convertida em obras de dragagem do Canal do Fundão, por exemplo.
- A troca por serviços ambientais tem reduzido as pendências judiciais - admite a presidente do Instituto estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos, comentando que a estratégia tem dado certo.
O mesmo ocorreu com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que poluiu o ar com material particulado do alto forno 3, em 2009. A multa foi convertida em reflorestamento.
Na época do vazamento da British Petroleum (BP), no Golfo do México, chegou-se a discutir o Plano Nacional de Contingência (PNC), que nunca saiu do papel.
- Está faltando é vontade política - cutuca Emílio La Rovere, do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da Coppe. (Liana Melo e Eliane Oliveira)

O Globo, 27/11/2011, Economia, p. 35

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