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O coração verde de Gisele

Época, Brasil, Meio Ambiente, p. 82-84
Autor: ARINI, Juliana; BÜNDCHEN, Gisele
22 de Out de 2007

O coração verde de Gisele
Como a modelo mais famosa do mundo se tornou uma das figuras mais importantes na luta ambiental

Juliana Arini

No centro de uma maloca na aldeia dos índios kisêdjês, no Médio Xingu, em Mato Grosso, um objeto curioso destoa das dezenas de redes. É um espelho de 2 metros de altura, cercado por lâmpadas. Os kisêdjês não escondem o orgulho quando contam que foi um presente deixado pela "Pyimberi" A palavra significa mulher bela. O nome foi dado pelos índios à modelo Gisele Bündchen. A brasileira mais famosa do mundo visitou a região no ano passado para participar de um comercial de sandálias. O vídeo com Gisele vestida de índia foi exibido em vários países. Mas pouca gente sabe que ela fez bem mais que uma campanha publicitária. A modelo cedeu sua imagem para salvar as águas do Xingu.

Foi o começo da participação de Gisele Bündchen como ativista ambiental. Desde 2006, ela faz doações e divulga campanhas para o Instituto Socioambiental (ISA) e o WWF. A primeira delas foi a Y Ikatu Xingu, que significa água boa para o Xingu. A meta do programa é recuperar as nascentes que formam a Bacia do Xingu, da qual dependem os cerca de 6 mil habitantes do Parque Indígena.

A utilização de agrotóxicos nas lavouras e o desmatamento nas margens dos rios, provocados pelo aumento de fazendas em volta do parque, são uma ameaça à vida dos índios. "Já perdemos o Rio Pacas por causa da sujeira que desce das fazendas", diz o cacique Kwiussi Kisêdjê. "Para poder pescar e ter água boa, mudamos as casas de lugar." O grupo que ele lidera é o mais atingido, pois seu território fica na divisa com as propriedades particulares.

A nova aldeia construída pelos kisêdjês foi o local das gravações do comercial com Gisele Bündchen. De lá para cá, o programa Y Ikatu Xingu recebeu o apoio de muitos fazendeiros da região. Eles começaram a replantar as árvores derrubadas nas margens dos rios. Uma das estratégias da campanha foi levar a própria Gisele Bündchen para a região. De calça jeans e vestindo uma camiseta da campanha, ela atuou como repórter de um documentário do ISA. Sua participação ajudou o vídeo a circular pelo mundo. "A curiosidade sobre a vida de Gisele foi um trunfo para a campanha"; diz Enrique Svirsky, secretário-executivo-adjunto da entidade. Além de atuar no vídeo, ela fez uma doação de R$ 140 mil para a aldeia. Foi o pagamento pelos direitos autorais dos grafismos indígenas usados nas sandálias. Gisele também cede à causa do Xingu parte dos lucros obtidos pela venda do produto que leva seu nome.

A nova etapa do engajamento de Gisele é pela preservação das águas de todo o país. Ela apóia a campanha Nascentes do Brasil, do WWF, que estimula a população a propor projetos de conservação dos mananciais aos municípios e Estados. A participação de Gisele Bündchen ajuda a atrair a atenção de um público novo. "Ela leva a mensagem ambiental diretamente para o consumidor. Um grupo difícil de ser conquistado", diz Mônica Rennó, superintendente de marketing e relações corporativas do WWE

No Xingu, Gisele fez questão de ficar próxima dos índios. A modelo não reclamou de dormir em uma oca e passou muito tempo com as crianças e mulheres da aldeia. "Ela foi muito simples, simpática e alegre. Nós gostamos muito de recebê-la. O nome que demos a ela também significa algo delicado que precisa ser cuidado, diz Winti Kisêdjê, presidente da associação indígena. As pinturas desenhadas no corpo da modelo foram feitas pelos próprios índios. A produção chegou a levar um maquiado., mas ele foi dispensado.

Gisele afirma que a questão ambiental sempre fez parte de sua vida. "Tive o privilégio de crescer em contato com a natureza porque sou de uma cidade do interior, passei boa parte de minha infância de pés descalços. Nas férias, ia para a casa da minha avó, que morava na colônia, onde tinha contato com animais, tirava leite de vaca, coletava ovos e brincava na natureza." A modelo nasceu em Horizontina, no Rio Grande do Sul, típica colônia alemã, com menos de 20 mil habitantes. Avessa a badalações, Gisele ainda tem os hábitos simples da infância.

"Hoje, me sinto muito mais feliz quando posso estar em contato com a natureza, no meio do nada, isso me revigora."

Um dos pontos marcantes da vida de Gisele foi sua primeira viagem ao Xingu, em 2004. A visita aconteceu quando ela ainda namorava o ator americano Leonardo Di Caprio. Ela dormiu em redes, comeu com os índios e tomou banho nos rios do Parque. "Foi maravilhoso ver como os índios são integrados com a natureza e entender a simplicidade de sua vida." Foi aí, diz ela, que despertou para os problemas do Xingu. "Ouvi o pedido dos índios para que os ajudasse com o problema da poluição dos rios, pois bebem de sua água, retiram seu alimento deles e se banham neles. Fiquei pensando como poderia ajudá-los. Propus uma parceria com a Grendene, uma empresa com a qual trabalho e sempre me apoiava em minhas idéias", afirma. "Eles foram atrás de projetos sérios, e encontramos o ISA." Foi a primeira vez na história da instituição que um parceiro os procurou para patrocinar um projeto. "Em geral, nós é que temos de buscar apoio, diz Svirsky.
Nem todos os ambientalistas, no entanto, são fãs de Gisele. Em 2002, o grupo europeu Peta (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) acusou a brasileira de não ter coração. A polêmica começou quando ela aceitou posar para uma marca de casacos de pele. Suas fotos com um casaco de mink despertaram a fúria dos ativistas. Integrantes do Peta invadiram um desfile, enquanto ela estava na passarela, para protestar. Gisele declarou que se sentiu injustiçada. A agressividade dos protestos repercutiu mal para o próprio Peta, que depois buscou uma aproximação com Gisele.
A supermodelo pretende criar uma fundação. "Quero continuar a investir em coisas em que acredito. Tenho vontade de ajudar as crianças, me preocupo com a violência no Brasil e também com o meio ambiente." É a prova que o ambientalismo está na moda.

"Vamos ter que nos reeducar"
Gisele Bündchen fala, em entrevista exclusiva, sobre sua luta pela preservação do meio ambiente

Juliana Arini

A supermodelo Gisele Bündchen falou com exclusividade a ÉPOCA sobre como os índios a influenciaram a lutar pelo meio ambiente. Ela também afirma que já mudou muitos hábitos em sua vida pelo planeta e conta que já dançou com os índios do Xingu e pescou piranhas na Amazônia. Hoje, a modelo se considera uma otimista sobre o futuro, mas faz um apelo para que as pessoas repensem suas condutas em relação aos recursos naturais.

Época - Quando você despertou para a causa ambiental?

Gisele Bündchen - Sempre fui fã da natureza e me sinto mais confortável quando estou em contato com ela. Hoje em dia, é impossível não perceber o que esta acontecendo com o meio ambiente.

Época - Existe alguma situação na sua vida na qual a natureza tenha um papel marcante? Por quê?

Gisele - Eu tive o privilégio de crescer em contato com a natureza porque sou de uma cidade do interior, passei boa parte da minha infância de pés descalços. Nas férias, ia para casa da minha avó, que morava na colônia, onde tinha contato com animais, tirava leite de vaca, coletava ovos das galinhas e brincava na natureza. Acho muito importante que as pessoas possam ter este contato com o meio ambiente para entender o quanto ele é importante. Não poderia me imaginar tendo outro tipo de infância! Hoje, me sinto muito mais feliz quando posso estar em contato com a natureza, no meio do nada, isso me revigora.

Época - Você esteve no Xingu em 2004. Qual foi o efeito dessa viagem na sua vida?

Gisele - Sempre tive muita curiosidade de conhecer a Amazônia, a maior floresta do mundo, que tem uma diversidade gigantesca de fauna e flora. Queria sentir como era estar no meio de uma floresta, entender como é sobreviver da natureza e saber um pouco mais sobre como os índios viviam. Foi maravilhoso ver como eles são integrados com a natureza e entender a simplicidade de suas vidas. Acho que todos deveriam respeitar a natureza e viver em harmonia, pois sem ela, não existiríamos.

Época - Como começou a pareceria com a organização não governamental Instituto Sócio-ambiental?

Gisele - Depois da minha primeira viagem ao Xingu, em 2004. Foi quando eu ouvi o pedido dos índios para que os ajudasse com a poluição dos rios, pois bebem de sua água, retiram seu alimento dela e se banham nela, fiquei pensando como poderia ajudá-los. Então propus a Grendene uma parceira, pois é uma empresa com a qual eu trabalho há quatro anos e sempre me apóia nas minhas idéias. A equipe da Grendene foi atrás de projetos sérios e então encontramos o Instituto Socioambiental e o projeto "Y Ikatu Xingu - Salve a água boa do Xingu".

Época - Durante as gravações do comercial da Grendene, no Xingu, como foi o contato com os índios?

Gisele - Adorei ter passado por esta experiência e ter conhecido um pouco mais como é a vida daquele povo foi maravilhoso! As índias se ofereceram para ajudar a me pintar para o comercial, fiquei impressionada com a habilidade e rapidez com que elas fizeram a pintura em todo o meu corpo em cerca de 10 a 15 minutos, coisa que o maquiador demorou horas. Eles foram muito simpáticos. À noite, nos convidaram para dançar e fizeram com que nos sentíssemos em casa. Foi um momento especial. É bacana ver como preservam suas tradições, apesar de já ter tido bastante contato com o "povo branco", como dizem. Os índios também me deram um nome, "Pyimberi". Fiquei emocionada!

Época - Quantas vezes você esteve no Xingu depois da campanha?

Gisele - Só estive no Xingu duas vezes e adoraria voltar para conhecer outras partes da Amazônia, pois é uma das maiores riquezas do mundo. Adoraria explorá-la e descobrir mais coisas sobre a floresta.

Época - Você já foi a outros lugares na Amazônia?

Gisele - Já visitei áreas do rio Araguaia, onde fui tentar pescar, mas só pesquei piranhas. Tivemos que fazer um ensopado de piranhas.

Época - Você tem saudades da natureza do Brasil?

Gisele - Sinto falta deste contato direto que tinha com os animais e a natureza quando era criança. Adoraria passar mais tempo no meio do mato. Não há nada mais maravilhoso do que acordar de manhã, em uma lugar tranqüilo, sem barulho de carro, de gente... Só os sons da natureza. É muito especial quando a gente realmente consegue sentir a natureza dessa forma.

Época - Se você tivesse que eleger cinco lugares no mundo para preservar, quais seriam?

Gisele - Temos que preservar tudo. Não existe um lugar mais importante que outro, a natureza é importante em todos os lugares. Todos os países precisam de água limpa, precisam de ar fresco e que o ecossistema esteja equilibrado, em harmonia. Só assim, nós também poderemos viver melhor.

Época - Você fez algum tipo de doação financeira para a campanha Y Ikatu Xingu ou apenas contribui com os direitos de sua imagem?

Gisele - O mais importante é dar visibilidade para a questão das águas, porque ela é tão importante para mim quanto para qualquer pessoa e, quanto mais informação eu puder transmitir, mais as pessoas podem agir e mudar. E, sim, também enviamos uma percentagem da venda das sandálias para a causa.

Época - Qual é sua participação na campanha?

Gisele - Eu, literalmente, vesti a camiseta para chamar atenção e trazer consciência para a causa das águas.

Época - Sua nova campanha fala da conservação das águas do planeta. Como esse assunto surgiu na sua vida?

Gisele - É triste saber que, infelizmente, ainda hoje, muitas pessoas não tem acesso a água potável. É importante entender que a água é um bem finito e temos consumido mais do que o planeta pode fornecer.Esta questão toda me preocupa muito, pois vejo a rapidez com que as coisas estão mudando no mundo. Nós vivemos neste planeta e temos que aprender a respeitá-lo. Na campanha Ipanema Gisele Bündchen deste ano continuamos apoiando a causa das águas, que começou em 2006 com o projeto Y Ikatu Xingu, que significa "Água Boa, Água Limpa do Xingu". Agora em 2007 esse apoio tem uma amplitude maior pois apoiamos três projetos que abordam o tema água: "De Olho nos Mananciais", "Campanha Nascentes do Brasil" e continuamos com o projeto "Y Ikatu Xingu".

Época - Quais são os objetivos dessa nova campanha?

Gisele - Trazer conscientização da importância da água e alertar que ela é uma fonte esgotável, portanto, se não nos preocuparmos com ela agora, pode ser que não tenhamos água pura no futuro.

Época - Você tem planos de fazer a sua própria fundação?

Gisele - Tenho planos de fazer algo no futuro, quero continuar a investir em coisas que acredito.

Época - Como seria uma fundação da Gisele Bündchen?

Gisele - Tenho muito vontade de ajudar as crianças, me preocupo com a violência no Brasil e também com o meio ambiente.

Época - Quais mudanças você já fez em sua vida pelo meio ambiente?

Gisele - Tenho algumas pequenas atitudes para não desperdiçar água, como cuidados na hora do banho, de escovar os dentes. Eu também coloquei em minha residência um sistema para reutilizar a água de algumas partes da casa no jardim. Outro cuidado importante é na hora de reciclar o lixo. O consumo de energia alternativa também tem sido uma opção, como a energia gerada pelo vento. Acho que você pode começar mudando alguns hábitos em sua vida e quando se der conta, já estará fazendo grande diferença e influenciando as pessoas ao redor.

Época - Se você pudesse escolher um lugar no Brasil para representar tudo que você mais gosta no país. Que lugar seria esse?

Gisele - Amazônia, por causa da diversidade, a paz que o lugar transmite e o senso de pertencer, fazer parte de uma coisa maior. Quando estive lá, me senti livre, adorei ver os animais livres, parecia um outro mundo.

Época - Hoje o aquecimento global é o grande temor de cientistas e ecologistas. Você teme pelo futuro da humanidade ou tem esperança de que podemos mudar os rumos de nossa civilização?

Gisele - Sou uma pessoa positiva e prefiro acreditar que, com consciência, assumindo responsabilidades pelos nossos atos e mudando nossos hábitos, ainda possamos reverter a situação. Tudo é possível, só necessitamos saber o que fazer para agir. Se não tomarmos alguma providência, urgente, a situação pode ficar realmente crítica. É uma pena que hoje tenhamos que brigar contra nós mesmos, contra os nossos hábitos e costumes. Vamos ter que nos reeducar. Temos uma chance mudar as coisas, mas isso só vai acontecer se fizermos acontecer.

Época, 22/10/2007, Brasil, Meio Ambiente, p. 82-84

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