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O compadre Lula: ao participar de encontro com os sem-terra no Parque da Cidade, presidente renova a simpatia mutua com os movimentos dos trabalhadores rurais e aproveita a ocasiao para defender Palocci das criticas de Stedile

CB, Política, p. 2
22 de Nov de 2003

O compadre Lula
Ao participar de encontro com os sem-terra no Parque da Cidade, presidente renova a simpatia mútua com os movimentos dos trabalhadores rurais e aproveita a ocasião para defender Palocci das críticas de Stédile

A aparição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no pavilhão de exposições do Parque da Cidade desarmou os líderes dos sem-terra. Até o início da manhã de ontem, constava em sua agenda uma audiência, às 11h, no Palácio do Planalto, com uma comitiva de líderes dos movimentos da reforma agrária. De última hora, Lula mudou os planos e decidiu ir ao encontro dos sem-terra. Também sem aviso prévio, os líderes dos trabalhadores rurais mudaram radicalmente o discurso sobre a atuação do governo. ..Não precisa falar nada, se quiser tomar uma água e ir embora pode, porque a sua presença e o seu gesto de vir a nossa casa já revela o sentimento de companheirismo.., disse João Pedro Stédile, ideólogo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Na última quinta-feira, o discurso de Stédile era outro, bem menos camarada. Ele havia incitado a platéia acampada no Parque da Cidade a continuar as invasões de terra e chegou a dizer que não aceitaria as ..mentiras.. do governo para justificar a falta de verbas para a reforma agrária. Ontem, antes mesmo de Lula discursar, Stédile deu um voto de confiança ao presidente. ..Vim aqui não para escutar promessas. Não precisamos ir atrás de papel e documento, nós confiamos nos companheiros.., afirmou.
Em um único momento, o discurso de Stédile lembrou as reivindicações defendidas até um dia antes do encontro com Lula. Foi quando ele criticou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
..Nós batemos palma quando você puxou as orelhas do Palocci e disse que o FMI não manda mais no Brasil, quem manda é o presidente Lula... Stédile voltou a falar em Palocci quando tocou na questão do desemprego. ..Você tem andando por todo o Brasil e sabe que o problema maior que o povo enfrenta é o do desemprego. Não há outra coisa mais rápida e mais barata, viu, Palocci, para gerar emprego do que aplicar na agricultura familiar e na reforma agrária...
Depois de culpar Palocci pela lentidão do governo, Stédile voltou ao clima cordial, exemplo seguido por todos os outros líderes que falaram antes do presidente. O coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Thomas Balduíno, chegou a atribuir a presença do presidente Lula a um sinal divino de melhoria na conduta da reforma agrária: ..Jesus dizia assim... vocês precisam ficar atentos aos sinais dos tempos, está aqui um sinal. Esse encontro do povo da terra com o homem ungido para dirigir os destinos do nosso país é uma benção.
Ao discursar, Lula seguiu os conselhos de Stédile. Não falou em números, mas defendeu Palocci das críticas do líder do MST.
No palanque improvisado do pavilhão de exposições, ele enalteceu a atuação do ministro da Fazenda: ..Graças a Deus, a gente tem o Palocci no Ministério da Fazenda, porque a decisão nunca é do Palocci, a decisão é do governo. Muitas vezes, o presidente quer fazer algumas coisas e é o tesoureiro quem diz que não dá para fazer.
Lula também pediu paciência à platéia de três mil trabalhadores rurais que o escutavam atentamente. Dizendo-se um ..verdadeiro amigo.. dos movimentos sociais e que vai ..morrer.. ao lado deles, apelou aos ..apressados.. e ..nervosos .. líderes sem-terra que não sejam ..precipitados.. e somente o julguem no final do mandato, em 2006. ..Se um dia tiverem de me julgar, pela nossa relação de amizade, peço a vocês: deixem para me julgar no final do meu governo. Não julguem precipitadamente, porque a gente pode cometer erros por precipitação.
Parábolas futebolísticas
Para justificar a demora em cumprir a meta de assentamento das famílias de sem-terra, Lula recorreu, como de costume, às parábolas futebolísticas. ..É como a saída de uma partida de futebol. Todo mundo acha que tem de fazer um gol nos primeiros cinco segundos. Às vezes, passam 90 minutos e não se consegue fazer um gol porque, do outro lado, tem adversário.., comparou Lula.
Sobre a reforma agrária, o presidente alertou que ela será feita entro das possibilidades.
Para não dizer que o governo não falou de números, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, apresentou a meta de assentamento do Plano Nacional de Reforma Agrária, o PNRA. Ele prometeu assentar mais de 500 mil pessoas. Mas, no projeto do PNRA, a meta do governo é de 400 mil até 2006. Menos da metade do que reivindicam os sem-terra, que é assentar um milhão de pessoas.
Lula saiu aplaudido e protegido pelos sem-terra. Apesar disso, o MST promete não recuar nas invasões. ..Não existe trégua nas ocupações, mas nós do MST confiamos que o presidente vai assentar todas as famílias imediatamente.., disse o coordenador do movimento, João Paulo Rodrigues.

A criança e o gordo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu com bom humor, fingindo irritação, à atitude de uma criança, filha de agricultores sem-terra.Ela queria ver o presidente da República durante o Fórum Nacional pela Reforma Agrária,no Parque da Cidade, se aproximou do bispo Tomás Balduíno e pediu: ..Quero ver o gordo... O bispo,presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), levou a garota ao palanque e anunciou, ao microfone, que ela queria ..ver o gordo...O presidente, ao subir ao palanque para discursar, brincou: .Não posso me conformar que uma menininha desaforada,depois do sacrifício que estou fazendo para emagrecer,me chame de .o gordo..Não é possível. Se ela soubesse o quanto é difícil perder um quilo depois que a gente engorda, ela diria: .O presidente está até magrinho..Você, quando voltar para sua terra, vai ter de dizer: .Eu encontrei o presidente Lula, e ele está tão magro que eu quase não o reconheci.

O plano
O que é
Traça as diretrizes do governo para a política de reforma agrária. É a principal promessa de campanha petista para o campo. No caderno Vida Digna no Campo, do ano passado, não foi divulgada nenhuma meta de assentamento
Histórico
O primeiro PNRA foi lançado em outubro de 1985 (governo José Sarney), com a meta de desapropriar 43 milhões de hectares e assentar 1,4 milhão de famílias até 1989. Resultado: 82.689 famílias assentadas em pouco menos de 4,5 milhões de hectares
Anteprojeto
A pedido do governo, o economista e ex-deputado federal petista Plínio de Arruda Sampaio coordenou a elaboração de uma proposta para o PNRA. Sua meta, não aprovada pelo Planalto e apoiada pelos sem-terra, previa o assentamento de 1 milhão de famílias entre 2004 e 2007
Governo FHC
A gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) assentou, segundo pesquisa de seu próprio governo, 328,8 mil famílias entre 1995 e 2001. Em 2002, não foi divulgado balanço da reforma agrária.

As metas
O governo anunciou ontem para uma platéia de 3 mil sem-terra,no Parque da Cidade, o Plano Nacional de Reforma Agrária até 2006.
Meta 1 400 mil novas famílias assentadas
Meta 2 500 mil famílias com posses regularizadas
Meta 3 150 mil famílias beneficiadas pelo Crédito Fundiário
Meta 4 Recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos atuais assentamentos
Meta 5 Criar 2,075 milhões de novos postos permanentes de trabalho no setor reformado
Meta 6 Cadastramento georeferenciado do território nacional e regularização de 2,2 milhões de imóveis rurais
Meta 7 Reconhecer, demarcar e titular áreas de comunidades quilombolas
Meta 8 Garantir o reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas
Meta 9 Promover a igualdade de gênero na Reforma Agrária
Meta 10 Garantir assistência técnica e extensão rural, capacitação, crédito e políticas de comercialização a todas as famílias das áreas reformadas
Meta 11 Universalizar o direito à educação, à cultura e à seguridade social nas áreas reformadas

CB, 22/11/2003, Política, p. 2

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