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O clima esquentou mesmo. E agora?

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
23 de Fev de 2007

O clima esquentou mesmo. E agora?

Washington Novaes

Como era previsível e foi comentado neste espaço (26/1), o panorama do clima no mundo tendia a esquentar muito em fevereiro. Já se conhecia o relatório Living Planet 2006 (WWF/Pnuma), mostrando a insustentabilidade dos padrões de produção e consumo no mundo, com efeitos muito fortes também na área do clima. A Organização para a Agricultura e a Alimentação (FAO), da ONU, em seu relatório La Sombra Alongada de la Ganaderia, apontava os graves efeitos da produção de carnes sobre os recursos naturais e a necessidade de reduzir esse impacto em 50% pelo menos (quando se prevê que dobre até 2020). E o relatório coordenado pelo ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern afirmava que temos, no máximo, uma década para enfrentar a questão das mudanças climáticas, nisso aplicando 1% do produto mundial (US$ 400 bilhões a US$ 500 bilhões) a cada ano - sob pena de, não o fazendo, corrermos o risco de um impacto equivalente a uma megarrecessão. A tudo isso viria juntar-se o quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, no início de fevereiro.

Confirmando o que diz desde seu primeiro diagnóstico, em 1988, o painel, agora com um grau de certeza acima de 90%, trouxe graves previsões sobre o aumento da temperatura no planeta, por causa da emissões de poluentes, e com tendência a crescer.

As reações foram muito fortes. A União Européia propõe novo corte de emissões de dióxido de carbono (CO2) de 20% até 2020 ou 30% se houver acordo geral. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, os megaempresários consideraram as mudanças climáticas o tema mais importante. E o presidente Jacques Chirac, da França, volta a insistir em que é preciso criar a Organização Mundial do Meio Ambiente, para legislar sobre essa matéria. Na reunião do G-8 em junho, que incluirá China, Índia, Brasil, México e África do Sul, pretende a União Européia que também os países "em desenvolvimento" aceitem metas de redução de emissões.

Nos Estados Unidos, as discussões tornaram-se ainda mais acaloradas - e, agora, com a própria "speaker" da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, dizendo que o país precisa adotar metas de redução e contribuir para que as emissões no mundo caiam 50% até a metade do século. Já há projetos nesse rumo em tramitação. Os republicanos, em sua maioria, não aceitam, por entenderem que, se houver metas nos Estados Unidos, as empresas e os empregos migrarão para países onde não haja reduções obrigatórias de emissões. De qualquer forma, o Estado da Califórnia entrou na Justiça pedindo indenização de muitos bilhões de dólares dos fabricantes de veículos, pelos danos causados por suas emissões.

A China, o segundo maior emissor, admite que não conseguiu reduzir suas emissões em 2% no ano passado, como pretendia. E está difícil chegar à redução (voluntária) de 10% até 2010, com o país implantando uma usina movida a carvão mineral a cada cinco dias. O Brasil, quarto maior emissor, limitou-se a dizer que conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia em 52% em três anos e que está implantado programas de produção de biodiesel. Muito pouco, quando se lembra que o último número sobre esse desmatamento foi de 13,1 mil quilômetros quadrados em um ano, quase a mesma taxa de 1994, ano em que se baseia o inventário de emissões brasileiras. E já há 13 anos esse desmatamento, juntamente com queimadas e mudanças no uso do solo, respondia por três quartos das emissões nacionais (total de 1,02 bilhão de toneladas anuais de CO2; 13,17 milhões de toneladas de metano - que tem um efeito 23 vezes mais nocivo que o do CO2, embora permaneça menos tempo na atmosfera; e 550 mil toneladas anuais de óxido nitroso, um terço das quais pela agricultura).

Não se pode ignorar também que o tema tem escassa importância na administração federal - tanto que as verbas orçamentárias para o setor em 2003 foram de apenas R$ 9,8 milhões e se gastaram só R$ 664 mil; no ano seguinte, dos R$ 15,4 milhões à disposição do Ministério de Ciência e Tecnologia, apenas R$ 5,4 milhões foram empenhados; em 2006, o tema nem sequer figurou no orçamento (Estado, 11/2). Isso quando os cenários já divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais prevêem um aumento de 6 a 8 graus Celsius na temperatura da Amazônia, 3 a 4 graus no Centro-Oeste, redução de 20% nos recursos hídricos do Nordeste e outros graves problemas.

É preciso avançar muito mais. Fazer cumprir a legislação na Amazônia. Levar à prática o programa de controle das emissões por veículos, empacado há mais de uma década porque Estados e prefeituras disputam quem ficará com a arrecadação das taxas de inspeção. Impedir que programas de produção do biodiesel a partir da soja levem a mais desmatamento na Amazônia (onde continua à espera de resposta do governo federal a proposta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência de desmatamento zero e implantação de forte programa de investimento em ciência para conhecimento e utilização da biodiversidade). E será preciso investir muito mais em programas de outras energias alternativas, como a solar, a eólica e a das marés.

Também não se pode mais fugir a uma discussão ampla sobre a matriz energética brasileira, que defina as reais necessidades do País, desatreladas de programas de megaobras para expansão da oferta de energia a custos inaceitáveis (como têm também as desnecessárias termoelétricas e a perigosa energia nuclear). E dialogar com a sociedade sobre a disposição de aceitar ou não compromisso de redução de emissões, proporcional à contribuição do Brasil para a concentração de gases que já estão na atmosfera.

Washington Novaes é jornalista, E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP, 23/02/2007, Espaço Aberto, p. A2

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