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O céu não cai para os não-últimos yanomami

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Autor: Loretta Emiri
24 de Jul de 2018

Em setembro de 1984 foi publicado em Turim o livro "Os últimos yanomami". Na capa aparece também o subtítulo "Um mergulho na pré-história". Na época já tinha morado por quatro anos na área do Catrimâni, atuando com e a favor dos índios yanomami, vivendo com eles os anos mais felizes da minha vida. Sendo que meus esforços profissionais derivavam da exigência de contribuir à sobrevivência física e cultural dos yanomami, a palavra "últimos" me indignou bastante. Em julho de 2017 o jornal "Corriere della Sera" publicou uma reportagem, um dos subtítulos da qual é "A reza dos últimos yanomami". De 1984 a 2017 se passaram trinta e três anos, porém na Itália, referindo-se a esta etnia, são utilizadas as mesmas banais, estereotipadas palavras. Em janeiro de 2018 a emissora Rai-Tre transmitiu a intervista que me foi feita por Sveva Sagramola. Uma amiga jornalista, jovem rebelde em Maio de '68, escreveu para mim: "Claro, as informações que os yanomami duplicaram, que se defendem sozinhos (que bom!) tirou um pouco de carga emotiva... o que nós podemos fazer para eles? Ou eles para nós?".

O que os yanomami podem fazer para nós? Podem nos ajudar a sarar do etnocentrismo, que é mesmo uma tremenda, contagiosa doença. É recente a saída na Itália do livro "A queda do céu". Publicada em francês e inglês em 2010, em português em 2015 e agora em italiano, a obra é destinada a alcançar o mundo inteiro, como o coautor Davi Kopenawa, xamã yanomami, deseja. Em dezembro de 1989 o etnólogo francês Bruce Albert começou a gravar as palavras do David, e o tem feito por mais de dez anos; depois, graças ao extraordinário domínio que tem da mesma língua falada por Davi, as traduziu para o francês. O livro é o resultado da cumplicidade entre os dois homens e de sua preocupação para com o destino do povo yanomami, sempre sistematicamente ameaçado pelas frentes de expansão da sociedade ocidental. É uma autobiografia que, ao mesmo tempo, o etnólogo converte em biografia. É uma enciclopédia yanomami, devido à quantidade de informações relativas a habitat, língua, mitologia, botânica, zoologia, cultura material.

A leitura da obra nos permite penetrar na cosmogonia yanomami; de saber sobre quais valores este povo construiu sua estrutura social; nos faz meditar sobre modos diferentes de ver, sentir, agir; coloca a confronto a sociedade dita "civilizada" com aquela dita "primitiva". Para os ocidentais "ecologia" é uma palavra à moda, para os yanomami é um estilo de vida. Acúmulo, consumismo, agressão à natureza, exploração selvagem dos recursos naturais transformaram a terra numa lixeira. Não conseguimos mais eliminar resíduos. Os que são tóxicos envenenam a ária, a água, o subsolo, tudo aquilo que comemos, e nós morremos de cancro. Os peixes morrem sufocados pelo plástico; no mar afogam os seres humanos que o nosso egoísmo rejeita. Concebidas por mentes doentias, faraônicas centrais hidroelétricas e nucleares se transformaram em catástrofes ambientais, chegando a devastar até territórios que ficam muito longe dos lugares onde foram construídas. Tudo acontece em nome do dito desenvolvimento, que, aumentando, não faz nada mais que esvaziar o ânimo dos homens, tornando-os individualistas e desconsoladamente sozinhos.

As palavras de Davi e Bruce nos colocam na frente de tudo isso. Davi é tão generoso que se preocupa até pelos homens brancos: sugerindo de fazer com que o céu não caia, está nos dizendo que junto aos yanomami nós também nos salvaríamos. Aliás, a generosidade é o valor maior para os yanomami. Eles acreditam que somente quem foi generoso em vida alcançará a "terra-de-cima", quer dizer a dimensão que nós chamamos "céu". No final dos anos setenta, eu e os outros membros da equipe de trabalho da área do Catrimâni, levávamos para frente um projeto denominado "Plano de Conscientização", que devia servir para coadjuvar os yanomami a entenderem o que estava ameaçando, na época, seu território (abertura de rodovias, madeireiras, colonização). No começo não foi nada fácil, pois os indígenas objetavam que a floresta é grande e tem vaga para todo mundo. Quando epidemias e mortes reduziram treze malocas em oito pequenos grupos de sobreviventes, na pele entenderam o que o homem branco trazia consigo.

Entre as reivindicações dos últimos anos dos índios brasileiros, e os yanomami não fazem exceção, tem aquela de não falar deles no tempo passado remoto, de parar de colocá-los na pré-história. Estão aqui. Existem. Resistem à invasão de suas terras há mais de quinhentos anos. São nossos contemporâneos. Suas culturas e sociedades não são inferiores, são apenas diferentes. Têm muito para nos ensinar, se só tivéssemos a humildade de escutá-los por quilo que são: seres humanos com conhecimentos, experiências, direitos, sentimentos, sonhos; como nós mesmo somos. Apesar das contínuas, extenuantes agressões a seu território e a seu estilo de vida, nestes últimos anos os yanomami têm consideravelmente aumentado, têm se organizado em associações, têm professores, enfermeiros, lideres que percorrem o mundo para manter alta a atenção sobre sua situação, denunciando violações, reivindicando direitos.

Não, não mesmo: a ser os últimos não são nem serão os yanomam
i. Se o céu for cair, a ter chances de sobrevivência serão justamente eles e os outros povos indígenas, pois sabem como interagir com a terra, como gozar com ela sem violentá-la, como engravidá-la e perpetuar a descendência. Em ocasião de uma estadia na maloca do Davi, Bruce bateu uma foto que me retrata com a filha do Davi no colo: para mim é mais preciosa de todo o ouro e os minerais preciosos que os depredadores brancos já tiraram abusivamente do território yanomami. Associado à imagem da foto é o augúrio que a pequena sociedade yanomami continue a crescer forte e sana, apesar de tudo e de todo mundo.

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