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O Brasil que não cresce

FSP, Mercado, p. B12
30 de Mai de 2010

O Brasil que não cresce
País avança ao maior ritmo em mais de duas décadas, mas processo não é homogêneo; levantamento mostra 12 "ilhas de atraso", regiões que ainda não conseguem acompanhar o dinamismo da economia

Denyse Godoy
Enviada especial a Mato Grosso

O crescimento do Brasil no pós-crise superou todas as expectativas, e os economistas também são bastante generosos nas suas previsões para a elevação do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano: 6,5%, 7%, 7,5%.
Atrás desses números robustos, entretanto, esconde-se importante parte do país que apenas assiste ao espetáculo sem usufruir dos benefícios gerados.
São cerca de 20 milhões de pessoas -o equivalente a uma Austrália- vivendo em 12 "ilhas de atraso" espalhadas pelo território nacional.
É o que mostra levantamento feito pela Folha a partir de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional e da avaliação de especialistas.
Tais regiões não conseguem avançar devido ao isolamento geográfico -causa e efeito da falta de infraestrutura essencial-, às condições do clima e do solo, às dificuldades de conciliar o progresso com a preservação ambiental e à organização local da sociedade, em diferentes combinações de fatores dependendo do caso.
A economia dessas áreas há anos se encontra estagnada ou cresce abaixo da média do Estado a que pertence e do seu potencial, expulsando os jovens, que vão tentar a sorte em outra parte.
Algumas vezes, até chegam a produzir muita riqueza, como na zona cerealista da região Centro-Oeste. Mas, se os recursos que brotam não criam empregos nem são investidos no desenvolvimento local para melhorar a qualidade de vida da população, não significam um progresso de fato.

1 Noroeste de Mato Grosso procura alternativas à extração de madeira

"Sim, eu sei que quem chega aqui acha que está no fim do mundo. Mas já foi muito pior", resigna-se Rosângela Vidal Andrade, 28, enquanto recolhe rapidamente algumas peças de roupa do varal.
Em Brasnorte, que fica a quase 600 quilômetros de Cuiabá, apenas as poucas ruas do centro têm asfalto -as demais são de terra batida, um pesadelo para as donas de casa.
A poeira da estiagem e a lama das épocas de chuva estão longe de ser o pior problema de quem vive na cidade, no entanto. Ruim mesmo, por exemplo, é não ter sistema de esgoto, o que obriga as famílias a abrirem fossas nos seus quintais.
Rosângela se mudou da zona rural para a periferia urbana, há duas semanas. Foi morar em uma casa de madeira que ela e o marido, Marcos Marcelo Schraegale, 30, construíram com as próprias mãos, nos finais de semana.
Antes, moravam em uma fazenda madeireira que virou produtora de soja. Cuidavam, sozinhos, de 500 hectares de plantação.
Os brasnortenses têm investido nas novas culturas de grãos para substituir a extração de árvores, alicerce da economia local nas décadas de 1970 e 1980 e que se esgotou, deixando boa parte dos 15 mil habitantes do município sem ocupação.
Os pequenos fazendeiros se desfizeram das suas propriedades e agora só os grandes empresários se mantêm no ramo, brandindo as licenças ambientais antes mesmo que se pergunte sobre elas.
Nas palavras dos empreendedores, a melhora apontada por Rosângela se parece mais com esperança. De que a recém-pavimentada estrada que liga Brasnorte ao restante do Estado traga desenvolvimento.

2 Isolamento deixa o extremo oeste mais vulnerável

A diversidade das tribos indígenas que sempre habitaram a região dificulta a organização social e econômica no Alto Solimões. A distância das grandes cidades fez da fronteira do Amazonas com o Peru e a Colômbia uma região muito pobre e vulnerável ao contrabando, ao tráfico de drogas, à guerrilha e à imigração ilegal.

3 No Pará, a economia não vai além da floresta

A região oeste do Pará sempre viveu de ciclos de exploração da floresta amazônica, sem que uma atividade conseguisse alavancar a economia. Houve o da borracha, o da juta, o da extração de madeira para exportação, o da pimenta do reino, o do ouro. Acabou atraindo algumas indústrias, que beneficiam os produtos tirados da mata.

4 Bico do Papagaio tem pobreza e tensão agrária Palco de grandes conflitos pela posse da terra, o Bico do Papagaio reúne boa parcela dos municípios mais miseráveis do país. É grande polo de expulsão de migrantes tanto para as demais regiões quanto para os países que fazem fronteira com o Brasil. A origem desse fenômeno está na sua estrutura política demasiadamente concentrada.

5 "Terra de ninguém" fica na região entre o Ceará e o Piauí

A divisa do Ceará com o Piauí é uma região disputada pelos dois Estados. Seus moradores foram completamente abandonados pelo poder público. Não há atividade econômica significativa, exceto as voltadas à sobrevivência. As cidades são isoladas, não possuem energia elétrica, água encanada ou sistema de esgoto.

6 Seca no agreste nordestino não teve solução

Enquanto o litoral progride, o agreste continua na carestia. O clima seco e a falta de rios perenes impediram a instalação de uma agricultura forte. E, assim, a pecuária extensiva para a produção de leite se destacou. As plantações se restringiram a pequenas propriedades familiares, de subsistência. A nova ameaça é a desertificação.

7 Norte baiano tenta superar barreiras do semiárido

O clima semiárido espantou investimentos públicos e privados do norte da Bahia. Só a pecuária de ovinos e caprinos e a mineração vingaram. Juazeiro é a cidade mais avançada, abrigando, inclusive, um polo industrial. Nas cercanias do rio São Francisco, desenvolve-se uma fruticultura promissora, que usa sistemas de irrigação.

8 Entorno de Brasília não estava contido no plano

O elaborado planejamento da capital do país não contemplou os arredores, que receberam ondas de migrantes do Nordeste para trabalhar na construção da cidade e na prestação de serviços. Os municípios da área buscam descobrir novas vocações: Luziânia investe na plantação de morangos e Valparaíso de Goiás, na movelaria.

9 Minas Gerais tem vasta área que parou no tempo

O Centro-Norte de Minas Gerais sofreu com um relativo isolamento em várias épocas. Nem a mineração, nem a pecuária bovina nem a agricultura conseguiram gerar empregos permanentes de forma a promover o dinamismo econômico. A organização da sociedade, baseada em relações de compadrio, por décadas barrou avanços.

10 Oeste de Mato Grosso do Sul quer atrair indústrias

O solo, repleto de rochas como mármore, granito e calcário, não é propício à atividade agrícola, por isso essa parte do Estado não experimentou o "boom" dos grãos vivido pelo restante do Centro-Oeste. Agora, esforça-se para atrair indústrias para o beneficiamento desses produtos, tentando deixar de ser uma área só extrativista.

11 Vale do Ribeira procura avançar sem desmatar

Vizinho à região mais próspera do país, acabou deixado de lado, enquanto o interior paulista, de acesso fácil devido à construção de ferrovias, desabrochava com o café. Por isso, a mata local foi preservada. Hoje, enfrenta o dilema de avançar sem degradar o ambiente. Desafio é explorar melhor o turismo ecológico.

12 População encolhe no oeste do Rio Grande do Sul

Primeiro, a economia era baseada na pecuária de ovinos e bovinos. Depois, começou a cultura do arroz. A pouca diversificação da atividade e o modelo de produção baseado em latifúndios levaram à estagnação. Atualmente, algumas cidades, como Santana do Livramento, estão vendo a sua população diminuir fortemente.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me3005201017.htm

Outro lado

Lucas do Rio Verde representa Brasil que cresce

Para marcar o início de um novo tempo na cidade, Lucas do Rio Verde em 1999 escolheu a ema como símbolo. "É uma ave que caminha a passos largos e de cabeça erguida", explica Luciane Copetti, 44, atual secretária de Agricultura e Meio Ambiente.
Ela faz parte da segunda geração de moradores do município, a qual no começo da década passada migrou da região Sul para a Centro-Oeste a convite de parentes que já se haviam instalado por ali. Os pioneiros tinham sido estimulados por um programa do governo federal cujo objetivo era povoar os grandes vazios do país.
Mesmo vivendo no meio do mato, sem luz e abastecendo-se de água diretamente do rio, ninguém arredou o pé. "Tu sabe, não queríamos voltar ao Paraná fracassados", lembra Luciane.
Nos pedaços de terra que ganharam, os a partir de então luverdenses plantaram soja. E precisaram reinventar o negócio, muitos anos depois, quando o preço do grão parou de subir.
"Agregar valor" ao produto virou a palavra de ordem há cinco anos. Então, em vez de simplesmente fornecer a leguminosa para a fabricação de ração, os pequenos agricultores passaram a vendê-la já "na forma de" frangos e porcos.
A prefeitura, dirigida por um desses empresários -a maioria dos secretários é do ramo também-, deu benefícios para o estabelecimento de uma esmagadora de soja do grupo Amaggi e uma fábrica de aves e suínos da Sadia, que abriram em 2008. Juntas, empregam quase 4.000 funcionários.
Os fazendeiros ampliaram sua atividade, passando a fornecer os animais para o abate, o que gerou mais emprego e renda.
"Existem oportunidades. É questão de enxergar", diz o prefeito, Marino Franz, 47.
A 350 quilômetros de Cuiabá e com 30 mil habitantes -pelas contas da administração municipal, já são 50 mil-, Lucas possui os mais elevados indicadores sociais e de renda da região. É o exato oposto de Brasnorte, que fica a 150 quilômetros dali.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me3005201018.htm

FSP, 30/05/2010, Mercado, p. B12

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