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O barro que vira arte nas mãos dos índios e modernos

OESP, Caderno 2, p. C6
12 de Ago de 2015

O barro que vira arte nas mãos dos índios e modernos
A mostra 'Cerâmicas do Brasil' reúne obras de tribos do Xingu e de Rondônia e peças de contemporâneos

Antonio Gonçalves Filho

A exposição Cerâmicas do Brasil, que A Casa abre nesta quarta, 12, com curadoria de Adélia Borges, é uma pequena mostra do que os artistas do País produzem, das peças zoomorfas dos índios do Xingu aos trabalhos da capixaba Heloísa Galvão, que reveste seus objetos de porcelana e sobre eles imprime delicadas serigrafias, além do design trouvé de Brunno Jahara, que lida com a apropriação duchampiana. Entre os extremos se encontram obras sem qualquer tipo de ornamentação, como os utensílios do povo indígena paiter surui, de Rondônia, e outras de matriz barroca, como as da artista mineira Inês Antonini, passando pelo artesanato popular da comunidade de Muquém, antigo quilombo de União de Palmares em Alagoas.
O conjunto dessas peças reitera não só a ligação entre as culturais ancestrais e a contemporaneidade como elimina a separação entre artesanato e arte. Em termos comparativos, ninguém ousaria dizer que o maior pintor moderno brasileiro, Alfredo Volpi, que fabricava desde suas telas até os pincéis, fosse só um artesão. Do mesmo modo, ao analisar qualquer utensílio dos índios paiter surui, é impossível não notar que a fatura artesanal revela o artista que está por trás da textura dessas peças.
Nesta primeira edição de Cerâmicas do Brasil - a série deve continuar nos próximos anos - a curadora Adélia Borges não foi atrás de nomes consagrados, mas de artistas pouco conhecidos (a exceção é a ceramista Sara Carone, representada no acervo de importantes museus). São oito grupos de artistas que trabalham em diferentes direções, mas que se encontram num ponto de convergência transcultural. É o caso, segundo Adélia, das paneleiras de Goiabeiras (ES), autoras das panelas de barro que servem pratos típicos como a moqueca capixaba - um legado da cultura indígena. Ou da comunidade artesanal do povoado de Muquém, em União dos Palmares.
Como se sabe, o antigo quilombo alagoano não representava apenas uma forma de resistência à barbárie escravocrata, mas um santuário de proteção à cultura dos afrodescendentes. Embora produzam utensílios, os alagoanos Irinéia Nunes da Silva e o marido, Antônio Nunes, são herdeiros dessa tradição. A curadora chama a atenção para uma peça do casal em que uma árvore sustenta em seus galhos os membros da comunidade - e poderia até mesmo ser uma representação dialógica dessa herança, não fosse o registro de uma enchente que assolou União dos Palmares. Irinéia, mulher simples, penetra numa dimensão mítica que remete aos ancestrais africanos. "A comunidade passou a adorar a árvore depois dessa enchente", revela a curadora Adélia.

CERÂMICAS DO BRASIL
A Casa. Avenida Pedroso de Morais, 1.216, tel. 3814-9711. De 3ª a dom., 11 h/19 h. Grátis. Até 18/10.

OESP, 12/08/2015, Caderno 2, p. C6

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