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O 1o Steindachneridion scriptum não se esquece

OESP, Vida, p. A24
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
05 de Nov de 2010

O 1o Steindachneridion scriptum não se esquece

Marcos Sá Corrêa

O nome científico já parece um aviso. Ele se chama Steindachneridion scriptum. É um surubim. Seria mais conhecido por bocudo, se décadas de sumiço não o tivessem transformado num ilustre desconhecido, inclusive para pescadores tarimbados que não o viam em carne e osso há décadas.
Caiu na rede de pesquisadores da ictiofauna do Rio Iguaçu na primeira semana de pesquisas no trecho mais ou menos manso em que o rio, entalado num cânion de basalto avermelhado, desce das cataratas até a foz, onde deságua no Rio Paraná.
Fica, portanto, a poucas curvas de uma das paisagens mais visitadas do mundo. Mais de 12 mil pessoas se debruçam em suas corredeiras a cada domingo de feriadão, cada vez que o parque bate mais um recorde de bilheteria. E ali estava o Steindachneridion scriptum, nadando incógnito.
Suspeita-se de que sua sombra passe vagamente pela lembrança das famílias que, na década de 1960, compraram no mercado local de grilagem terras devidamente tituladas dentro da unidade de conservação do governo federal.
Era gente que, nas horas vagas, caçava e pescava, além de empurrar a floresta protegida para a goela das serrarias, nos dias úteis. Era tão ciosa de seus direitos que fotografava essas ocasiões para a posteridade.
Sobrou daquelas incorporações imobiliárias, com escola estadual, linha de ônibus e luz elétrica. E uma foto esmaecida em que um grupo de moradores posa ao lado de um peixe maior que ele.
Há dúvidas sobre sua classificação. Fala-se em pacu, bagre... Mas leigo nenhum recusaria ao troféu um nome sonoro como Steindachneridion scriptu, que tem ascendência ilustre, vindo do naturalista Franz Steindachtner que, no século 19 , batizou o primeiro surubim e acabou imortalizado no gênero inteiro.
O exemplar achado no cânion do Iguaçu deu sorte. Foi devolvido ao rio na mesma noite, intacto, a não ser por duas ou três escamas e um naco de gordura peitoral, que um dia talvez sirva para tirar a espécie da extinção em laboratórios de genética. Mas o primeiro efeito desse achado foi instantâneo.
Assim que o reconheceram, os pesquisadores Maristella e Sérgio Makrakis, da Unioeste, a universidade estadual da fronteira paranaense, comemoraram. Eles reconheceram o local da pesquisa como um território novo e desconhecido, que há pelo menos 72 anos aguardava um estudo desse tipo, para receber o atestado de que também integra uma unidade de conservação.
E isso na primeira semana de pesquisa, que começou no fim do mês passado. A próxima será neste mês, depois do próximo feriadão. A dupla está há mais seis meses recenseando os peixes do Iguaçu, acima das cataratas, para avaliar os impactos de mais uma hidrelétrica, a quinta que se pretende fazer no rio.
Antes de formar as Cataratas, seu curso passa por quatro grandes comportas que regulam, entre outras coisas, o volume da água visto pelos turistas. A cima das quedas, Maristella e Sérgio coletaram amostras de 60 peixes diferentes. E não tem dúvidas de que passarão das 80 espécies.
E ali constataram que o Rio Floriano, que nasce dentro do parque e se põe no Iguaçu, sem deixar da unidade de conservação, é inquestionavelmente mais saudável que os outros. As redes montadas em sua desembocadura vinham tão carregadas, que levava até seis horas para revistá-las. Em média, isso não exige mais que meia hora.
Tudo isso num rio que é assediado dentro do parque por caçadores e pescadores clandestinos. "As pessoas não sabem a importância que essas coisas têm", conclui Sérgio Makralis, que não é dado a muita retórica, a não ser quando enche a boca para soletrar Steindachneridion scriptum.

OESP, 05/11/2010, Vida, p. A24

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101105/not_imp634911,0.php

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