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Nuvens pesadas sobre Montreal

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
11 de Nov de 2005

Nuvens pesadas sobre Montreal

Washington Novaes

Nuvens carregadas de maus presságios parecem acumular-se sobre a cidade de Montreal, no Canadá, onde, no fim deste mês, se abre a 11ª Reunião das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima. Porque já são muito claros os indícios de que poderão ser deixados de lado os esforços (principalmente da União Européia) para transformar o Protocolo de Kyoto no instrumento principal para reduzir as emissões de gases poluentes que favorecem mudanças climáticas - antes mesmo que se instale em Montreal a primeira reunião das partes do protocolo, que entrou em vigor no começo deste ano.
O balde de água sobre o protocolo foi um pronunciamento do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, no começo do mês, por ocasião da reunião de ministros de Energia e Meio Ambiente do G-20, que reúne os oito países mais desenvolvidos e alguns outros em desenvolvimento, entre eles China, Índia e Brasil. Blair se disse descrente de que venha a haver um novo período do protocolo (o atual termina em 2012 e nele os países industrializados que aderiram - Estados Unidos e Austrália, não - se comprometem a reduzir em 5,2%, sobre os níveis de 1990, suas emissões de gases poluentes). Segundo Blair, a solução para o problema não está em obrigações impostas de fora de cada país, que podem afetar o desenvolvimento econômico, e sim em novas tecnologias. Referenda, portanto, a visão norte-americana, consolidada no protocolo há algumas semanas assinado assinado pelos Estados Unidos com a Austrália, a China, a Índia, o Japão e a Coréia do Sul, de trabalhar por esse caminho.
Kyoto, no atual formato, "não funciona"; precisamos, disse o primeiro-ministro, "combinar padrões de vida crescentes com proteção ao meio ambiente". Sem mudar de vida, sem alterar as matrizes energéticas. "Wishful thinking", devem estar dizendo os ambientalistas. Muito preocupados (principalmente nos países ditos em desenvolvimento), eles se estarão perguntando: e quem poderá pagar pelas novas tecnologias (se elas derem certo), que estarão todas nos países mais ricos? E que acontecerá com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que é parte do Protocolo de Kyoto, no qual tantos desses países apostaram, porque lhes permite receber financiamentos dos industrializados para projetos que reduzem emissões (como os reflorestamentos, a queima de gases nos aterros, etc.)?
E tudo isso acontece na hora em que se agravam no mundo todo, inclusive no Brasil, as evidências de mudanças climáticas e suas dramáticas conseqüências. Diz a Universidade de Utrecht que o gelo no Ártico desaparecerá neste século. Mudanças climáticas estão reduzindo os ventos na Holanda e na Alemanha, países que apostaram na energia eólica; 2 milhões de pessoas estão desabrigadas na Índia por causa de inundações; a região de Apulia, na Itália, viu cair em três horas a chuva prevista para todo o ano. A Europa vai sofrer muito, diz um novo estudo de 16 institutos científicos: as enchentes no Reno e no Ródano vão piorar, agricultura e turismo perderão muito, haverá também mais secas, incêndios e falta de água, principalmente no Mediterrâneo. No Rio de Janeiro, há poucos dias choveu em uma noite mais que o previsto para o mês. Em Goiás, com 30 cidades abastecidas por carros-pipa no final de outubro, em algumas regiões choveu menos de 5% da média prevista para o mês.
Mas as previsões são de que as emissões de poluentes continuarão aumentando no mundo 1,9% ao ano, principalmente nos países "em desenvolvimento", com destaque para China e Índia, e crescerão no mundo 52% até 2030. Em 2018, o conjunto daqueles países já estará emitindo mais que os industrializados, principalmente porque utilizam carvão mineral em larga escala para gerar energia (e a queima do carvão libera mais dióxido de carbono que a do petróleo). Diz um estudo da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que, se as emissões continuarem crescendo no ritmo atual, a concentração de gases na atmosfera dobrará até 2070 e triplicará até 2100.
Não é difícil entender a resistência dos Estados Unidos ao Protocolo de Kyoto. Segundo o Departamento de Energia daquele país, para cumpri-lo teria de reduzir suas emissões anuais de poluentes (24% do total mundial) em 540 milhões de toneladas entre 2008 e 2012; precisaria fechar 90 usinas a carvão por ano; e isso custaria 4,2% do produto bruto anual, cerca de US$ 400 bilhões por ano.
Mas serão viáveis as novas tecnologias para reduzir emissões sem mudar a matriz energética? Já há tecnologias disponíveis para seqüestrar o carbono nas usinas emissoras. Mas custam cerca de US$ 40 a US$ 60 por tonelada e precisariam cair para US$ 10, para não triplicar o custo da energia. E há muita incerteza quanto às tecnologias de transporte e estocagem desse carbono seqüestrado para depósitos em campos de petróleo esgotados ou no fundo do mar (onde pode produzir acidificação e graves prejuízos para a biodiversidade marinha). Se os depósitos forem muito distantes, o custo aumentará. Pode haver vazamentos, com conseqüências dramáticas (na África, morreram 1.700 pessoas quando houve um vazamento num campo de petróleo para o qual estava sendo bombeado carbono).
Em meio a tantas dificuldades e problemas, o Brasil tem pelo menos uma boa notícia: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), juntamente com os Ministérios de Ciência e Tecnologia e da Integração, começa a montar um sistema de monitoramento meteorológico e ambiental, para ser capaz de prever com antecedência e precisão geográfica fenômenos climáticos que possam representar problema (secas, inundações, etc.) e, assim, capacitar a Defesa Civil a atuar em tempo.
Não é pouco.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 11/11/2005, Espaço Aberto, p. A2

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