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Novos autores, agora donos do seu destino

O Globo, Prosa e Verso, p. 2
06 de Mar de 2004

Novos autores, agora donos do seu destino
Munduruku se perguntava até que ponto escrita não paralisaria 'dinâmica da oralidade' e o distanciaria de suas tradições

Escrever é quase uma subversão na cultura de muitos indígenas. Antes de assumir sua vocação, Daniel Munduruku, que em abril será homenageado no estande brasileiro da feira internacional do livro de Bolonha - a mais importante do mundo para a literatura infantil - muito se perguntou até que ponto, com a escrita, não iria paralisar "a dinâmica da oralidade", afastando-se de suas tradições. Hoje, autor de uma dezena de livros para crianças, premiado em 2003 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Munduruku abriu um espaço inédito no mercado editorial e acabou por se tornar uma referência na difusão da cultura de seu povo - que vive no Pará - e de outras etnias em todo o país. Foi por isso que a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), órgão do Ministério da Educação responsável pela participação do Brasil em Bolonha, resolveu convidá-lo para o evento deste ano, em que presta homenagem à literatura dos índios. Dessa forma, a Fundação participa do fim da década que a Unesco dedicou à cultura indígena.

Entre os livros de Munduruku que a Fundação vai levar para a Itália estão "O segredo da chuva" (Ática), "As serpentes que roubaram a noite e outros mitos" (Peirópolis) e "Meu vô Apolinário: um mergulho no rio da (minha) memória" (Studio Nobel), que no ano passado recebeu da Unesco a menção honrosa do Prêmio Tolerância, para livros infantis. Ele também irá a Roma, a convite do embaixador Itamar Franco, e se hospedará na Embaixada.

O trabalho da FNLIJ com a literatura indígena não vai terminar em Bolonha. O Salão de Literatura para Crianças e Jovens, organizado anualmente no segundo semestre, também dará destaque a essa nova e crescente produção. Outro projeto prevê a realização de um concurso para autores indígenas em todo o país. Munduruku está auxiliando a Fundação - pois nem sempre é fácil identificar quem é ou não indígena - e propôs que o trabalho de divulgação para as aldeias seja feita por rádio.

Especialista no estudo e na promoção da autoria indígena, Nietta Lindenberg, coordenadora da ONG acreana Comissão Pró-Índio (CPI), diz que, pela palavra escrita, os índios expõem sua visão de mundo, em geral contando seus mitos ou explicando seus conhecimentos. Na CPI, eles já estimularam a criação de uma centena de livros. Com o ensino diferenciado aos índios nas aldeias - em português e na sua língua nativa - a prática da escrita tem crescido entre eles.

- A autoria se desenvolve junto com a autoderminação de seus povos. É uma maneira de tomarem posse de seu destino - afirma Nietta.

Mas não se deve esperar dos escritores indígenas a mesma lógica da autoria ocidental: realidade e ficção são coisas totalmente diferentes para eles.

Outros títulos de autores indígenas que irão a Bolonha são: "O livro das árvores", feito pelos Ticuna, com organização de Jussara Gomes Gruber; "O povo Pataxó e sua história", de Angthichay Pataxó; "Meu lugar no mundo", de Sulami Kati; "Txopai e Itôhã história contada por Apinhaera Pataxó", de Kanátyo Pataxó.

O Globo, 06/03/2004, Prosa e Verso, p. 2

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