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22 de Abr de 2025
Novo atlas destrincha a Amazônia com dados
Coletânea de artigos por autores locais explora a geografia, os desafios contemporâneos e os planos de futuro da região que abriga a maior floresta tropical do mundo
22/04/2025
Rafael Garcia
Explicar os desafios que a Amazônia enfrenta hoje, dando conta de sua complexidade, não é uma tarefa fácil de ser cumprida por um único livro. Uma nova publicação produzida pela Fundação Heinrich Böll no Brasil, porém, teve sucesso nesse objetivo.
O novo "Atlas da Amazônia Brasileira", apesar do nome, não é uma encadernação de grandes mapas da região, apesar de possuir farto material visual. O livro é uma coletânea de 32 artigos escritos por 58 pesquisadores e autores que atuam no território e o explicam de forma didática, mas com grande riqueza de detalhes.
Nos artigos mais introdutórios do livro, há texto resumindo conhecimento diversos: a história da ocupação da região contada pela arqueologia, a manutenção dos ecossistemas pelos sistemas de produção indígenas ancestrais e a importância de preservação da diversidade linguística da região como um arcabouço cultural que transcende a língua em si.
No eixo de atualidades, os autores abordam temas como o impacto dos megaempreendimentos na região, a dinâmica de desigualdade criada por um modelo de agropecuária de commodities que avança sobre a mata e os desafios das cidades, que abrigam a maior parte da população amazônida e têm problemas graves ainda, como atraso no saneamento.
Por fim, visão de futuro é delineada em textos que tratam de assuntos como as propostas controversas de compensação financeira para preservação da floresta como um modelo de negócio. Esse assunto é tratado dentro do contexto da COP30, que coloca a Amazônia como uma parte importante das soluções para a crise do clima, mas nem sempre com propostas consensuais.
Atuando no Brasil desde 2000, a fundação Böll é uma organização ligada ao partido verde alemão (Die Grünen), que construiu uma relação forte com os brasileiros tendo ajudado a tornar a Alemanha uma doadora do Fundo Amazônia.
O novo atlas é o sexto de uma série que a divisão brasileira da organização produziu depois de outros temas, como a poluição por plástico, a relação do agronegócio com o ambiente e a biodiversidade de insetos. Desta vez, há uma diferença: os editores optaram por construir o livro inteiramente com autores amazônidas ou habitantes na Amazônia.
Na lista de nomes há tanto intelectuais originalmente de fora da Amazônia, como o biólogo americano Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônica (Inpa), quanto de comunidades indígenas, como a escritora Márcia Mura (Tanãmak), doutora em história social pela USP. O conselho editorial inclui figuras emblemáticas da região, como a ativista socioambiental Ângela Mendes (filha do líder seringueiro Chico Mendes) e o geógrafo Aiala Colares.
O livro, contudo, é mais do que um desfile de nomes qualificados (que aliás só aparecem listados discretamente no final da publicação). Com uma curadoria dedicada, o atlas se divide em três grandes eixos.
Terra de alguém
O primeiro é mais contextual, fazendo um perfil social, geográfico e histórico da região. O segundo é mais dedicado à conjuntura atual, onde se sobressaem assuntos como o desmatamento, o avanço do agronegócio e a extração mineral. Um terceiro eixo apontas caminhos de desenvolvimento, incluindo discussões sobre a crise do clima e a perspectiva de futuro para a juventude amazônida.
A obra tem artigos que ajudam os forasteiros a entenderem problemas um tanto peculiares da Amazônia, como a grilagem. O advogado Pedro Martins, da ONG Fase, explica como a colonização da Amazônia envolveu a fabricação de um caos fundiário baseado na ideia de que a região era "terra de ninguém".
O artigo que abre o livro, da geógrafa Amanda Michalski (Universidade Federal de Rondônia), mostra como muitos dos problemas da Amazônia hoje remontam à criação de fronteiras político-econômicas artificiais para levar a cabo projetos de desenvolvimento no passado. "Essas fronteiras rasgam o conjunto de ecossistemas que formam o bioma, causando danos socioambientais.", escreve.
Segundo os editores, um objetivo do livro é se tornar uma referência que possa servir de ponto de partida sobre diversos assuntos da região. Por isso, foi feito um trabalho pesado de revisão independente de toda a informação contida no atlas, incluindo os 80 infográficos que ele exibe.
- Nós pensamos esse atlas um pouco para complexificar a imagem que tanto brasileiros quanto estrangeiros têm da região, porque existem ainda muitas preconcepções sobre a Amazônia. A ideia era ter um material que, pelas vozes de autores amazônicos, pudesse ter a desconstrução desses estereótipos - diz Marcelo Montenegro, coordenador de projetos na Fundação Heinrich Böll.
Essa missão é perseguida, por um lado, com textos menos técnicos do que se costuma ver em artigos acadêmicos formais. Por outro lado, as 96 páginas do atlas abrigam uma quantidade maciça de dados, todos referenciados, embasando a narrativa.
De olho na COP30
Bancado pelos editores, o livro sai com uma tiragem inicial de 2.000 exemplares, que podem ser solicitados gratuitamente pelo site da fundação no Brasil (br.boell.org). A edição eletrônica em formato PDF será colocada para download livre após o lançamento, que ocorre nesta quarta-feira (23) em Belém.
Não foi à toa que a capital paraense foi escolhida para o lançamento da publicação. O que motivou a produção do livro, em grande medida, é o fato de que a cidade abriga neste ano a COP30, a conferência do clima da ONU.
Na Amazônia, a crise climática é uma questão que envolve tudo o que ocorre no território do bioma, indo do desmatamento à prospecção de petróleo. Como maior fonte de CO2 no planeta por mudança de uso da terra, a floresta tem por outro lado modos de vida ameaçados pela mudança do clima. O novo atlas mostra que ocupantes da floresta se dividem, de modo às vezes sobreposto, entre vilões e vítimas do aquecimento global.
Segundo Montenegro, foi com intenção de contribuir para a solução de questões complexas na região que a fundação decidiu lançar o livro em 2025.
- Nós trabalhamos promovendo diálogos para a democracia e buscando contribuir para a garantia dos direitos humanos e da justiça socioambiental - afirma o pesquisador. - Esperamos que o Atlas possa estimular os debates públicos nessas áreas.
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2025/04/22/novo-a…
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