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Novas reservas em palco de conflito

OESP, Vida, p. A14
10 de Nov de 2004

Novas reservas em palco de conflito
Governo cria 2 áreas de conservação no oeste do Pará, onde há clima de guerra entre a comunidade, fazendeiros e madeireiros

Herton Escobar e Carlos Mendes

O governo federal anunciou ontem a criação de duas novas unidades de conservação em algumas das áreas mais conflituosas da Amazônia, no oeste do Pará. A que promete mais polêmica é a Reserva Extrativista (Resex) Verde para Sempre, em Porto de Moz, um conhecido campo de batalha de madeireiros, autoridades e organizações ambientalistas. Outra é a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, que fica mais isolada ao sul, mas também sofre forte pressão de ocupação. Juntas, elas somam 2 milhões de hectares de área protegida.
"É uma conquista histórica na agenda de preservação ambiental", disse ao Estado a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A região é conhecida pela grilagem de terras e pela extração ilegal de madeira. Porto de Moz, na confluência dos Rios Xingu e Amazonas, é palco freqüente de grandes apreensões e conflitos entre Ibama e madeireiros. "O primeiro passo importante é que o Estado se apropria institucionalmente desses territórios", disse a ministra Marina. "Outro é que quando se cria uma unidade de conservação o Estado é obrigado a se fazer presente em várias estruturas que essas comunidades ainda não têm, como escola e saneamento básico."
As reservas extrativistas são unidades de conservação nas quais os moradores tradicionais ficam responsáveis pelo gerenciamento e pelos direitos de exploração dos recursos naturais. Na Resex Verde para Sempre, que ocupa 1,3 milhão de hectares, vivem cerca de 15 mil pessoas, segundo o Ministério do Meio Ambiente. A maioria sobrevive da extração de borracha, castanha, copaíba, andiroba e outros produtos da floresta, além da pesca e agricultura de subsistência. Já Riozinho do Anfrísio, com 736 mil hectares, abriga menos de 50 famílias. Costumava ser 200, mas a maioria foi expulsa ou abandonou a terra sob ameaça de madeireiros e grileiros (veja texto ao lado).
Em Porto de Moz, a reserva foi criada sem o suporte do governo estadual, que considerou o projeto prejudicial ao desenvolvimento econômico. "A decisão foi tomada sem o apoio do Estado", disse o diretor nacional de Áreas Protegidas do MMA, Maurício Mercadante. "O que motivou a criação das reservas nesse momento foi a necessidade imediata de conter o desmatamento na região. Só a existência das unidades já desestimula sensivelmente a ocupação, pois elimina qualquer possibilidade de que os invasores consigam a titularidade da terra."
Resistência
Irritados com a criação das unidades, madeireiros e fazendeiros que atuam na região prometeram resistir a qualquer ação do governo federal para retirá-los das áreas onde instalaram dezenas de serrarias. Eles dizem que responderão com protestos e demissões de trabalhadores e rejeitam até a possibilidade prevista no decreto de receber indenização se tiverem como comprovar a propriedade de algumas terras.
Nas áreas onde serão demarcadas as duas reservas existem 150 planos de manejo de madeira hoje sob rigorosa fiscalização do Ibama - mais de 90% dos quais foram suspensos por apresentar irregularidades. Em Porto de Moz, cerca de 8 mil metros cúbicos de madeira apreendidos pelo Ibama foram roubados dos pátios das serrarias. Por serem fiéis depositárias da madeira, todas estão sendo processadas pela Justiça Federal. Entre elas a empresa do presidente da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Pará (Aimex), Elias Salame.
O madeireiro e prefeito de Porto de Moz, Gerson Campos, comandou no ano passado protestos contra a fiscalização do Ibama e a presença de ativistas do Greenpeace na região. Agora promete mobilizar a população para impedir a criação da reserva. Para ele, o decreto de Lula significa o "caos econômico" no município e a "vitória das organizações ambientalistas estrangeiras que pretendem dominar a Amazônia".
"Vamos trabalhar com a legalidade", reagiu Marina Silva. Além de um maior efetivo de fiscalização, as reservas deverão receber apoio para organizar suas atividades extrativistas. "Identificamos os produtos com potencial de mercado e trabalhamos para que isso se torne uma atividade econômica de fato", disse Mercadante.

"Vai melhorar muito. Aqui a gente vai preservar"
Desde que os madeireiros e grileiros começaram a chegar à região, Raimundo Belmiro dos Santos viu muita gente ir embora. Entre eles, seu pai, a mãe e os cinco irmãos. Mas ele se recusou a deixar a floresta e foi a Brasília batalhar pela criação da Resex Riozinho do Anfrísio. "Foram 15 dias de muita luta", conta Belmiro, que fez parte de uma comitiva local levada à capital federal pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). "Saí até doente, com malária. Mas valeu a pena."
A Resex foi decretada. Belmiro voltou para casa, vitorioso, e já se prepara para receber a família. "Meu pai já falou para eu construir uma casa que ele vai voltar", conta o seringueiro, vice-presidente da Comunidade Riozinho do Anfrísio. Há dois anos, quando a proposta de criação da Resex chegou ao MMA, havia cerca de 200 famílias na região. Hoje, são 47. "Muita gente foi embora para as cidades, principalmente Altamira."
Quem ficou, segundo Belmiro, é constantemente ameaçado por grileiros e madeireiros. "Tem muita ameaça de morte para o nosso lado", contou ao Estado, por telefone. "Resolvi ficar porque sou pai de família; tenho nove filhos. Como é que ia dar sustento para eles na cidade?" Os ribeirinhos, na maioria analfabetos, sobrevivem da extração de castanha, andiroba e óleo de copaíba, principalmente. Com a Resex, entretanto, Belmiro está esperançoso. "Acho que vai melhor muito. Aqui a gente vai preservar; ninguém vai destruir."

OESP, 10/11/2004, Vida, p. A14

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