OESP, Vida, p. A16
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
03 de Fev de 2010
A nova geração de brasileiros gosta de onça
Marcos Sá Corrêa*
O Parque Nacional do Iguaçu abriu o ano com dois recordes populacionais. Passaram por suas portas em janeiro mais de 167 mil visitantes. E caiu a ficha de que suas onças pintadas, recenseadas por armadilhas fotográficas e farta pesquisa de campo, até segunda ordem estão reduzidas a seis indivíduos. É mais ou menos a metade do que havia uma década atrás, quando o biólogo Peter Crawshaw concluiu sua última avaliação metódica.
Ou seja, seu inegável sucesso como parque veio na hora em que entra em causa seu êxito como unidade de conservação. Mas o que fez diferença da noite para o dia, na virada do mês, foi a chegada ao parque da turma que foi fazer, lá dentro, o Primeiro Curso de Biologia e Manejo de Carnívoros. São 27 alunos. Saíram de longe. Muitos vindos de outros Estados - e até do Peru e da Argentina. Pagaram R$ 900 pela taxa de inscrição. Acomodaram-se num dormitório preparado a toque de caixa para recebê-los, na beira de um caminho de terra que leva ao Rio Iguaçu, sob a copa de árvores centenárias.
São, na maioria, biólogos ou veterinários. Gente muito jovem. Da turma, 14 nasceram na década de 1980 e 4, nos anos 90. Povoaram estradas e trilhas com rapazes de brinco na orelha e sacola a tiracolo, transitando pelo acostamento da B-469 ou pegando carona em caçamba de picapes. E moças de short e camiseta, que à distância se distinguem dos turistas por andar de lá para cá em trajetos que eles jamais percorrem. E cumprir horários que precedem e ultrapassa de longe os horários de funcionamento das bilheterias.
Estão passando a semana em contato direto, de manhã à noite, com desbravadores da conservação de grandes felinos no Brasil, como Laury Cullen, do Ipê, Ronaldo Morato, do Cenap, ou Dênis Sana, da Pró-Carnívoros. Foram recepcionados com a exuberância de praxe pelo diretor de conservação Apolônio Rodrigues, um dos funcionários públicos menos convencionais que existem - entrou para o Ministério do Meio Ambiente como contínuo, em Brasília, e foi efetivado na burocracia ambiental.
Por conta própria, ele começou a organizar mutirões que limpavam parques ao redor da capital para "não enlouquecer". Pegou a primeira chance de transferência para a linha de frente que passou por sua carreira. Mudou-se para o Iguaçu. E nunca mais saiu. Dá a impressão de conhecer cada palmo de seus 185 mil hectares, até os meandros mais ermos das áreas intangíveis.
Apolônio continua, apesar da tarimba, a cair no mato com o entusiasmo de quem está vendo cada coisa pela primeira vez. E há muito o que ver em cada passo no Iguaçu. Ele já fez papel de jagunço numa produção nacional sobre a colonização do Oeste paranaense, que nunca saiu da ilha de edição. Sente-se obviamente à vontade no meio da estudantada, mimetizado pela barba e o cabelo longos, pela roupa de quem está sempre pronto para sumir na trilha ou por um fôlego que lhe permite emendar longos expedientes em campo com papos intermináveis noite adentro.
O curso mal começou. Será o primeiro de uma série. Sem falar que reabre a temporada de pesquisas com mamíferos de grande porte no Iguaçu. O que está ali é só a primeira impressão - justamente a que conta, calculando que, neste momento, para cada onça oficialmente recenseada no parque há quase cinco pessoas querendo salvá-la. Se isso para elas não for uma solução, deve ser pelo menos um consolo.
* É jornalista e escreve no blog marcossacorrea.com.br
OESP, 03/02/2010, Vida, p. A16
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.