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A nova fronteira do agronegócio

OESP, Economia, p. B6-B7
15 de Set de 2013

A nova fronteira do agronegócio
Soja e milho chegam com força ao nordeste de Mato Grosso

MAURO ZANATTA / TEXTOS, FOTOS, ENVIADO ESPECIAL, CONFRESA, QUERÊNCIA (MT)

Estrada perdida, vila fantasma, vale dos esquecidos. Os adjetivos usados por três décadas para resumir a incômoda realidade do Vale do Araguaia, no nordeste de Mato Grosso, já não cabem mais na rotina da última fronteira agrícola do Brasil. A área cortada pela BR-158 vive um boom econômico sem precedentes. A conversão em larga escala de áreas de pastagem degradadas em exuberantes lavouras de soja e milho estimula uma corrida de grandes grupos privados multinacionais e brasileiros para a região da tríplice divisa com o Pará e o Tocantins.
Mesmo com logística deficiente e serviços públicos ainda precários, a microrregião de 25 municípios ajudou a sustentar o inesperado crescimento do PIB do 2.o trimestre deste ano. O agronegócio respondeu por um terço do surpreendente avanço de 1,5% apurado pelo IBGE.
Pioneiros e recém-chegados, produtores consolidam áreas de tecnologia e maquinários ultramodernos movidos pelos altos preços das commodities das últimas cinco safras.
A região acelera em ritmo empresarial na soja e no milho sem expulsar as centenas de milhares de cabeças de gado. Ao contrário, passou a adotar a integração lavoura-pecuária para ocupar o solo todo o ano e "colher" a "terceira safra" de proteína animal - 2,3 milhões de hectares de pastos devem virar áreas de grãos. Há bolsões com problemas ambientais, fundiários e disputa por terras com índios do Xingu.
A região cresce bem acima da média nacional em demanda por crédito, máquinas, insumos e ampliação da área plantada. Em Confresa, principal polo regional no eixo norte da inacabada rodovia, por exemplo, o Banco do Brasil elevou em 2.000% seus negócios rurais nos últimos cinco anos. Na vizinha Porto Alegre do Norte, onde há vários gigantes do agronegócio, foram 2.500% adicionais. Em alguns anos, Querência deve alcançar o município "campeão mundial", Sorriso, encostando em 500 mil hectares de área plantada com soja. "Tudo está mudando muito rapidamente. E os grupos consolidados estão atrás de oportunidades", diz o paranaense Edio Brunetta, sócio da Itaquerê, dona de 50 mil hectares de soja e milho e de 20 mil bois.
Disputa. As maiores tradings e indústrias de insumos agrícolas já chegaram e ampliam de forma acelerada sua presença nas principais áreas. ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Los Grobo e Glencore disputam espaço com Amaggi, Caramuru, Bom Futuro e Sinagro. A Fertilizantes Tocantins concluiu neste mês um investimento de R$ 25 milhões num complexo fabril em Querência.
A concessionária regional da americana Case já tem o quarto maior faturamento do Brasil, acima de R$ 200 milhões anuais. A canadense Mbac investirá US$ 385 milhões até 2015 em uma jazida de fosfato para suprir a demanda de Mato Grosso e Pará. A SLC Agrícola fez uma joint venture com a Agropecuária Roncador, maior fazenda da região, com 150 mil hectares, ligada ao Grupo Serveng.
Há uma corrida pela construção de armazéns e silos gigantescos para guardar as safras, driblando momentos ruins do dólar ou dos preços externos. "A chegada do linhão de energia mudou tudo", diz o secretário de Planejamento de Confresa, o veterinário paraibano José Pereira. Em quatro anos, o município, que ostenta título de maior assentamento rural do País, saiu de 4 mil para 70 mil hectares de lavouras. "E nosso potencial é 260 mil."
O dinamismo do campo tem impulsionado as pacatas cidades da região. Não há mão de obra suficiente para erguer casas, prédios e comércios. Hotéis e agências bancárias estão sempre lotadas.
Restaurantes, postos de combustível, farmácias, supermercados e lanchonetes brotam por toda parte. Caminhonetes de todos os modelos lotam as ruas empoeiradas e ainda sem semáforos das cidades. O frenesi também é intenso na vida noturna. "As cidades estão em plena transformação", atesta Maurício Tonhá, dono da Estância Bahia, cujo leilão de gado, considerado o maior do gênero no mundo, comercializou 33 mil bois em Água Boa.
Grandes fazendas próximas da área urbana viram loteamentos. E a especulação chegou com força. Em Querência, dois empreendimentos oferecem lotes a R$ 30 mil a unidade. Em área nobre, pode valer até R$ 300 mil. Uma casa de alto padrão passa de R$ 1 milhão. Ainda assim, o cartório de registro de imóveis aponta crescimento de 20% ao ano na emissão de escrituras.
Os preços da terra e de terrenos decuplicaram em três ou quatro anos. Na área rural, um hectare em produção custa R$ 40 mil a R$ 50 mil. No início dos anos 2000, valia menos de US$ 200. E há quem peça R$ 80 mil à vista.
Apagões. As dores do crescimento já são visíveis. Com tanta agroindústria em instalação, a energia chegada há cinco anos dá sinais de exaustão. Apagões são comuns, até nas telecomunicações. "Ficamos horas sem internet. Sem isso, não emito nota e o pátio fica com 50 caminhões na fila", diz o gerente regional da Tocantins, Gleyson Ferreira. Para resolver, um ramal de fibra óptica custará R$ 240 mil à empresa.
As novas levas de migrantes também enfrentam o drama da saúde pública. Hospitais não têm especialistas, só clínicos gerais, mesmo com oferta salarial de R$ 30 mil mensais.
Casos graves têm de ir a Cuiabá, a 1,4 mil km. Nenhum inscrito no Mais Médicos optou por vir à região. Querência pediu três profissionais. Na segurança, algumas ocorrências policiais ligadas a tráfico de drogas passaram a preocupar os moradores. Mas o apagão de mão de obra talvez seja o principal entrave fora da infraestrutura. Todos reclamam. Indústria, comércio, serviços e, claro, também o agronegócio. O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) intensificou a formação e treinamento, chegando a 20,5 mil capacitados desde 2010 em 126 cursos. "Sem treinar, o investimento em máquinas modernas, por exemplo, pode ser neutralizado. Sem saber operar, não tira o máximo proveito", diz o presidente do sistema Famato/Senar, Rui Prado.
Em 2013, foram treinados 150 desses operadores, diz o supervisor regional Kleber Muller. Ainda assim, falta pessoal qualificado, no campo e nas cidades. "É nosso pior problema", diz o presidente da Associação Comercial de Confresa, Malaquias Danieli. A Tocantins oferece R$ 2,5 mil e mais cinco salários de bônus para um vendedor. "Mas não achamos gente com perfil", diz Gleyson Ferreira.

Produção de fertilizantes no foco de gigantes globais

Uma imensa jazida de fosfato da canadense Mbac, cujo potencial estaria próximo de 800 mil toneladas anualmente, deve tornar a região do Araguaia exportadora de um insumo muito cobiçado. E pode derrubar os custos com fertilizantes, cujas matérias-primas são todas importadas, boa parte delas entrando por Paranaguá, a 2,1 mil km da região.

Misturadores de fertilizantes, como Tocantins, Yara, Mosaic e ADM, chegaram ou estão chegando ao Vale para garantir sua fatia. "Quando vier pela ferrovia, o frete cai de R$ 200 para menos de R$ 100 a tonelada", avalia o gerente regional da Tocantins, Gleyson Ferreira. A fábrica da empresa, concluída há um ano, produzirá 220 mil toneladas por ano e atenderá 30% do mercado.

Mas há um fator limitante: a falta de calcário. Há três jazidas, mas os problemas de logística impõem um "teto" de 200 mil hectares/ano para a ampliação das áreas de soja e milho. As jazidas próximas ao Vale produzem juntas 2 milhões de toneladas anuais.

As limitações logísticas também atingem a produção de sementes. As estradas ruins e insuficientes impedem o desenvolvimento de um mercado local. "Esse transporte encarece o produto final", diz o representante comercial da DuPont Pioneer, Marcelo Marca. Alguns produtores começam a se movimentar para tentar produzir sementes na região.

Ibama embarga lavouras

Maior município produtor agrícola e maior renda per capita da região, Querência saiu da "lista negra" ambiental do Ibama em 2010, mas acaba de ter 45 mil hectares de 230 propriedades embargados por suspeitas de irregularidades em documentos e retomada de derrubadas de vegetação proibidas.
Sob essas alegações, a Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama decretou a proibição parcial de plantio nessas áreas.

Na prática, os donos dessas áreas ficam sem poder vender a totalidade de sua produção a tradings e outros compradores. Isso porque essas empresas, sob estrita vigilância no mercado internacional, exigem comprovação de regularidade ambiental para adquirir e exportar para Europa e Ásia.

O município, que tem 42% de sua área dentro do Parque Nacional do Xingu, foi o segundo a deixar a "lista negra" ambiental ao reduzir, de 509 km2, em 2003, para 7,8 km2, em 2009, o desmatamento. À época, 83% das fazendas estavam cadastradas pelo Ibama. Em 2010, porém, a derrubada voltou a crescer para 21 km2. O Ibama voltou a monitorar de perto as ações dos produtores e tem permanecido próximo da região para montar eventuais novas operações de fiscalização.

Os produtores alegam não saber os porquês dos novos embargos ambientais. "O Ibama simplesmente notificou, autuou e embargou áreas consideradas regulares pela secretaria estadual", defende o advogado do sindicato rural, Marcelo Cunha Marinho.

Em Brasília, as autoridades informam que a região voltou ao radar ambiental em razão de novas áreas devastadas, identificadas pela vigilância dos satélites.

Invasões. Em Confresa, cuja população saltou de 4 mil para 17 mil habitantes após uma grande invasão feita em 1996, a questão fundiária aflige os moradores. Toda a área urbana é uma ocupação irregular.

Na semana passada, a prefeitura conseguiu uma decisão que pode garantir a posse de 338 hectares a cerca de 5 mil moradores. Mas outros 4 mil lotes de uma área de 619 hectares terão de aguardar a "resolução de uma disputa judicial com a Colonizadora Frenova Sapeva, que deu nome à cidade, mas ainda discute a posse definitiva dos terrenos derivados de uma antiga fazenda familiar.

Sob investigação
230 propriedades foram embargadas pelo Ibama na região por causa de suspeitas ligadas aos documentos apresentados e à retomada de desmatamentos

Produtor aguarda solução para logística ruim
A frota estimada de 4,5 mil caminhões na região enfrenta estradas esburacadas; faltam também vagões e navios para receber carga

Quem sacoleja sem parar nos 240km de buracos de chão batido da BR-158 compreende a dificuldade e o tamanho do problema logístico envolvendo o Vale do Araguaia. Já foi pior. Há alguns anos, eram quase intrafegáveis os 800 km sem pavimentação da rodovia que rasga o vale e margeia o caudaloso rio.
A estrada angustia moradores de municípios da região que precisam de tratamento de saúde e encarece a vida diária, sobretudo por causa do adicional de frete embutido nos preços.
Uma carga de Confresa a Porto Franco (MA), onde está um terminal da ferrovia Norte-Sul, custa R$190 por tonelada. Na outra mão, se for a São Simão (GO), cobra-se R$ 105.
"Estrada ruim onera todo mundo, de consumidores a produtores e empresários", diz o diretor executivo do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz Ferreira.
E não é só. A transportadora Lontano, que movimentou 18 mil toneladas em509caminhõesaté a semana passada, aponta a falta de vagões e navios disponíveis nos portos como outro entrave.
"Sem isso, fica tudo parado por aqui", diz o gerente da filial de Confresa, EriksonAlves.Asquatrotransportadorasdacidadeescoaram1,3milhãode sacas de milho e soja. Estima-se uma frota de 4,5 mil caminhões na região.
Futuro. Mesmo assim, a logística do Araguaia é das mais promissoras do Estado.
A vizinhança com a ferrovia Norte-Sul, que desemboca no terminal de grãos em São Luís (MA), e a criação de uma hidrovia Marabá-Belém, passando pela eclusa da usina de Tucuruí (PA), animam o setor rural. "Há uma vantagem logística futura muito boa aqui", diz Edeon.
O preço do frete, que hoje come um quarto do lucro do produtor, deve cair pela metade. A ligação, via BR-080, entre Ribeirão Cascalheira (MT) e Luís Alves(GO)encurtará ainda mais a distância, deixando as cargas do Araguaia a 400 km da ferrovia em solo goiano.
A BR-242 também será importante ao ligar o eixo da BR 158 à área de influência da BR-163, principal região produtora atualmente. No papel, ainda está desenhada a ferrovia do Centro-Oeste, conectando Campinorte (GO) a Lucas do Rio Verde (MT).
Há, ainda, pelo menos duas dezenas de grandes silos e armazéns em construção por tradings e produtores, o que dá poder de barganha para vender na entressafra com margem melhor e até exportar diretamente.
"Isso me garante um adicional de R$ 1 por saca", diz o produtor Reginaldo Brunetta, que ergue um silo de R$ 4 milhõespara320mil sacas de grãos em Porto Alegre do Norte.

O sonho do avião próprio realizado

Gaúcho de Não-Me-Toque, Gilmar Wentz se impôs um desafio quando ainda era estudante do curso de Contabilidade em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, nos idos de 1980: não se contentava com um Passat e uma casa na cidade, como vários dos contadores que conhecia. "Preferia um King Air no hangar a um Passat na garagem", diz. E conseguiu: dono de uma das maiores revendas de defensivos agrícolas do País, hoje consegue desfrutar de seu avião.
Visita suas lojas e terras espalhadas na região e, às vezes, parte da família que ficou no Sul. "Sempre preferi estar no palco que ser plateia", insiste. Virou prefeito de Querência em 2012, eleito pelo PMDB. Com quatro ações na Justiça Eleitoral, por acusações de abuso de poder econômico e compra de votos, Wentz diz que gosta de enfrentar aqueles que querem cassá-lo.
"Nunca fui de desistir. Estou perdendo dinheiro sendo prefeito. Mas sou parte disso aqui. E vou até o fim", afirma. Ele já ganhou duas ações na Justiça. Pouco popular depois de ter anunciado o aumento de até 350% do IPTU da cidade, diz não se preocupar com a oposição. "Querem serviços públicos, mas de graça não dá. Têm de pagar por eles."

Venda de tratores em ritmo veloz

Juntar um dinheirinho para comprar uns bezerros. Esse era o sonho do administrador Carlos Tomazetto e sua família ao sair de Primavera do Leste emigrar para Porto Alegre do Norte,em2002. Ex-gerente administrativo de um dos maiores grupos da região, o Itaquerê, trocou seus 20 anos de casa para fazer a transição campo-cidade.
O paranaense usou poupança e experiência para virar dono da concessionária Agrale na vizinha Confresa.
Antes, tinha engordado o caixa ao lotear uma chácara de 33 mil m² na cidade e vender cada uma das 66 unidades a R$ 5 mil. Até a prefeitura comprou algumas para construir uma creche.
Ele ainda não comprou os bezerros, mas vendeu 70 tratores de grande porte em 13 municípios do Araguaia - oito deles para a própria Itaquerê.
"Vim para cá para empreender. Meu sonho agora é abrir mais lojas." Na dúvida,mantém800 hectares em sociedade com um amigo.

OESP, 15/09/2013, Economia, p. B6-B7

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