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Nova era para o litoral norte

OESP, Cidades, p.C1, C3
12 de Dez de 2004

Nova era para o litoral norte
Zoneamento aprovado, se bem aplicado, pode reverter modelo esgotado da segunda casa na praia para o do desenvolvimento sustentado
Bárbara Souza
Eduardo Nunomura
Preste atenção na imagem ao lado: no primeiro plano há uma casa ampla e luxuosa. A mansão à beira-mar fica em Toque-Toque Pequeno, em São Sebastião, litoral norte paulista. Mais ao fundo dá para ver construções empoleirando-se umas sobre as outras. São casebres e barracos que invadem desenfreadamente a mata atlântica. Esse é o retrato de anos de crescimento desordenado que o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) aprovado na terça-feira pretende agora interromper.
A idéia é reverter um modelo baseado no "veranismo", o turismo da segunda casa na praia, e partir para o do desenvolvimento sustentável, onde a iniciativa privada veja as belas praias paulistas como uma opção valiosa de investimentos e negócios. O ZEE é um plano que define com regras claras onde e quanto se pode construir no litoral. Se bem aplicado pelas prefeituras, prevê facilidades para o licenciamento ambiental de empreendimentos como hotéis, resorts e outras atividades náuticas e turísticas.
"O zoneamento, indiretamente, privilegia os serviços turísticos em detrimento do uso da segunda residência", diz o superintendente da Agência Brasileira de Gerenciamento Costeiro, Martinus Filet. "É preciso acabar com o binômio condomínios de luxo e a cidade extra-oficial dos pobres", acrescenta o professor de política ambiental da Universidade Católica de Santos, Ícaro Cunha. "O modelo da segunda casa está em colapso. Ele faz as praias lotarem no verão, mas no resto do ano vira um sufoco. É uma estratégia suicida."
O litoral norte paulista, rico em parques ainda preservados, tem grande potencial para os turismos náutico, ecológico, histórico-cultural e de eventos. Mas até hoje não foi capaz de absorver o grande exportador de turistas do País, a Grande São Paulo. Muitos paulistanos, por exemplo, preferem viajar para o Nordeste, com seus resorts e melhor estrutura turística, a descer a Serra do Mar.
As quatro cidades do litoral norte vêm crescendo descontroladamente. Um dos maiores reflexos é o aumento das ocupações de morros. Escondidos na mata, os barracos e pequenas casas de alvenaria, sem reboque, desafiam a lei da gravidade sobre barrancos.
As favelas avançam em direção ao Parque Estadual da Serra do Mar, protegido por lei ambiental. Depois, tornam-se vilas e muitas vezes têm suas ruas reconhecidas pela Câmara Municipal. O calçamento chega e até a prefeitura manda recolher o lixo. Mas na maioria, não há água nem luz. Essas "benfeitorias" são levadas por meio dos chamados gatos.
"O ZEE não é a solução das coisas, mas uma diretriz para os municípios organizarem a ocupação", diz o ambientalista Teo Balieiro, presidente da Federação Pró-Costa Atlântica. "Agora resta aos municípios fazerem a lição de casa e desenvolverem seu Plano Diretor com base nesse estudo."

'Houve uma progressão muito espalhada'
Bárbara Souza e Eduardo Numora
Ilhabela viu sua população crescer quase sete vezes mais do que São Paulo. São Sebastião, que em 1996 tinha 43.845 habitantes, passou a 58.038 no último censo e a estimativa atual é de cerca de 70 mil pessoas. Caraguatatuba e Ubatuba cresceram no mesmo período entre 17,1% e 21,5%. Os números oficiais apenas traduzem uma conta que há muito se percebia na prática pelos moradores do litoral norte: as cidades incharam demais e muito rapidamente.
A favelização, que marcou a segunda metade dos anos 90 nas praias de São Sebastião a Ubatuba, não foi um fenômeno isolado do resto do País. Mas até bem pouco tempo imaginava-se que o litoral norte pudesse ser uma espécie de modelo para um desenvolvimento sustentável, já que muito de sua natureza havia sido preservada - ao contrário de outras cidades praianas. Foi só nos anos 80 que a costa sul de São Sebastião, por exemplo, passou a ter acesso por meio de uma estrada asfaltada.
A invasão de morros foi fruto da falta de fiscalização? "Existe ocupação, isso é fato, mas o número de pessoas que ocupam o litoral norte não dá metade da ocupação da Praia Grande", diz o coronel João Leonardo Mele, comandante da Polícia Ambiental. "O que houve foi uma progressão quase imperceptível, muito espalhada, mas que ao longo do tempo causou degradações muito preocupantes."
As conseqüências desse aumento populacional são conhecidas. A região precisa de escolas, postos de saúde, ônibus e, sobretudo, empregos. Mas, como o litoral hiberna fora da temporada, se investe menos do que se deveria nessas áreas. A violência, hoje a grande preocupação, é só um subproduto desse ciclo.

Chegam os turistas, os operários. Sai a mata
Crescimento urbano destrói vegetação; já existe até guerra entre morros
Bárbara Souza e Eduardo Nunomura
Longe dos olhos dos turistas que admiram a vista que têm da Praia da Baleia para o verde da montanha, uma clareira ultrapassa a placa que delimita o início do Parque Estadual da Serra do Mar. Já existe um barraco. A subida para o morro, a Vila Baiana, desvenda outras dezenas de casas e barracos próximos do parque. Ali é uma área de preservação ambiental, já sem sua vegetação nativa e com sinais de deslizamentos. Mas, para muitos, é a única forma de conseguir um teto para morar.
E tem sido melhor morar mal em São Sebastião do que nas cidades de origem, onde são vítimas da fome. "Eu vim atrás de um irmão, que já morava aqui. Mesmo difícil, ainda é melhor, porque a gente consegue bicos, tem hospital de graça, escola e casa", diz o vendedor ambulante Jordão dos Santos Alves, de 20 anos.
Hoje, Alves vende redes nas ruas da cidade, o que lhe permite dividir as despesas da casa com os sete irmãos e a mãe, que também vieram de Patos, na Paraíba. Mora no morro, conhecido como Itatinga, um dos bairros apontados como mais violentos de São Sebastião, que vive em guerra com um morro vizinho, o Olaria. Ambos fazem parte de um complexo maior, o Topolândia.
Segundo a Polícia Ambiental, até o fim dos anos 80, havia muitos casos de invasão de áreas protegidas por loteadores irregulares. O aumento da fiscalização e da conscientização de muitos empreendedores fez com que esse tipo de construção diminuísse. Mas o estrago já estava feito. E propiciou o surgimento de um segundo movimento destruidor, o da ocupação de morros e o surgimento de favelas.
Quando um grande condomínio é erguido, em média 300 trabalhadores migram para a cidade. Desses, 90% acabam ficando e trazem suas famílias. "Só Maresias cresce 15% ao ano", diz o ambientalista Teo Balieiro. Esse dado foi levantado com base nas matrículas escolares.
Em 2001, o baiano Jorge Alves da Silva, de 40 anos, arrumou um bico como pedreiro na construção de um condomínio fechado na Praia da Baleia.
Depois da obra, foi morar num barraco na Vila Baiana, na Barra do Saí. Há dois anos, trabalha como jardineiro do condomínio que ajudou a construir e mora numa outra casa, agora de alvenaria, no alto do morro, uma área de encostas onde as construções estão avançando. Silva paga R$ 200,00 de aluguel. "Meu sonho é construir a minha casa. Acho que logo consigo, porque tem muito terreno à venda", diz. Os lotes a que se refere estão em área de proteção ambiental e já foram desmatados.
As ocupações irregulares também ocorrem com rapidez na Vila Tropicanga, em Boiçucanga. Apesar de a região estar sob embargo judicial desde 1994 - nenhuma obra pode ser feita ali - as construções já estão se espalhando até nos trechos de mata mais fechada. "Esse embargo não é respeitado, porque não há fiscalização. Até procuro orientar as pessoas a não construírem, mas não posso impedir que a pessoa construa", diz Maria Conceição de Moura, uma das primeiras moradoras da vila, há 22 anos.
Ela acha injusto atribuir o aumento da criminalidade ao crescimento das invasões. "Não somos bandidos porque moramos nos morros. Esta é uma situação que ocorre porque as pessoas vêm em busca de oportunidades. Mas é preciso conter as invasões", admite Maria Conceição.
Fiscalização
Esse é um problema que as prefeituras sempre prometem combater. O atual prefeito, Paulo Julião (PSDB), diz que intensificou a fiscalização nos quatro anos de governo e aumentou as ações sociais para evitar a criminalidade. "Derrubamos mais de 400 barracos", diz.
O prefeito eleito, Juan Manoel Pons Garcia (PPS), que está em Portugal, também promete mudanças. Segundo seu vice, Paulo Henrique Ribeiro Santana, as melhorias vão começar com o novo Plano Diretor do município, que terá como parâmetro o Zoneamento Ecológico-Econômico. "Vamos regularizar as áreas já degradadas, remover as famílias que estão em área de parque e aumentar o número de fiscais de 22 para 100", diz.
Outra idéia, que já foi adotada em Ilhabela, é cadastrar todos os operários de obras. Com isso, pretende-se conhecer o trabalhador: saber de onde vem, onde mora e o seu nome.
Mas, para o ambientalista Balieiro, é preciso fornecer mão-de-obra qualificada para o mercado imobiliário aproveitar os trabalhadores locais. "Eles trazem pessoal de fora, porque alegam que aqui falta qualidade. Estamos em contato com empresas para dar cursos a essas pessoas."

Aumento de roubos em São Sebastião apavora moradores
Mas para as Polícias Civil e Militar criminalidade está sob controle
Bárbara Souza e Eduardo Nunomura
Grupo invade casa onde 25 funcionários de uma firma de São Paulo faziam uma festa de confraternização de fim de ano e uma pessoa é baleada. Dezesseis presos cavam túnel e fogem da cadeia. Policiais descobrem ponto-de-venda de drogas e prendem traficante. Homem é encontrado morto com tiro no peito em suposto acerto de contas entre bandidos. Assaltantes roubam banco e fogem de lancha... Lancha? O que podia parecer notícia rotineira da capital é um retrato do litoral norte. Atualíssimo, dos últimos dias.
O secretário da Segurança Pública, Saulo Abreu, anunciou que 1.200 policiais vão ser deslocados para as praias neste verão. Mas informou, para frustração geral dos moradores do litoral norte, que não vê necessidade de aumentar a tropa no resto do ano, com o seguinte argumento: "O bandido só vai aonde está o dinheiro."
O presidente do Conselho de Segurança de Maresias, Aldo Amadei, retrucou: "Talvez por serem policiais, não sofram como o resto da população."
Violência é o assunto do momento no litoral norte, de garçons a operadores de balsa, empresários e profissionais liberais. A polícia alega casos isolados, bandidos vindos de outras regiões, acerto de conta entre traficantes. Mas alguns crimes estão crescendo nas badaladas praias. O roubo é o mais evidente. De 1999 a 2003, a taxa de roubo (por 100 mil habitantes) cresceu quase 70% em São Sebastião, 55,3% em Ubatuba e 40,7% em Caraguatatuba. Na capital, subiu 16,7%.
São Sebastião é, entre os municípios da região, o que mais sofreu com o aumento desse crime. E neste ano o número de roubos na cidade continua crescendo.
"O 190 (telefone de emergência da polícia) fica em São José dos Campos. As nossas delegacias fecham no fim de semana. E só a central funciona 24 horas", critica o presidente regional da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Tadeu de Oliveira Prado.
Para quem mora há 40 anos na cidade, ao lado de uma delegacia e recupera-se de quatro tiros - resultado do segundo assalto que sofreu este ano -, falar que se trata de casos isolados soa como descaso do governo. É o que pensa o comerciante Getúlio Pombo, de 61 anos, vítima de dois assaltos - um no seu restaurante, há quatro meses, e outro quando chegava em casa, um mês atrás.
Para o comerciante, os números da violência divulgados não refletem a realidade, já que muitos moradores e turistas deixam de prestar queixa. Um dos motivos: descrença. "Eu já estava sendo operado quando a polícia chegou", diz Pombo.
A polícia contesta. "Aqui ainda é um paraíso, uma cidade do interior e os índices de criminalidade são baixos. Temos mais um problema social que policial", rebate o delegado seccional João Barbosa Filho. "Há mulheres que vão à praia de bíquini e colares de ouro. Você já viu isso?", indaga o comandante da Polícia Militar da região, Oswaldo da Silva Filho. Segundo ele, no litoral, as pessoas se descuidam e esquecem da própria segurança.

Ilhabela pretende instalar câmeras
Conselho de Segurança quer comprar aparelhos já que não recebe mais policiais
Bárbara Souza
Uma cidade com medo. Conhecida pelas belas praias e considerada um paraíso por turistas e moradores, Ilhabela viu nos últimos dez dias três crimes espetaculares, com fuga de lancha e bandidos armados com metralhadoras e pistolas com silenciadores. O medo é tanto que o Conselho de Segurança Pública (Conseg) e a prefeitura pretendem instalar 38 câmeras com monitoramento e gravação 24 horas para observar a movimentação nas principais ruas e nos morros. O custo disso - R$ 250 mil - seria dividido entre empresários e comerciantes.
Culpa da falta de percepção da Secretaria de Segurança Pública sobre o problema, na opinião do presidente do Conseg, Wolf Schauder. "Há dois anos tentamos aumentar o número de policiais. O que está ocorrendo agora é conseqüência disso."
Segundo ele, são 28 policiais militares para 26 mil habitantes - população que chega a 130 mil nos fins de semana e feriados. "Se contarmos com os policiais que estão de folga ou licença médica, ficamos com mais ou menos 17 homens", diz. Divididos em três turnos, serão diariamente 6 policiais para atender a ilha, com extensão de 35 quilômetros. "É necessário dobrar o número de policiais." São 7 policiais civis.
Com policiamento maior ou não, os moradores estão assistindo a crimes que jamais imaginavam presenciar. "Ter seqüestro relâmpago em uma cidade que dormia com as portas abertas é vergonhoso", diz o empresário Flavio Calazans.

Zoneamento Ecológico-Econômico
Z1 terá uso restrito para preservação e conservação, pesquisa, educação ambiental, ecoturismo, pesca artesanal e poucos tipos de ocupação humana. No lado marinho, é liberado o uso para planos de manejo sustentado
Z2 permite ocupação humana que mantenha as características da região, mineração e manejo sustentado. Na área marítima (mar e mangue), libera pesca artesanal e aqüicultura e atividades de recreação de baixo impacto
Z3 libera usos anteriores e permite ainda a agropecuária e a silvicultura. Na zona marinha, permite pesca industrial e marinas e garagens para embarcações
Z4 compreende as atuais construções e onde a vegetação já foi praticamente destruiria ou alterada. Permite construção de imóveis com restrições. Na zona marinha, além dos usos anteriores, prevê a existência de estaleiros
Z5 prevê quase todo tipo de atividade, inclusive industriais (fábricas, comércio e serviços), turísticas (hotéis, agências de turismo) e aerorodoportuárias (aeroporto, sistema viário, marinas e portos). No mar e nos canais, como o de São Sebastião, já se percebe o desaparecimento de espécies

OESP, 12/12/2004, p. C1, C3

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