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Nova avaliação vai atrasar mais as usinas do Madeira

OESP, Economia, p. B6
16 de Nov de 2006

Nova avaliação vai atrasar mais as usinas do Madeira
Estudiosos pedem ao Ministério Público de Rondônia avaliação até do impacto ambiental do lado boliviano

Agnaldo Brito

Relatório produzido por especialistas em recursos hídricos e reservatórios a pedido do Ministério Público Estadual (MPE) de Rondônia aponta dezenas de falhas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) encomendado pelos empreendedores Furnas e o Grupo Odebrecht sobre o complexo hidrelétrico do Rio Madeira, na região Amazônica.

O relatório ao qual o Estado teve acesso faz duas determinações básicas: cobra estudos mais detalhados dos efeitos das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau no Bioma Amazônico e afirma categoricamente que os estudos devem incluir o impacto do empreendimento no lado boliviano. Isso poderá atrasar o licenciamento e as obras, que, segundo Furnas, demorará pelo menos sete anos cada uma.

A avaliação é assinada por 12 especialistas: Bruce Forsberg, José Galizia Tundisi, Philip Fearnside, Ronaldo Barthem, Horácio Schneider, Alceu Ranzi, Josuel Ravani, Michael Hopkins, Nelson Jorge da Silva, Reinaldo Soeiro, Michael Gouling e Vitor Py Daniel.

Os pesquisadores apontaram problemas nos cálculos de contenção de sedimentos nas barragens e nos reservatórios, na interrupção da migração de espécies da fauna aquática, no potencial de alagamento e, portanto, no tamanho do lago das hidrelétricas, entre outros.

Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia ( INPA), afirma que a falta de dados sobre os sedimentos que serão depositados no reservatório após o barramento do rio aumenta as dúvidas sobre a afirmação de que a Bolívia não será atingida. 'Até mesmo se o efeito de sedimentação estivesse ignorado, a água do Reservatório de Jirau afetaria a Bolívia', apontou.

O engenheiro da empresa PCE, José Eduardo Moreira, responsável pelo estudo, afirma que os efeitos do reservatório estão confinados em território nacional e os limites de operação das usinas asseguram, sobre qualquer nível do rio, que não haverá inundação do território boliviano.

Bruce Forsberg, também do INPA, afirma que o modelo usado para avaliar o relevo da região pode conter erros. 'O erro introduzido no modelo pela cobertura vegetal, se não for corrigido, poderá subestimar a área máxima alagada', diz no relatório. O equívoco, afirma o pesquisador, pode duplicar o tamanho do lago. 'Se esse erro realmente ocorreu, todos os estudos de impacto ambiental realizados até o momento estão comprometidos', disse.

A avaliação entregue ao MP põe em dúvida a avaliação sobre onde seriam depositados os sedimentos carregados pelo Rio Madeira. O Estudo de Impacto Ambiental avaliou que 50% do volume dos dois reservatórios estariam ocupados com sedimentos em 22 anos.

O relatório questiona ainda onde exatamente esses sedimentos se acumulariam. José Galizia Tundisi, consultor ambiental e pesquisador, afirma que o estudo sobre sedimentos no rio não pode ser feito exclusivamente em território brasileiro, mas deve inclui o território boliviano.

'A análise das questões relativas a estudos sedimentológicos deve sempre considerar a bacia hidrográfica como unidade especial para avaliação', apontou. Tundisi pede ainda cálculos sobre o transporte de madeira pelo rio. Segundo ele, não é um volume desprezível.

BARRAGENS

A construção de barragens também, segundo especialistas, deverá elevar a concentração de mercúrio, proveniente dos garimpos no Rio Madre de Dios, na Bolívia. Tundisi afirma que o estudo feito pelos empreendedores desconsideraram os riscos de acumulo de mercúrio na água. A presença de mercúrio, e a ampliação desSe metal na água, em razão das barragens, deve ser observada, já que a fonte de proteína dos ribeirinhos é o peixe. O acúmulo de mercúrio pode contaminar as populações, alerta Tundisi.

Os efeitos das barragens sobre a fauna aquática não são, segundo Ronaldo Barthem, do INPA, mensurados no Estudo de Impacto Ambiental. O pesquisador alerta para a interrupção de rotas migratórias de várias espécies. 'É importante conhecer quais são as espécies que conseguem ultrapassar Santo Antonio e Jirau e quais as que não conseguem', adverte.

O pesquisador e hidrólogo Jorge Molina, da Universidade Mayor de San Andrés, de La Paz, afirma que as barragens podem comprometer a atividade pesqueira existente no Departamento de Beni, na Bolívia.

Governo terá de correr para evitar racionamento

O cenário elétrico deve ficar ainda mais nebuloso com o possível atraso na construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira. As duas usinas, Jirau (3.900MW)e Santo Antônio (3.580 MW), foram incluídas no Plano Decenal 2006/2015do Ministério de Minas e Energia, e estavam previstas para entrar em funcionamento a partir de 2011.

De acordo com especialistas, para que esse prazo fosse cumprido, as obras deveriam ter início até agosto de 2007. Depois disso, as cheias do rio não permitem o início da construção. Portanto, as obras só poderiam ser iniciadas em 2008.O complexo hidrelétrico é considerado um dos mais importantes projetos estruturantes do atual governo e deve custar cerca de R$ 20 bilhões, sem contar os gastos com linhas de transmissão para trazer a energia até os grandes centros.

Com o atraso nas duas hidrelétricas, o governo terá de encontrar alternativas rápidas para evitar um novo racionamento, como o que ocorreu em 2001. Mas ele tem tido mais dificuldade do que imaginava para conseguir pôr em prática um plano consistente de expansão do setor elétrico brasileiro.

Não faltam problemas para aumentar as incertezas e reforçar a tese de inúmeros especialistas de que o País terá novamente uma crise energética. Não há gás para abastecer as térmicas e está cada vez mais complicado conseguir licença ambiental para as grandes hidrelétricas, o que tem afastado os grandes investidores do setor.

OESP, 16/11/2006, Economia, p. B6

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