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NOTA À IMPRENSA

Reserva Indígena Dourados/MS-Dourados-MS
30 de Dez de 2004

O RETROCESSO DA SAÚDE INDÍGENA EM MATO GROSSO DO SUL

A população indígena brasileira é estimada em,
aproximadamente, 400.000 pessoas pertencentes à cerca de 215
povos, falantes de mais de 180 línguas identificadas
(Funai/DF). Cada um destes povos tem a sua própria maneira de
entender e se organizar diante do mundo, que se manifesta nas
suas diferentes formas de organização social, política,
econômica e de relação com o meio ambiente e ocupação de seu
território.

Diante desta realidade, em 1988, a Constituição Federal garantiu o
reconhecimento e respeito das organizações socioculturais dos povos
indígenas, assegurando-lhes a capacidade civil plena, tornando obsoleta a
instituição da tutela, sendo isto um marco histórico para nós povos
indígenas do país, rompendo com os conceitos de integração e incorporação
à sociedade nacional, passando a reconhecer e valorizar nossas
organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições (Artigo 231).

No que tange à saúde indígena, em 27 de agosto de 1999, o decreto no 3.156
sancionado pelo presidente da República Fernando Henrique Cardoso que no
uso de suas atribuições confere que "A atenção a saúde indígena é dever da
união e será prestada de acordo com a Constituição e com a Lei no 8.080,
de 19 de setembro de 1990, objetivando a universalidade, a integralidade e
a equanimidade dos serviços de saúde" e em 23 de setembro de 1999,
sanciona a Lei no 9.836 acrescentando dispositivos à lei no 8.080 de 19 de
setembro de 1990, que "dispõe sobre as condições para a promoção, proteção
e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências", instituindo o SUBSISTEMA DE
ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA, onde o Ministério da Saúde, órgão do poder
executivo da União no uso de suas atribuições confere a Fundação Nacional
de Saúde a responsabilidade em estabelecer as políticas e diretrizes para
a promoção, prevenção e recuperação da saúde do índio, como está
explicito no artigo 4o do referido decreto: O Ministério da Saúde poderá
promover os meios necessários para que estados, municípios e entidades
governamentais e não governamentais, atuem em prol da eficácia das ações
da saúde indígena observando as diretrizes estabelecidas no decreto que
são as seguintes: a) o desenvolvimento de esforços que contribuam para o
equilíbrio da vida econômica, política e social das comunidades indígenas;
b) a redução da mortalidade, em especial a materna e a infantil; c) a
interrupção de ciclo de doenças transmissíveis; d) o controle da
desnutrição, da cárie dental e doença periodontal; e) a restauração das
condições ambientais, cuja violação se relacione diretamente com o
surgimento de doenças e de outros agravos da saúde; f) assistência médica
e odontológica integral, prestada por instituições públicas em parcerias
com organizações indígenas e outras da sociedade civil; g) a garantia aos
índios e às comunidades indígenas de acesso as ações de nível primário,
secundário e terciário do sistema único de saúde - SUS; h) a participação
das comunidades indígenas envolvidas na elaboração da política de saúde
indígena, de seus programas e projetos de implementação; i) e o
reconhecimento da organização social e política, dos costumes, das
línguas, das crenças e tradições dos índios.

Em relação a Lei no 9.836 de 23 Setembro de 1999, diz nos seguintes artigos:

- Art.19-C - Caberá a União, com seus recursos próprios, financiar o
Subsistema de Atenção a Saúde Indígena.

- Art. 19-E - Os Estados, Municípios, outras Instituições Governamentais e
não governamentais poderão atuar complementarmente no custeio e execução
das ações.

- Art. 19-F - Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a
realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o
modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar
por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de
assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio
ambiente, demarcação das terras, educação sanitária e integração
institucional.

- Art.19-G, Parágrafo 2o - O SUS servirá de retaguarda e referência ao
Subsistema de Atenção a Saúde Indígena, devendo, para isso, ocorrer
adaptações na estrutura e organização do SUS nas regiões onde residem as
populações indígenas, para propiciar essa integração e o atendimento
necessário em todos os níveis, sem discriminações.

Em Mato Grosso do Sul, está a segunda maior população indígena do país,
totalizando hoje mais de 50 mil indígenas, onde a grande maioria estão
vivendo em condições subumanas, devido a vários problemas sociais, dentre
eles a falta de espaço físico, moradia, emprego, renda, lazer, associado
ao alto índice de analfabetismo, alcoolismo, drogas, dentre outros agravos
que acentuaram nestes últimos anos, sem nenhuma perspectiva de vida, sendo
mantidos confinados em reservas, por programas sociais paliativos para
amenizar a dura realidade dentro dessas "aldeias", como é o caso da maior
aldeia do estado ou do país onde em apenas 3,4 mil ha vivem 10 mil
indígenas de 3 grupos étnicos distintos e isso coloca o estado numa
posição desconfortável em relação aos índices de saúde, conforme os
indicadores, mesmo tendo o Ministério da Saúde disponibilizado recursos
para a Funasa executar ações de atenção básica e saneamento básico nas
aldeias do estado.

Analisando o perfil epidemiológico da população indígena de Mato Grasso
do Sul (dados Funasa/Dsei/MS), em 1999/2000 o coeficiente de mortalidade
infantil era de 140x1000, enquanto que a do Brasil era de 33,1x1000 além
de registrar 108 casos de tuberculose somente nas aldeias de Dourados. De
1999 a 2002, ainda na gestão do governo Fernando Henrique Cardoso e do
Ministro da Saúde José Serra, período em que foi implantado o Dsei/MS e a
sistematização dos serviços de saúde e das equipes foi possível perceber
uma melhora significativa desse índice, fechando o ano de 2002 com 48,3
x1000, ou seja, uma redução de 65,42% , mostrando claramente a qualidade
do atendimento, a eficiência dos gestores na organização, planejamento e
na execução das ações de saúde, através de projetos sérios e consistentes.
Em 2003 permanecemos na mesma casa dos 48, mais precisamente com 48,1% e
neste ano de 2004, mesmo com todos os avanços em relação aumento dos
recursos financeiros, humanos, logísticos e apoio do governo do estado e
de alguns municípios, como é o caso de Dourados, o índice de mortalidade
infantil indígena do nosso estado (MS) fechou setembro com 62,14%, isso
representa um aumento de 29% e a perspectiva para o fechamento de 2004 não
é das melhores (índice de MS.).

Para obtermos esses dados e chegarmos nesses resultados, no final de
setembro de 1999, a coordenação da Funasa/MS, o Distrito Sanitário
Especial Indígena e o principal Polo indígena da região - o de Dourados
inicia a composição das equipes para trabalhar nas comunidades indígenas
em parcerias com o estado, municípios e Ong's, tendo como meta identificar
os principais agravos de saúde bem como suas causas, onde registrava um
elevadíssimo índice de tuberculose e mortalidade infantil e trava uma luta
incansável para mudar a forma de tratamento da tuberculose. Com o
reconhecimento do estado e do Ministério da Saúde o tratamento da
tuberculose foi preconizado pela sistematização do diagnóstico e o
tratamento supervisionado - DOTS e no final de 2001, registra-se 66 casos
de tuberculose e em 2002 foram diagnosticados 34 pacientes com
tuberculose.

Em relação a mortalidade infantil nas aldeias de Dourados, o
polo indígena de Dourados, a partir do ano de 2001, traçou
planos com metas, metodologias e objetivos que foram de
encontro aos problemas da comunidade indígena e em parceria
com estado e município fechou o ano de 2001 com 56,56 X 1000,
contra os 140 x 1000 do ano anterior. Os trabalhos do Polo
indígena de Dourados em parceria com o município e o estado
continuaram no ano seguinte e fechou o ano de 2002 com um
índice de 46,32 X 1000, ou seja de cada mil crianças que
nasciam em 2000, morriam 140 e em 2002 este número foi
reduzido para 46,32 crianças em óbito. Já em 2003 este índice
sobe para 51,75% e em novembro de 2004 fechamos em 67%. Vale a
pena esclarecer que este retrocesso dos índices é observado
exatamente após a gestão do governo Lula.

No entanto, com a eleição e a posse do governo Lula e o jeito
PT de administrar, houve uma mudança radical na área
administrativa / técnica da Funasa, Dsei e Polos base, que
comprometeu todo um trabalho que estava dando certo, iniciando
em 2003 um processo de desestruturação, sobretudo na saúde
indígena, das atividades que estavam sendo desenvolvidas. E
nós membros dos conselhos de saúde, lideranças, usuários e
comunidade indígena do estado de Mato Grosso do Sul
esclarecemos que não pactuamos com isso e nem somos coniventes
com esta situação, pois são nossas crianças nossos patricios
que não estão tendo a chance de viver, sobreviver devido a
falhas e erros que poderiam ser evitados com a nomeação ou
indicações de pessoas certas nos lugares certo. Que nossos
governantes usem o bom senso, que haja critérios e que
permitam e respeitem a participação social de nosso povo, por
meio do controle social, de verdade e de fato, pois somos nós
os conhecedores da nossa realidade, isto porque esta situação
já prevíamos e até alertamos o Coordenador Regional da FUNASA
para tais fatos, no entanto não fomos ouvidos. Outro fato
complicador é em relação aos atrasos de salários dos
trabalhadores em saúde que ocorreu no início do ano, meado e
agora no final do ano volta a repetir, devido à falta de
recursos. Estamos dependendo da aprovação no Congresso
Nacional de créditos suplementares para o exercício 2004, que
também já era previsto desde o primeiro semestre deste ano. É
bom lembrar que são mais de trezentas famílias no estado que
dependem exclusivamente deste salário, para o sustento de suas
famílias e honrarem com seus compromissos, que não receberam
salários de novembro, 13o salário e dezembro está findando sem
nenhuma perspectivas.

Analisando atentamente os fatos, no que diz respeito ao índio,
o pensamento colonial continua impregnado pelo menos nos
administradores da Funasa/MS. O projeto inicial no período
colonial e o projeto atual da Funasa/MS, pouco diferenciam. O
projeto colonial visava integrar o índio à sociedade crioula,
enquanto o atual projeto da Funasa/MS, caracteriza-se na
"conquista" do discurso Jesuítico, onde novos servidores da
Funasa devem "conquistar" a confiança do índio em troca de
favores, enganações e de uma forma paternalista utiliza de
uma filosofia "malvada" que colocam índios contra índios,
lideranças contra índios e vice-versa surgindo de repente um
administrador como o salvador , o grande herói, mas que de
forma inexorável ameaça agentes indígena de saúde e
funcionários da própria Funasa, que se opõem a ditadura
imposta por esses administradores ou que questionam suas
decisões ou ações.

É lamentável fazermos essa análise de um órgão conceituado como a Funasa,
mas infelizmente os administradores deste órgão em mato Grosso do Sul,
ocupantes de cargos políticos cometem o etnocídio induzido pela burocracia
oficial, pela opressão psicológica exercida sobre os índios, pela
desmoralização de nossas competências e capacidades de decisão,
organização e conhecimento étnico. É bom lembrar que estamos trabalhando
com vidas humanas, que nós índios também somos seres humanos e queremos
respeito, seriedade, compromisso e principalmente responsabilidade, pois
são os nossos filhos, nossos patrícios que estão indo a óbito devido à
falta de preparo intelectual e técnica da coordenação e sua equipe para
criar projetos consistentes, capacidade gerencial para executar aquilo que
já está projetado e conscientizar-se de que administrar um órgão
conceituado como a FUNASA/MS, onde tem sob sua responsabilidade a saúde da
segunda maior população indígena do país é totalmente diferente de
apaziguar assembléias ouriçadas - estamos trabalhando com vidas, com seres
humanos. Que a capacidade administrativa e de gerenciamento juntamente com
a vontade política prevaleçam e nos traga um 2005 diferente.

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