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11 de Fev de 2025
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) reforça que qualquer utilização das imagens exibidas no documentário "A Invenção do Outro" sem o consentimento prévio do povo Korubo do Coari, indígenas de contato realizado recentemente em 2019, viola o direito cultural e de imagem dos indígenas. A autarquia indigenista lembra que os indígenas não foram previamente consultados pelo autor do filme quanto à utilização das imagens, conforme estabelece a Portaria 177/PRES, de 2006, da Funai. Fato que levou a Justiça a determinar a suspensão total da comercialização e exibição do documentário ou de qualquer imagem obtida na expedição até que se efetive o direito de consulta do povo indígena Korubo, resguardado internacionalmente pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A captação, uso e reprodução de imagens indígenas dependem de autorização expressa dos titulares do direito de imagem. À Funai, como órgão responsável por coordenar e articular a política indigenista no Brasil, cabe participar das negociações de contratos e autorizações atendendo aos interesses de cada povo. Foi o que ocorreu no caso das fotos tiradas em 2017 por Sebastião Salgado. Com a mediação da Funai, o fotógrafo seguiu os protocolos de consulta estabelecidos e possui contrato assinado com o povo Korubo que, diferentemente dos Korubo do Coari, foram contatados pela primeira vez em 1996.
As imagens exibidas no documentário "A Invenção do Outro", por sua vez, foram gravadas em 2019 durante expedição realizada pela Funai no Rio Coari, na Terra Indígena Vale do Javari, localizada no estado do Amazonas, onde vive o povo Korubo. O autor do documentário estava presente nos trabalhos a serviço da Funai para realizar o registro audiovisual e documentar as ações de monitoramento e localização de indígenas isolados. O objetivo dos registros era subsidiar a atuação da Funai na proteção desses povos. Não houve negociação nem autorização para futuras divulgações e comercialização das imagens captadas.
A Funai reconhece que, na expedição de contato com os Korubo do Coari, em 2019, era inviável obter a autorização de captura de imagem dos indígenas, visto que ainda estavam na condição de isolados. Entretanto, os Korubo contatados na expedição passaram a ter contato regular com a Funai e os profissionais de saúde do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena Vale do Javari (DSEI-VJ).
Assim, este grupo saiu da categoria de isolado e passou a ser considerado pela Funai como povo indígena de recente contato, ou seja, um povo que mantém relações de contato com segmentos da sociedade nacional. Portanto, a política de não contato adotada pelo Estado brasileiro não é mais aplicada a eles, restringindo-se apenas aos povos em isolamento. Isso significa que, na data de lançamento do documentário "A Invenção do Outro", em 2022, os Korubo do Rio Coari já eram considerados povo indígena de recente contato, com plena condição de ter garantido o seu direito à consulta livre, prévia, informada e de boa fé, relativa ao lançamento e divulgação do filme. O entendimento da Funai vai ao encontro da decisão que suspendeu a exibição das imagens.
"A dificuldade relatada pelo cineasta réu para obter o consentimento válido da comunidade Korubo para divulgação das imagens não exclui a ilicitude de seus atos, mas, ao contrário, reafirma a irregularidade de sua conduta, posto que a sua urgência pessoal na utilização do material colhido não é fundamento válido para dispensar a necessária autorização para uso da imagem da referida comunidade indígena, a qual para ser obtida deve seguir necessariamente o processo administrativo correto", pontuou a juíza federal Carla Cristina Fonseca, autora da decisão.
A pedido da Funai, Justiça Federal suspende documentário que utiliza imagens do povo Korubo sem autorização dos indígenas
No contexto dos indígenas isolados, a Funai adota a política de respeito à autonomia dos povos, reconhecendo a decisão pela manutenção do isolamento e da não realização do contato. Por meio de metodologias indiretas de localização e monitoramento, a autarquia indigenista realiza a proteção do território ocupado pelos povos isolados e o estudo de suas dinâmicas de ocupação. É o caso das expedições de monitoramento que registraram, em 2024, imagens inéditas de povos isolados na Terra Indígena (TI) Massaco, em Rondônia. As imagens foram divulgadas com o propósito de reafirmar a presença indígena nos territórios e reforçar a necessidade de proteção territorial contra ameaças à sua sobrevivência. Não houve nenhum tipo de fim comercial por parte da autarquia, que apenas cumpriu suas atribuições de promover e proteger os direitos indígenas. Ao proceder dessa maneira, a Funai cumpre com sua função de despertar, por meio de instrumentos de divulgação, o interesse coletivo para a causa indígena, nesse caso, específica dos indígenas isolados. Caso contrário, esses povos permanecerão invisibilizados diante da sociedade civil.
Conheça a atuação da Funai na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato
Importância da consulta
A Funai esclarece que não é contra a divulgação do documentário "A Invenção do Outro". No entanto, reforça que os indígenas devem ser consultados para autorizar ou não o uso das imagens. Os povos indígenas de recente contato, em geral, não possuem conhecimento dos códigos, leis, costumes, língua e contextos histórico e político da sociedade não indígena. Da mesma forma, desconhecem a organização político-administrativa do Brasil. Devido à interação reduzida desses povos com a sociedade não indígena, é muito comum que sejam inéditos ou ainda pouco compreendidos os contextos, conceitos e códigos que envolvem as propostas apresentadas aos indígenas, o que prejudica a deliberação interna da comunidade.
Por isso, qualquer demanda externa que envolva os povos indígenas de recente contato deve passar por um processo de consulta cuidadoso e minucioso, com o imprescindível acompanhamento e mediação da Funai, para garantir que as informações e propostas sejam, de fato, traduzidas e compreendidas pelos indígenas, para que possam tomar decisões munidos de todas as informações necessárias.
Em nota técnica que busca apresentar algumas diretrizes relativas aos processos de consulta que envolvem povos indígenas de recente contato, a Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai orienta que, diante de uma demanda ou proposta externa que envolva um povo indígena de recente contato, como é o caso da divulgação e comercialização do filme, o primeiro passo é a realização de uma "pré consulta" em que a unidade local da Funai responsável pelo atendimento a determinado povo - a Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, no caso dos Korubo - realiza conversas nas aldeias para explicar as intenções dos interessados sem a presença deles. Quando há interesse da comunidade, é agendada a consulta propriamente dita, que deve ser realizada no território, com tradução adequada, em conformidade com as especificidades culturais do povo e com a imprescindível participação da Funai no papel de mediação. Cabe ao cineasta, no entanto, querer participar do processo de consulta.
As unidades da Funai possuem expertise na atuação com esses povos e conhecimento sobre a melhor forma de estabelecer os diálogos respeitando seus modos, costumes e tradição, contando, muitas vezes, com servidores que dominam a língua dos povos com os quais trabalham. É imprescindível, ainda, a compreensão de que, em alguns casos, para que a consulta se dê de forma realmente clara, livre e informada, é necessário um trabalho prévio e continuado que envolve processos formativos diferenciados para que os indígenas tenham o conhecimento mínimo necessário para tomarem suas decisões.
Em caso de anuência dos indígenas, deve-se, ainda, estabelecer um contrato civil que preveja contrapartidas justas pelo uso e comercialização de suas imagens. O estabelecimento de acordo que envolva a plena compreensão dos indígenas dos termos apresentados pode demandar tempo, o qual não se pode mensurar, pois depende de um processo complexo e especializado de tradução, transmissão e mediação que envolve particularidades subjetivas e de compreensão de mundo deste povo em específico. Trata-se, contudo, de um processo essencial para a garantia dos direitos dos povos indígenas de recente contato.
https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2025/nota-de-esclareci…
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