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"Nosso papel é esse mesmo: ser pulga e incomodar"

O Globo, Amanhã, p. 14-15
Autor: GRZYBOWSKI, Cândido
20 de Nov de 2012

"Nosso papel é esse mesmo: ser pulga e incomodar"
Ibase reuniu 120 pessoas de ONGs para discutir o rumo da cidadania. Diagnóstico: há uma tremenda divisão entre os defensores do social e do ambiental

Entrevista: Cândido Grzybowski
Diretor Geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

O envolvimento com trabalho escravo em Campos, na região Norte Fluminense do Rio de Janeiro, levou o Grupo José Pessoa a perder o direito de ostentar o Selo Balanço Social, em 2004. Foi a primeira vez que o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), fundado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, impediu uma empresa de veicular tal selo, criado no final dos anos 90 e baseado em indicadores sociais, econômicos e financeiros.
Oito anos depois da proibição, a ONG, presidida por Cândido Grzybowski, um gaúcho de fala mansa mas de convicções rígidas, defende o aumento do controle social sobre as empresas e declara: "Vamos reinventar o balanço, o selo". O Ibase, precursor no Brasil dessa ferramenta, pretende relançar seu próprio selo, só que com um novo formato. A proposta é acrescentar uma espécie de auditoria social das informações dadas pelas próprias empresas.
Há pouco menos de um mês, num encontro, em Vassouras, no Rio, para o seminário "Organizações de Cidadania Ativa Diante dos Desafios Planetários" - organizado pela ONG, Grzybowski demonstrou certa inquietação com o "momento de perplexidade, de certa fragmentação da sociedade civil, de perda de rumo, de certa incapacidade para responder ao tamanho dos desafios". E admitiu, sem meias palavras: "O Terceiro Setor está muito dividido".

O que foi discutido na Plataforma?

É preciso dizer que a Plataforma discute percepções sobre o que está acontecendo nas organizações parceiras. Assim, o que discutimos nesse encontro foi o momento de perplexidade, de certa fragmentação da sociedade civil, de perda de rumo, de certa incapacidade para responder ao tamanho dos desafios. O Fórum Social Mundial, criado pelo Betinho, dizia que outro mundo é possível. E hoje nós estamos nos cobrando e sendo cobrados: qual é esse mundo?

Por que a sociedade civil se fragmentou?

A questão toda é que a coalizão social que luta pela questão ambiental, em particular a questão das mudanças climáticas, gradativamente se separou da coalizão por justiça social. Ela começou mais recentemente e deslocou grupos, sobretudo grupos que nunca lutaram tão diretamente pela justiça social, para criarem como agenda prioritária o enfrentamento das mudanças climáticas. E esses grupos passaram a negociar de forma muito mais pragmática, seja com quem for. Eles acabam se afastando da maioria da população e passam a discutir com governo, empresas, para fazer redução de carbono. Isso enfraquece os dois lados.

Qual a relação entre clima e injustiça social?

Há uma interdependência entre natureza e seres humanos que não se via antes. Não tem como conseguir justiça social sem enfrentar a questão que leva à mudança climática. Hoje, para se viver no estilo dos americanos precisaríamos de cinco planetas. Ou seja: não dá para todo mundo, é excludente.

Mas, mesmo no Terceiro Setor há grupos que defendem o desenvolvimento do modo como ele é feito.

Nós estamos muito divididos. Vou pegar o exemplo de Belo Monte. Ela está sendo construída em nome do desenvolvimento, de mais emprego etc, e é verdade. Mas tem o outro lado, dos que estão perdendo tudo, os ribeirinhos, os índios, que têm um modo de vida cujo critério é outro. Nós estamos internalizando o colonialismo, porque o que se está extraindo lá não é para os índios usufruírem. Estão tirando os recursos de lá para trazer para cá, para o Sudeste e outras regiões. Como a França ou Portugal faziam conosco.

Como avançar na questão da justiça social?

Precisamos juntar as duas agendas (social e ambiental) e esta ponte é um desafio. Estive na Alemanha para um encontro sobre transformação social em que o mote era justamente este, e o impasse ficou claro. O debate ambiental é muito técnico, parte da população nem entende.

O que você acha da economia verde?

É um perigo, ela transforma tudo em mercado. É a natureza sendo tratada como reserva de recurso em que se transforma em outra coisa. Porque a biomassa é um pouco isso: uma massa que pode ser usada para outros fins. Os apoiadores da economia verde dizem: "tem que crescer". E nós dizemos: "este é o problema".

Qual deve ser a participação do Estado?

No Brasil há um compromisso intrínseco à agenda do desenvolvimento. Só que isso enche de carros as nossas cidades e a questão discutida pelas ONGs foi se isso é bem viver, se contribui para o estilo de vida que nós buscamos, do ponto de vista de direitos e justiça social, de igualdade e respeito à diversidade.

Será que o sistema atual vai acabar criando um grupo de países capazes de cuidar bem do seu quintal, adaptando-se às questões climáticas, excluindo ainda mais os mais pobres?

É impossível porque o clima não se divide nacionalmente. Há uma coisa, as emissões de carbono, que afeta a todos. Sabe-se hoje, por exemplo, que desmatar a Amazônia muda o regime de chuvas não só aqui. Por causa disso, no Himalaia, em Bangladesh, na Índia os agricultores não vão poder produzir. Mas isso não está nos discursos nem de direita, nem de esquerda. Nós estamos muito divididos.

Qual a sugestão para um sistema de desenvolvimento mais inclusivo?

Ter um programa como o Bolsa Família já é uma grande conquista, mas não basta. Temos que avançar, não podemos criar mais pobres. Fui convidado pelo governo Dilma para discutir o programa Brasil sem Miséria e sugeri dar o dinheiro do agronegócio para a agricultura familiar. É preciso cuidar da geração seguinte, dos filhos desses agricultores. Põe num ônibus, leva para uma escola de excelência em tempo integral. E, é claro, o acesso à terra é fundamental. Nosso papel é esse mesmo: ser pulga e incomodar.

O que houve com o balanço social que o Ibase criou em 1997?

Passamos a fazer exigências e as empresas não gostaram. Tivemos um caso de um empresário que assinou nossa carta garantindo que não tinha trabalho escravo em suas dependências e foi parar na lista suja do Ministério do Trabalho. Mandei uma carta dizendo que ele não podia mais usar o Selo Ibase . Foi quando passei a brigar pelo controle social. Mas vamos reinventar o balanço, o selo.

Como vai ser?

A ideia é não esperar mais que as empresas publiquem o que quiserem. Pretendemos criar uma forma de buscar as informações que elas fornecerem publicamente, introduzir novos itens e dar um prazo para que elas validem. Aquilo que ficar em branco, vamos dizer que são informações que não foram fornecidas pelas empresas.

O Globo, 20/11/2012, Amanhã, p. 14-15

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