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Nossa baía está desaparecendo

O Globo, Opiniao, p.7
Autor: AMADOR, Elmo da Silva
21 de Fev de 2005

Nossa baía está desaparecendo

Elmo da Silva Amador

Após uma década do início do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), alardeado como o programa redentor da baía, o quadro ambiental da baía é desolador, o que foi bem ilustrado pela excelente série de reportagens sobre a Baía de Guanabara realizada pelo GLOBO.

Consumidos em obras cerca de R$ 2,3 bilhões (80% do orçamento), o estado trata somente 25% do esgoto, quando tinha por objetivo tratar 58% em 1999, ao término da primeira fase. As estações de tratamento de esgoto (ETEs) foram construídas e inauguradas mas faltam os troncos coletores e as redes, que seriam bancados com a contrapartida do estado de cerca de R$ 400 milhões.

Das 53 praias existentes na baía, apenas quatro (8%) foram consideradas próprias para o banho. Dos dez reservatórios construídos com financiamento do BID, apenas um está em operação. O custo das obras de abastecimento, incluindo a duplicação da adutora da Baixada, chega a US$ 204 milhões.

Apesar do benefício social, as obras na área de abastecimento de água não trarão benefício para a baía, pelo contrário, sob a ótica ambiental, criarão um impacto de salinidade. Foram destinados US$ 16 milhões para sanear o problema do lixo da bacia, dos quais 70% já foram gastos. Das três usinas de reciclagem e compostagem previstas no programa, apenas duas foram concluídas.

Atualmente, um volume de até 100 toneladas diárias de lixo flutuante atinge a baía, prejudicando a navegação e a pesca. Esta vem declinando assustadoramente nas últimas décadas, deixando milhares de famílias sem fonte de sustento.

A baía, que já teve cerca de 90 km² de sua superfície subtraída por aterros, perde a cada ano até cinco centímetros de profundidade em conseqüência do assoreamento que já a torna inteiramente seca em até 60 km² de extensão. A baía caminha celeremente para a morte. E com ela a perda dos usos benéficos.

Mas afinal o que aconteceu com o PDBG? Ocorreram apenas problemas gerenciais? Descontinuidades administrativas? O relatório da CPI da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), aprovado em maio de 2004, abordou denúncias de desvios de recursos nas obras do programa de despoluição. E constatou que mais de 70% dos contratos sofreram acréscimos, o que teria causado um prejuízo de quase US$ 300 milhões aos cofres públicos e concluiu que houve crimes de improbidade administrativa, prevaricação, condescendência criminosa, malversação de dinheiro público e desrespeito à Lei das Licitações.

A existência de tantos desvios apontados pela CPI revela a ausência de controle social do programa. Teria havido, o que é comum no serviço público, motivação para as grandes obras, que permitem comissões e consultorias generosas e desinteresse por atividades de manutenção e rotina? As grandes obras foram concluídas. A rede domiciliar não.

Os ambientalistas sempre criticaram o programa por não ser holístico, ser autoritário e não incorporar a dimensão ambiental. Sendo o PDBG, apenas um projeto de saneamento básico, parcial e incompleto, não poderia evidentemente resolver os problemas ambientais da baía, como tentou vender inicialmente.

Grandes questões ambientais da baía passaram ao largo, como assoreamento, poluição por óleo, lixo flutuante, poluição industrial, ecossistemas, diminuição da pesca, balneabilidade das praias, ocupação irregular das margens etc. Praticou-se muita propaganda enganosa. Mesmo que todo o projeto estivesse integralmente realizado, com tudo funcionando a contento, o benefício para a baía seria apenas a redução de cerca de 30% da carga de matéria orgânica.

Ficou claro que a concepção adotada pelo PDBG I tem um vício de origem, o de ser exclusivamente "sanitarista", ou seja, tudo se resolve exclusivamente com intervenções de engenharia sanitária, com grandes obras e grandes recursos. Nossa posição é de que a par das obras de saneamento, que devem ser implementadas, como tarefa rotineira das administrações (estado e municípios), deve ser desenhado um programa eminentemente ambiental, que considere a Baía de Guanabara como um ecossistema suportador de vida e de diversos usos benéficos. Este "Projeto de Recuperação Ambiental da Bacia e Baía da Guanabara" deve ser formulado a partir de uma visão holística e planejada da bacia.

Entre os projetos e propostas já existentes incluem-se: o tombamento da orla da baía, o zoneamento ambiental da bacia, a recuperação dos ecossistemas periféricos, o controle da poluição industrial, do óleo e do lixo flutuante e o controle da erosão na bacia e do assoreamento da baía.

O Globo, 21/02/2005, Opinião, p.7

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