VOLTAR

Nossa asfixia e a morte em série dos botos, símbolo da Amazônia

A Crítica - https://www.acritica.com/opiniao/
Autor: RADLER, Juliana
06 de Out de 2023

Nossa asfixia e a morte em série dos botos, símbolo da Amazônia
[...] até quando vamos viver de emergência em emergência? Sem traçar planos, ter estratégias definidas e prever cenários, vamos viver apagando incêndios, contando os mortos e pedindo aos deuses que tragam a salvação?

Juliana Radler*
06/10/2023 às 22:12.
Atualizado em 27/10/2023 às 22:21

Dias de fumaça, calor extremo e rios secos nos trazem a memória trágica da pandemia de Covid-19, quando Manaus foi a primeira capital do Brasil a entrar em colapso. Por falta de leitos de UTI, pessoas morreram sem conseguir respirar. Agora, o Amazonas vivencia de forma radical e generalizada os efeitos da emergência climática, que já levou 40 dos 62 municípios a declararem estado de emergência, inclusive a capital que concentra 52% da população do estado. A estimativa da Defesa Civil é que 260 mil pessoas já estão sendo diretamente atingidas pela estiagem severa.

Em Tefé, município as margens do rio Solimões, 135 botos (Rosa e Tucuxi) apareceram mortos no lago Tefé entre os dias 24 de setembro e 2 de outubro. A primeira hipótese dos pesquisadores é de que a morte dos botos está associada ao calor extremo. A água do lago chegou a 40 graus, temperatura recorde já registrada. A coleta dos corpos dos botos é uma cena de despedaçar o coração e nos revela tanto sobre nós e sobre o nosso fracasso em lidar com a realidade do colapso ambiental e climático.
Uma eterna emergência

Uma visita do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e mais 6 ministros, incluindo a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, no dia 4 de outubro, encaminhou uma série de medidas, como a antecipação do Bolsa Família, para apoiar o estado e sua população a atravessar o que poderá ser a pior estiagem da história, pela previsão dos climatologistas. Quando a catástrofe está em curso o que nos resta é agir para salvar vidas.

Mas, até quando vamos viver de emergência em emergência? Sem traçar planos, ter estratégias definidas e prever cenários, vamos viver apagando incêndios, contando os mortos e pedindo aos deuses que tragam a salvação? Sem ação de longo prazo e planejamento, veremos as gigantescas desigualdades se expandirem nos levando a um abismo social irremediável por gerações. Por falta de políticas públicas e presença efetiva do Estado, vemos à tomada das florestas e rios amazônicos pelo crime organizado. O mesmo crime que comanda os presídios e muitas favelas das grandes metrópoles brasileiras, agora também quer invadir a Amazônia profunda.

A ciência alerta há anos, mas o "negacionismo" dos tomadores de decisão com lógica empresarial, impede a trajetória na direção de ações efetivas de Estado para conter a destruição ambiental. Era para o Amazonas ser exemplo de sustentabilidade e preservação da maior floresta tropical do mundo, no entanto vem se tornando um dos maiores desmatadores, com o Sul do Estado sendo engolido pela economia da predação e da ilegalidade. Nesse cenário de necropolítica, são as comunidades tradicionais e indígenas que mais sofrem e ficam desprotegidas diante dessas ameaças.

O Amazonas registrou 6.991 focos de queimadas, de acordo com o Programa Queimadas, do Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, somente em setembro passado. Enquanto isso, os prefeitos culpam uns aos outros pela fumaça. Poluição não vê fronteira, assim como o vírus da Covid-19. Quando todo o interior do Amazonas, que não tinha sequer um leito de UTI, começou a enviar seus doentes para a capital, o sistema de saúde colapsou. Da mesma forma agora não adianta dizer que são os municípios vizinhos que mandam fumaça pra Manaus. Todos nós precisamos de ar para respirar, nada mais essencial. Assim como as águas com mercúrio lançado pelo garimpo percorrem os rios e seus afluentes sem limites, contaminando os peixes, principal fonte de proteína na Amazônia.

Lendas amazônicas falam dos botos, mamíferos aquáticos que vivem entre mundos e tem poderes e encantos. Sua morte em série simboliza muito. Temos que interromper esse ciclo de negacionismo e encarar de frente a mudança que precisamos promover de forma integral. Temos todas as condições para fazer isso, só precisamos trabalhar e direcionar as ações para o caminho que mantenha a floresta em pé.

*Jornalista e articuladora de políticas socioambientais do Programa Rio Negro do ISA

https://www.acritica.com/opiniao/nossa-asfixia-e-a-morte-em-serie-dos-b…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.