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Nordeste desperdiça estrutura de irrigação

FSP, Brasil, p. A22
18 de Nov de 2007

Nordeste desperdiça estrutura de irrigação
Equipamentos instalados são suficientes para atender 60 mil hectares, mas metade dessa área está sem plantio nenhum
Neste ano, de seca, Ceará perdeu mais de 50% de sua produção agrícola, e 127 mil pessoas não têm o que comer, segundo o governo

Kamila Fernandes
Da agência Folha, em Limoeiro do Norte (CE)

No Nordeste setentrional, onde as chuvas são esparsas e o clima predominante é o semi-árido, existem instalados, hoje, equipamentos e infra-estrutura pública para irrigação em 60 mil hectares. Mas pouco mais da metade dessa terra, 30.880 hectares, está parada, sem plantio algum, segundo o próprio órgão que a gerencia, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas).
Sem irrigação, pequenos produtores só podem esperar a chuva, que nem sempre é suficiente, para o plantio de subsistência de feijão, milho e mandioca. Neste ano, de seca, a perda da produção foi de mais de 50% no Ceará, onde 152 dos 184 municípios do Estado decretaram situação de emergência pela estiagem. Pelos cálculos do governo, 127 mil pessoas não têm o que comer no Estado pela perda da safra.
As explicações para a ineficiência do uso das áreas já prontas para irrigar são várias. Para o diretor-geral do Dnocs, Elias Fernandes, em alguns casos há falta d'água e em outros há falta de interesse de agricultores ou empresários em investir, dificuldades para conseguir crédito ou mesmo problemas de gestão.
Além disso tudo, segundo agricultores ouvidos pela Folha, há também indícios de especulação imobiliária, principalmente em áreas que serão beneficiadas pelo projeto de transposição do rio São Francisco e que terão seu potencial hídrico triplicado quando a obra estiver pronta.
Ao visitar um desses perímetros do Dnocs, o Jaguaribe-Apodi, em Limoeiro do Norte (200 km de Fortaleza), a reportagem encontrou um grande contraste: largas áreas de caatinga, bem ao lado de canais cheios d'água, usados para irrigar apenas 2.800 hectares cultivados por empresas. A área total do projeto é de 5.400 hectares e há outros 9.800 para serem implementados.
Não é barato instalar uma infra-estrutura de irrigação, de acordo com relatório do Banco Mundial de 2004, intitulado "Impactos e Externalidades Sociais da Irrigação no Semi-Árido Brasileiro".
O custo médio desses empreendimentos é de US$ 10 mil por hectare, segundo o banco, mas há casos em que os custos são bem maiores, como o do Jaguaribe-Apodi, que chegou a custar US$ 15 mil por hectare e é tido como um insucesso por este estudo. Em 30 anos, o país investiu cerca de US$ 2 bilhões (R$ 3,48 bilhões) em obras de irrigação, segundo o banco.
A construção de um perímetro irrigado inclui a instalação de canais para levar a água de um reservatório às terras irrigáveis, máquinas para o seu bombeamento, estações elevatórias, equipamentos para a distribuição da água, como os pivôs (grandes máquinas que fazem a água jorrar do alto), os microaspersores e as mangueiras para gotejamento (que permitem um menor desperdício de água), além de galpões para a estocagem da produção.
Além das áreas do Dnocs, há, no Nordeste meridional, ao longo do rio São Francisco, outros 25 projetos de irrigação instalados pelo governo federal, mas pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
Dos 100 mil hectares instalados, 81.200 hectares estão sendo cultivados. Entre os motivos para não haver cultivo no restante das terras, de 18.800 hectares, segundo o diretor da área de gestão dos empreendimentos de irrigação do órgão, Raimundo Deusdará Filho, estão a troca de culturas agrícolas, questões de mercado e problemas de gestão. "Quando não é feito o uso devido da terra, acionamos o dono juridicamente."

Área irrigada é disputada por MST e empresas

Da agência Folha, em Limoeiro do Norte

Terras do perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi, na divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte, são disputadas por empresas de fruticultura, pequenos agricultores nativos e até pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Dos 5.400 hectares do perímetro já implementados, 2.600 estão sem cultivo algum.
Diante das terras ociosas e dos canais d'água que passam no meio delas, 160 agricultores que já foram irrigantes da área, mas que tiveram de entregar seus lotes para cobrir dívidas, ameaçam até invadi-las para começar a trabalhar.
Água não é problema na região, garantida pelo rio Jaguaribe, que foi perenizado pelo açude Orós. O que impede que as terras estejam sendo totalmente cultivadas é, para os agricultores, a especulação imobiliária, pois a área será beneficiada pela transposição do São Francisco.
"Um hectare de terra valia antes R$ 40. Depois, já foi vendido por R$ 1.400", disse José Maria Filho, da Associação dos Ex-Irrigantes do Projeto Jaguaribe-Apodi. "Essa terra é muito fértil. É só ter água."
Os 160 agricultores estavam entre os beneficiados do perímetro quando o projeto começou a ser implantado, no final dos anos 80. "A gente começou a colher muito, uma safra muito boa, mas não via o retorno", disse Luís Ferreira da Silva, 72, um ex-irrigante. "Foi então que descobrimos que a nossa cooperativa tinha feito uma dívida enorme e não pagou nada. Sem dinheiro para produzir, o jeito foi entregar as terras", disse José Maria.
O que antes eram lotes destinados a pequenos agricultores passou a ser de empresas, que só os utilizam parcialmente. "O perímetro, por si só, está irregular, pois não há controle algum sobre a posse dessa terra", disse o procurador Samuel Arruda. Ele solicitou à Justiça que o Dnocs faça a demarcação da área para estabelecer um novo espaço para os pequenos agricultores.
Só 15 pequenos agricultores da área irrigável não entregaram suas terras, permanecendo com um lote de 7 hectares cada um.

FSP, 18/11/2007, Brasil, p. A22

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