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No Xingu, 200 árvores foram desmatadas por minuto no governo Bolsonaro, diz estudo

FSP, Ambiente, p. B4
28 de Abr de 2023

No Xingu, 200 árvores foram desmatadas por minuto no governo Bolsonaro, diz estudo
Análise de rede de entidades da região aponta perda de vegetação quase do tamanho da Grande São Paulo

João Gabriel
Brasília
27.abr.2023 às 9h41

Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), a bacia do Xingu, casa de 26 povos indígenas, registrou mais de 730 mil hectares de floresta desmatada -uma área quase do tamanho da Grande São Paulo.

Isso equivale a uma média de 200 árvores derrubadas a cada minuto, de acordo com o estudo Xingu Sob Pressão, elaborado pelo ISA (Instituto Socioambiental) com base em imagens de satélite e análise de dados geográficos.

A região concentra cinco dos seis territórios indígenas mais desmatados da Amazônia Legal: os territórios de Apyterewa, Cachoeira Seca, Ituna-Itatá, Trincheira-Bacajá e Kayapó.

A região é alvo de pressão de grandes obras -a rodovia BR-163, a usina de Belo Monte e a possível Ferrogrão (projeto de ferrovia para ligar o Centro-Oeste aos rios da Amazônia)- e da atuação de criminosos ambientais, como grileiros, garimpeiros e madeireiros.

Na Apyterewa, no Pará, a liderança Venatoa Parakanã, 32, diz que as fazendas já avançaram tão profundamente no território que há inclusive gado vivendo em uma das aldeias de seu povo. Segundo ela, é comum indígenas se depararem com rebanhos.

"Os invasores estão praticamente dentro da aldeia Paredão, e já tem família que já está saindo de lá por falta de alimento, caça, pesca. Porque não tem mais onde caçar, só tem fazenda, e peixe não tem como pescar porque a água está poluída. Só restaram quatro, cinco famílias. No início do ano havia por volta de 15", afirma Venatoa, recentemente eleita a primeira mulher presidente da Associação Tatoa, do povo Parakanã.

Ela diz que ainda sofre com a resistência dos homens de sua etnia e conta que em junho viajará para a Alemanha, para participar de um evento das Nações Unidas. Sua intenção é expor a situação do Xingu e buscar recursos para auxiliar a proteção dos povos.

"Quando criança, eu nunca tinha visto fazendeiros, a gente nem ouvia falar. Íamos com nossos pais passar três semanas no mato. Hoje em dia é muito difícil passar esse tempo todo no mato. Os fazendeiros construíram vilas com posto de gasolina, cabarés, tudo. Só falta um banco", diz.

A principal vila é a Renascer, criada em 2016 dentro do território e que conta com ampla estrutura e até um hotel.

Mesmo homologada em 2007, a TI (Terra Indígena) Apyterewa viu um exponencial crescimento da destruição. Em 2022, foram 8.916 hectares de floresta derrubada, mais que o dobro que os 4.228 de 2018. Atualmente, é o território mais desmatado da Amazônia.

Venatoa diz que fazendeiros já ofereceram dinheiro e viagens a caciques da região para que os indígenas deixassem de oferecer resistência aos invasores. Não que não tenham feito ameaças.

A última foi no início do ano. "Estamos com medo, a gente não sabe o dia de amanhã. Quando a gente recebe a ameaça, a gente fica pensando o que pode acontecer", completa.

As cinco terras indígenas de maior desmatamento da bacia do Xingu correspondem a 60% da destruição de floresta da Amazônia. Entre 2018 e 2022, a derrubada de árvores cresceu quase 40%.

Em Ituna-Itatá, pequeno território ao norte do Xingu que ainda não teve sua portaria homologada -atualmente, tem apenas uma portaria de restrição de uso-, o índice cresceu 303% apenas de 2021 para 2022.

O território fica na região de Altamira, região dominada por políticos ligados ao garimpo e à extração ilegal de madeira.

A bacia do Xingu, aliás, é rodeada por rodovias. Segundo o estudo, desde 2018, foram abertos mais de 5.700 km de ramais ilegais saindo das estradas e adentrando os territórios.

Também é na região do Xingu que fica a usina de Belo Monte. Sua construção foi o estopim para a saída de Marina Silva do governo Lula, em 2008. De volta ao ministério do Meio Ambiente, a renovação da licença da hidrelétrica ficará a cargo do atual governo.

O estudo ainda destaca a situação da Terra Indígena Trincheira-Bacajá, que atualmente tem fluxo de invasões contínuas vindas do norte, noroeste e, principalmente, ao sudeste.

Bebere Xikrin, 36, liderança da região e morador da aldeia Kenkro, a mais ao sul do território, afirma que já foram inclusive destruídas pontes usadas pelos criminosos -mas que elas foram, posteriormente, reconstruídas.

"Nosso medo é o pessoal atacar nossa aldeia, porque é a mais próxima, fica a 3 km em linha reta das áreas de invasão. Ano passado já fomos vítimas de ameaças", diz.

Nos quatro anos de governo Bolsonaro, a TI viu 3.880 hectares desmatados ao norte e ao nordeste; ao sul, foram 5.561 hectares. No sudoeste, a invasão começou com uma estrada ilegal construída em 2019 e já soma mais de 1.000 hectares de floresta derrubada.

Como mostrou a Folha, na região de São Félix do Xingu, justamente no sudoeste da TI, uma operação da Polícia Federal teve negado o apoio por parte das Forças Armadas e ficou marcada por tumulto e bloqueio de estradas feito por pessoas que estavam no território; pela ausência de direcionamento às famílias, que ficaram pelas vilas vizinhas; e pela retirada, sem apreensão, de cabeças de gado usadas por grileiros para dominar a região.

A terra indígena é uma das sete nas quais o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso ordenou que sejam feitas operações para a expulsão de invasores.

A PF e a Força Nacional promoveram a retirada de cerca de 200 famílias de posseiros do território e de cerca de 600 cabeças de gado.

"No sudeste da Trincheira-Bacajá, na década de 1980, 1990, havia invasores. Desde então, eles foram retirados e assentados. Agora, eles voltaram, desde 2017, na mesma área que era, daquela mesma época", completa Bebere sobre a piora da situação no território onde vive o seu povo.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

FSP, 28/04/2023, Ambiente, p. B4

https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/04/no-xingu-200-arvores-for…

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