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No Parana, R$ 132 milhoes por 25 mil hectares

O Globo, O Pais, p.17
30 de Nov de 2003

No Paraná, R$ 132 milhões por 25 mil hectares
Reforma agrária começa com investimento que surpreende pelo valor e por incluir área de reflorestamento e preservação
Flávio Freire
O governo decidiu dar a partida em seu programa de reforma agrária comprando, por R$ 132 milhões, uma área de 25 mil hectares da Fazenda Araupel, em Quedas do Iguaçu, Sudoeste do Paraná, onde pretende assentar 1.558 famílias de sem-terra. 0 investimento surpreende não apenas pelo valor, mas também porque a área a ser desapropriada se divide entre terra para agricultura, reflorestamento e preservação de Mata Atlântica.
FH gastou R$ 40 milhões na compra de 26 mil hectares
0 valor que o governo Lula pagará pela área é o triplo do gasto pelo governo Fernando Henrique para adquirir uma propriedade no mesmo local, no município vizinho de Rio Bonito de Iguaçu.
Entre 1995 e 1999, o governo Fernando Henrique desembolsou R$ 40 milhões no processo de desapropriação de 26 mil hectares para assentar 1.404 famílias na região. A negociação para a compra de parte da Fazenda Araupel está em processo acelerado. No Paraná, as autoridades esperam apenas a chegada da documentação, ainda em análise no Incra, em Brasília.
A área negociada já foi invadida por integrantes do MST em julho deste ano - um sem-terra morreu nos conflitos - duas semanas depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar intervenção no Paraná para que uma outra parte da fazenda, também invadida, fosse devolvida à Araupel. A reintegração não ocorreu.
Pressionada pela quarta invasão (dois assentamentos, um acampamento que se estende por cinco anos e o que ocorreu recentemente), a empresa decidiu vender a área de 25 mil hectares. O Incra desembolsará R$ 70 milhões em dinheiro vivo. O restante será pago com Títulos da Dívida Agrária (TDA), incluindo o abatimento de parte da dívida que a Araupel tem com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).
- O valor é devido e a área de floresta, também incluída, continuará intocável - diz o superintendente do Incra no Paraná, Celso Lisboa Lacerda, justificando os R$ 132 milhões que serão gastos na desapropriação.
- 0 governo anterior pagou menos, mas por terras nuas, sem qualquer benfeitoria. Nós estamos comprando uma área com estrada, área de reflorestamento e toda a infra-estrutura - afirmou o superintendente do Incra.
Só pela área de reflorestamento o governo Lula pagará R$ 67.338.928,29, segundo documentos obtidos pelo GLOBO. A presença dos sem-terra na região, segundo a própria direção da Araupel, resultou no desmatamento de 17 mil hectares nos últimos oito anos, incluindo áreas de Mata Atlântica que deveriam ter sido preservadas. Famílias que ocuparam os assentamentos Ireno Alves e Marcos Freire, na gestão Fernando Henrique, admitem o desmatamento, mas culpam o Incra por tê-los colocados em área considerada improdutiva e de preservação ambiental.
- O Incra jogou a gente no meio do mato. Tinha que arrancar a árvore para poder plantar - afirma Claudelei Torrentes, hoje um dos líderes do MST no acampamento da Bacia, cujas 650 famílias devem ser incluídas na área que está sendo desapropriada pelo governo Lula.
ONGs temem novos desmatamentos na região
Organizações não-governamentais estão preocupadas com novos desmatamentos nos assentamentos que serão criados na área.
- As florestas do Paraná estão desaparecendo - afirma a diretora de projetos do SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota.

Uma das principais áreas de reserva
Araupel tem o maior trecho particular de Mata Atlântica da região Sul
A área negociada pelo governo Lula para adquirir parte da Fazenda Araupel é uma das principais reservas ambientais da região Sul do país, de acordo com o Ibama. Com 5.151 hectares de Mata Atlântica, é a maior Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN). Com as sucessivas invasões do MST na fazenda, os sem-terra já desmataram desordenadamente 17 mil hectares da propriedade nos últimos oito anos, incluindo áreas da Mata Atlântica e de reflorestamento.
A vegetação do corredor Iguaçu, como é conhecida, transita entre dois ecossistemas. Nas maiores altitudes, há florestas com araucárias que formam paredões verdes nos quatro municípios que fazem fronteira com a Fazenda Araupel, incluindo Quedas do Iguaçu e Rio Bonito do Iguaçu, as cidades onde os sem-terra montaram acampamentos.
Estado perdeu 60 mil hectares de Mata Atlântica
Nas regiões mais baixas e quentes localiza-se a chamada floresta estacional semidecidual. A reserva reúne espécies típicas destas duas formações, como cedro, peroba, angico, marfim, pinus, eucaliptos e araucária. No que diz respeito à fauna, por lá são comuns veados, catetos, antas, graxains e até felinos, como os pumas.
Muitos desses animais constam das listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção e estão sob proteção. Ainda assim, o Paraná tem registrado sucessivos crimes ambientais. Só nos últimos cinco anos, o estado perdeu 60.146 hectares de Mata Atlântica, 878 hectares de floresta de restinga e 3,5 hectares de mangues. Segundo ONGs ligadas ao meio ambiente, restam agora apenas oito por cento de sua cobertura florestal original.
Coordenadora da Rede Ongs, Miriam Prochnow, já e caminhou ao Ministério < Meio Ambiente ofício pedira para que seja fiscalizada ocupação pelos sem-terra i MST de áreas próximas às regiões nativas. Segundo ela dos 53 mil hectares que pertencem à Araupel, apenas se mil estão ocupados com agricultura. (RE)

O Globo, 30/11/2003, p. 17

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