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No mundo de Tainá

Correio Braziliense - http://www.correiobraziliense.com.br/
Autor: Ricardo Daehn
20 de Jul de 2010

Reportagem do Correio visita, em plena Floresta Amazônica, local de filmagem do terceiro longa que narra as aventuras da indiazinha

Alter do Chão (PA) - Em meio a um clima praiano, numa área de cerrado - com direito a ondas, mas da água doce do Rio Tapajós -, a diretora Rosane Svartman desfaz a ideia de tranquilidade que, à primeira vista, parece abraçar os bastidores de Tainá - A origem, com lançamento indefinido para as férias de janeiro de 2011 ou 2012. "Olho, e vejo uma atriz caindo dentro da lama com sapos, enquanto, lá do céu vem uma boia voando. Quando descrevo meu dia de filmagem, parece que estive no hospício, e ainda com a obrigação de transmitir verdade, a cada ação filmada", comenta.

Completam o quadro estripulias, como as cenas com oito jacarés (caçados a partir da autorização do Ibama); a presença regular de um enfermeiro; a ocasional participação de 100 figurantes indígenas; um dublê-pêndulo, a todo momento, arremessado contra uma árvore e o resguardo de estoque de soros antiofídicos. No corre-corre das filmagens, a cineasta se desculpa, quando, fora de cena, ela troca o nome da personagem Tainá pelo da atriz central, Wiranu Tembé, que tem apenas 5 anos e 1,11m.

A baixa estatura contrasta com o destemido ímpeto da paraense que ultrapassou as 2,2 mil concorrentes a protagonista da produção, que, em 2 anos e meio de processo, examinou crianças saídas de Roraima, Amazonas, Pará e Amapá. "Esta história de eu ficar dizendo: 'Olha a onça, coragem com a onça', foi uma contribuição dela - ela me disse: 'Tem uma onça dentro de mim'. Percebi que essa era uma fantasia da Wiranu. Ela até rosna para o garoto que implica com ela nas filmagens. Criança faz esse tipo de minipsicodrama, a todo momento, do tipo: 'Eu sou a bruxa, ela é a mãe e você é o pai'. Então, é só dar continuidade a isso, que é espontâneo". "Você não vai buscar a que interpreta a Tainá, mas a que é a personagem. Wiranu não tinha a expectativa, não sabia nem quem era a Tainá", completa o diretor de elenco Cláudio Barros.

Ele, que descobriu a primeira Tainá (Eunice Baía, hoje com 20 anos), se embrenhou até 160 quilômetros mata adentro (em sete horas de viagem), depois da descoberta de Wiranu, ainda presa à saia da mãe, "quase arrastada", na disputa dos Jogos dos Povos Indígenas, em Paragominas, há nove meses. Já no set de filmagens, a serelepe Ema Branca (a tradução para Wiranu) conta sua rotina: "Brinco de correr, brinco de brinquedo e nado no rio. Tenho um macaco que não tem nome e estudo com um 'professora-homem'". Com acelerado aprendizado de português, a pequena índia (antes dada ao tupi) já ministra até aula. "Ela tá respeitando as pessoas. Lá em casa, se eu e a mãe falamos tu, ela corrige: é você que a gente fala!", conta o pai Jacinto Tembé, que se dedica à subsistência da família moradora da aldeia Tekohãw.

Transformação
Enquanto mudou a rotina de "correr no mato" e brincar com os irmãos Garça, Brasa de Fogo e Flor de Açaí, Wiranú, aos olhos do pai, está às vias de mais transformações. "Ainda não sei o que vai mudar. Tô é vendo o movimento. O branco é que fala que a nossa vida vai ser transformada. Até aqui, minha filha está muito bem tratada: roupa, sapato e algum dinheiro que ela precise, ela tem", pontua Jacinto. "Nossa relação é daquelas que não acabará nunca mais. A criança te injeta essa responsabilidade", sintetiza o coach infantil Cláudio Barros.

Atenta ao filho (na verdade, o roteiro da fita), Cláudia Levay não desgruda das locações. "Pelo ritmo acelerado, podiam ser perdidas as intenções das personagens, daí, me chamaram para ficar por perto e aconselhar", explica, ao dar estofo para a nova adaptação que projeta o passado da brava guerreirinha, em período anterior, portanto aos dois filmes de 2000 e 2004, que, nas telas, fizeram cerca de 1,5 milhão de espectadores.

Outro que circula no set com ar paternal é o representante de cosméticos Édson Noskoski, que, saído de Cascavel (Paraná), não descuida de Beatriz, a filha de origem miscigenada (polonesa e alemã) que estreia nas telas, aos oito anos. "A Beatriz tá aqui por vontade dela: isso é o que a gente valoriza", explica. "O mais importante no filme é a Tainá: ela é que dá um jeito de salvar a gente (os personagens Laurinha e Gobi) e ainda protege os animais. Gosto de ter mais contato com os bichos. A onça e a preguiça são divertidas. Tudo parece uma brincadeira: é muito engraçado", diz Beatriz Noskoski. No filme, ela interpreta uma amiga urbana da protagonista que, recém-órfã, é salva pelo pajé Tigê (Gracindo Jr.) e será joguete num embate pela liderança em defesa da natureza.

O número
R$ 8 milhões
Valor da produção do filme

Avatar? Que nada

O produtor executivo do filme Tainá - A origem, Rômulo Marinho Jr., destaca os desafios da filmagem na Floresta Nacional do Tapajós. "Juntamos as três coisas mais difíceis para filmar no cinema: água, bichos e crianças. Todos estamos felizes da vida, mas não tem sido fácil para ninguém." A produção está orçada em R$ 8 milhões.

Limitação é palavra dissociada, porém, quando o assunto cerca os cenários do filme, que teve cogitada a aplicação de técnicas do 3D. "Acho, por exemplo, que há uma desvantagem para o Avatar: a Floresta Amazônica que temos à disposição nunca seria feita no computador. Nesse ponto, eles perdem: a nossa exuberância é insuperável", avalia Marinho Jr. "Se parecer que o filme foi feito na Floresta da Tijuca, eu corto os pulsos. Tenho que mostrar que é real", brinca a diretora Rosane Svartman, que completa: "O tempo todo a natureza te surpreende. Um dia desses, veio o presente de um arco-íris que a gente filmou por 15 minutos". A abundância de recursos do cenário natural não encorajou desperdícios. "Tudo o que foi montado na casa do Téo (um cientista interpretado por Nuno Leal Maia), por sinal, prega exemplo de sustentabilidade. Todas as áreas que trabalhamos foram preservadas: a gente só usou madeira seca e caída", explica Rômulo Marinho Jr.

Inseridos nas oito semanas de filmagem, 10 dias no Amapá prometem fazer a diferença, diante da imponência da personagem chamada de Grande Árvore, cortejada por vilões madeireiros que pretendem ficar ricos. A beleza de uma samaúma, com 62 metros de altura, promete encorpar a concepção visual gerenciada pelo diretor de arte José Joaquim Salles. "Queremos que o paisagista Paulo Morelli vista a árvore, como o Valentino vestia a Sophia Loren e o Yves Saint-Laurent cuidava da Catherine Deneuve", explica Salles. Tainá - A origem, que exigiu a construção de cinco ocas no Lago Verde (em Alter do Chão) e de obras feitas em palha trançada e bambus, trará em cena peças autênticas compradas da Funai (em Belém) e do Museu do Índio (Rio de Janeiro). "Eu não inventei nada: só recriei objetos que estão com venda proibida, além de conseguir empréstimos em aldeias. Em vez de se apegar a um grupo, a gente faz uma espécie de assembleia das nações unidas das etnias brasileiras, numa justa homenagem", avalia o diretor de arte.

A postos para atacar a Grande Árvore, o ator Guilherme Berenguer encara no filme "o primeiro personagem maquiavélico da carreira", num contraste com os três anos de apresentador do Globo Ecologia. "É inevitável que o cinema reflita sobre a contemporaneidade, e, hoje, está em pauta a análise dos recursos energéticos mundiais. O Tainá - A origem trará a mensagem de cuidarmos do que temos. A gente tá filmando na Floresta Amazônica, para o mundo todo. Isso será uma marca registrada nossa: é o nosso povo, nossa história, nossa terra e nossa cultura. O filme terá o gosto que o Brasil tem para o mundo", conclui.

O repórter viajou a convite da produção do filme

Rock no meio da floresta

O gosto em comum com outros meninos de 8 anos, seja pela admiração de filmes como A era do gelo e Homem-Aranha, não diferencia o estreante em cinema Igor Ozzy (foto) dos colegas. Nenhum deles, porém, teve a experiência atual de vida do precoce fã do Sepultura e de Ozzy Osbourne, que traz no nome (um misto do baterista Igor Cavalera com o famoso músico inglês) a genética que se desdobra no gosto pessoal. "Quando ainda tinha meses de idade, já ouvia rock. Gosto do Iron Maiden e, no punk, de Garotos Podres", conta, ajeitando os longos cabelos lisos.

De teste em teste, Igor conquistou o papel de Gobi, o pequeno índio que domina o meio virtual. Nascido em Bauru, e morador da Mooca, o comunicativo garoto comunga dos hábitos de Gobi. "Direto, ouço música no laptop e passo muito tempo no Orkut", explica.

No atual cotidiano, o filho de Douglas e Roberta absorve uma rotina muito diversa. "O filme, para as crianças, é uma brincadeira. O que dá mais trabalho é concentrar bem no texto e nas expressões", avalia. A recompensa de Igor Ozzy vem com as interações (dentro e fora de cena) com jiboias, sapos, aranhas e a mimada preguiça-real Tapuia. (RD)

http://www2.correiobraziliense.com.br/cbonline/cultura/cadc_mat_1.htm

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