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NO "FANTÁSTICO", DA REDE GLOBO, ÍNDIOS REVELAM QUE MATARAM E VÃO MATAR MAIS

Rondoniagora-Porto Velho-RO
25 de Abr de 2004

O presidente da associação indígena Sampamaré, Nacoça Pio Cinta-Larga, disse em entrevista ao programa "Fantástico", da Rede Globo, que os índios de sua tribo mataram mesmo os 29 garimpeiros na Reserva Roosevelt. Ele disse que a terra é deles. ""Eu prefiro dizer assim: não deixa teu filho entrar, não deixa teu marido entrar, não deixa mais teu irmão entrar. Sabe que não pode entrar, porque pode acontecer isso. Não é proibido entrar dentro da área? Então é isso: quem tem vida que cuide de sua vida". A seguir, confira os principais trechos da reportagem e ao final, assista ao vídeo.

"A GUERRA DO DIAMANTE"

O avião sobrevoa uma área da reserva Roosevelt, que tem uma das maiores minas de diamantes do mundo. No meio da floresta amazônica, surge a aldeia onde foi marcado o encontro com os caciques cintas-largas.

Quem recebe a repórter Maria Luiza Silveira e o repórter cinematográfico Joás Ferreira é o sertanista Apoena Meireles. Em 1969, ele e o pai foram os primeiros enviados da Funai a entrar em contato com os cintas-largas. Apoena explica que, agora, só os líderes estão na vila.

Logo chegam os homens com o rosto e o corpo desenhados com tinta de jenipapo - é a pintura de guerra. As mulheres, pintadas de urucum, carregam flechas, o que não é comum entre índias. O cacique Carlos Cinta-Larga explica que elas protegem os líderes: "Quando há essa ameaça, elas ficam ao lado do cacique da liderança".

Dia 7 de abril de 2004. Duzentos garimpeiros estavam na Gruta do Sossego, dentro da reserva Roosevelt. "Estávamos subindo, todos os garimpeiros, para almoçar. Alguns já tinham almoçado. Foi aí que escutamos os tiros", conta um garimpeiro que não quis se identificar.

"Os índios já estavam revoltados e queriam pegar só um cara lá dentro. Mas, na hora em que aconteceu isso, outros grupos chegaram e disseram: 'não vamos deixar escapar'", lembra o presidente da associação indígena Sampamaré, Nacoça Pio Cinta-Larga.

"O Baiano Doido era o chefe do pessoal do manual, ele era o cabeça. Ele pediu que os garimpeiros parassem para fazer negociação com os índios. Eram muito garimpeiros, ele não achou que fossem matar todo mundo", diz o garimpeiro Robson Souza.

"Os guerreiros cintas-largas mataram os garimpeiros, porque já estavam cansados de só mandar embora", justifica Nacoça Pio Cinta-Larga.

"Saímos correndo mata acima e nos perdemos. Vi três mortos", conta outro garimpeiro. Pelo menos 29 garimpeiros foram assassinados.

"Eu prefiro dizer assim: não deixa teu filho entrar, não deixa teu marido entrar, não deixa mais teu irmão entrar. Sabe que não pode entrar, porque pode acontecer isso. Eu também não posso segurar todo mundo", alerta Nacoça Pio Cinta-Larga.

Na região dos cintas-largas, a exploração de diamantes em grande escala começou em 1999. "A gente tirava R$ 10 mil por semana", calcula o garimpeiro Robson Souza.

Cerca de cinco mil garimpeiros entraram na reserva. "Às vezes, eu paguei R$ 30 mil para entrar. Outras vezes, paguei R$ 10 mil", afirma um garimpeiro.

Pela Constituição, os recursos minerais são propriedade da União, mas, se estão em reservas, o governo só pode legalizar a exploração depois de consultar os índios e garantir a eles a participação no lucro da venda dos diamantes. Mas, na terra dos cintas-largas, nada foi legalizado.

"Essa falta da presença oficial do Estado os conduziu a se associarem com pessoas desonestas, com pessoas com problemas na polícia", explica o sertanista Apoena Meireles.

Desde o final de 2001, oficialmente, dois índios foram assassinados, quatro caciques foram detidos e, por várias vezes, a Funai retirou garimpeiros. "Até 2002, nós trabalhamos junto com os garimpeiros. Depois os índios aprenderam um pouco a garimpar e não quiseram mais garimpeiro lá dentro. E eu acho que nós temos esse direito", acredita Nacoça Pio Cinta-Larga.

"Os índios nos disseram que nós podíamos entrar e trabalhar manualmente lá, sem entrar na grota em que eles estavam garimpando", queixa-se o garimpeiro Agnelo Arruda.

"Eles consideram que é lícito matar pela defesa e segurança de suas famílias e de suas terras", conta o sertanista Apoena Meireles.

Esta semana, uma comissão de deputados federais foi à cidade de Espigão D'Oeste, em Rondônia, onde está a maioria dos garimpeiros. Os deputados ouviram testemunhas e autoridades do estado.

"Se ficar comprovado que houve massacre, a maneira cruel como foram assassinados esses garimpeiros, os índios precisam ser responsabilizados. Ou pelo menos aqueles que estão dando tutela e que, de maneira irresponsável, não conseguiram conter esses ânimos de ódio entre garimpeiros e índios", defende o deputado federal Roberto Fraga.

"Eles não têm culpa de habitar uma região extremamente rica", acredita Apoena Meireles.

QUEM SÃO?

"Nós também queremos ter alguma coisa da sociedade branca. Nós queremos ter vida boa", diz o presidente da associação indígena Sampamaré, Nacoça Pio Cinta-Larga.
"Eles saíram de uma situação cultural bem atrasada e hoje já estão na era do computador, dos carros importados, com possibilidades de dinheiro muito fácil que a exploração do garimpo traz", explica o indigenista da Funai João Gilberto Nogueira.
Hoje a população de cintas-largas é de 1.300 pessoas, em cinco aldeias da reserva Roosevelt. Eles plantam pupunha e açaí. Têm gado e criam peixes em tanques. São chamados de cintas-largas, porque usavam um cinto feito de casca de árvore.
"São guerreiros, são índios extremamente rápidos na flecha, conhecem muito bem a mata", conta o sertanista Apoena Meireles.
A língua tupi mondé está preservada, mas outros costumes, não. O indigenista João Gilberto Nogueira lembra como eram os índios em meados dos anos 80: "Alguns grupos cinta-larga ainda viviam de forma natural, andavam pelados, sem roupa, da forma tradicional".
Os seringueiros foram os primeiros a explorar a reserva Roosevelt. Depois chegaram os madeireiros e os mineradores. Nos anos 60, eram 5.000 índios e os seringueiros cometeram um dos maiores massacres de indígenas brasileiros. O caso ficou conhecido como Paralelo 11 e teve repercussão internacional.
"Depois disso, passou a haver o conflito entre a sociedade não indígena e o povo cinta-larga", observa o coordenador da União das Nações Indígenas de Rondônia, Almir Suruí.
Na década de 80, doenças e outros conflitos continuaram dizimando a tribo: eles não eram mais do que 500 índios. "O governo não tem condições de fechar aquele garimpo. São muitas entradas", acredita um garimpeiro.
"Não é proibido entrar dentro da área? Então é isso: quem tem vida que cuide de sua vida", ameaça Nacoça Pio Cinta-Larga, porque sabe que caminha sobre cerca de 200 milhões de quilates em diamantes, uma fortuna inimaginável.

A PEDRA DA COBIÇA

É uma fartura de diamantes de alta qualidade e com um formato raro, de oito faces. É por isso que o garimpo na reserva de Roosevelt é tão disputado.
Um quilate de pedra bruta, o equivalente a 200 miligramas, pode custar até US$ 15 mil, cerca de R$ 45 mil. Um quilate de diamante vale o preço de três carros populares.
"Estima-se que 70% sejam de diamante gemológico, portanto, mais caro, e que apenas 30% sejam de diamantes industriais", conta José Madureira, do Instituto de Geociências da USP.
Diamante gemológico é aquele que tem qualidade para virar jóia. Em outras minas do país, as pedras que podem ser transformadas em jóias não chegam a 30%. Os 70% da reserva de Roosevelt são uma raridade.
A mina tem 200 quilômetros de extensão. Especialistas dizem que há pedras para mais de dez anos de garimpo. "O diamante de Rondônia é tido como um diamante de boa qualidade gemológica", confirma José Madureira.
Para que um diamante de Rondônia chegue a uma loja de alto luxo em São Paulo, ele tem de fazer uma viagem longa e tortuosa. "Ele vai ser lapidado em Tel-Aviv, na Antuérpia, vai ser lapidado no exterior. É um valor agregado que o país deixa de receber", explica o especialista.
O Brasil perde dinheiro ao não lapidar a pedra e, com o contrabando, o prejuízo se multiplica em níveis astronômicos.
Segundo o Ministério das Minas E Energia, o Brasil produziu oficialmente, no ano passado, 400 mil quilates de diamantes. Mas as próprias autoridades admitem que outros 600 mil quilates podem ter saído ilegalmente. Isso representa uma fortuna fantástica: R$ 27 bilhões.
Diamante é pedra rara e cobiçada.

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