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No caminho da refinaria, os manguezais

O Globo, Economia, p. 46
19 de Mar de 2006

No caminho da refinaria, os manguezais
Local escolhido para investimento da Petrobras encontra restrições de ambientalistas por ser área de proteção

O dilema entre desenvolvimento e meio ambiente não poderia ser mais evidente em Itaboraí, município que deverá sediar o pólo petroquímico programado para ser implantado no Estado do Rio pela Petrobras, com parceiros privados. Para que o empreendimento transforme o atual quadro de pobreza e carência social da cidade em riqueza, precisará levar em consideração a fragilidade ambiental da área, que compõe a última grande extensão de manguezal preservado do estado e é considerada o pulmão da Baía de Guanabara.
Uma verdadeira batalha se anuncia. O local cogitado para a implantação do complexo, entre Manilha e Itambi, é extensão do manguezal que forma a Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim e a recém-criada Estação Ecológica da Guanabara.
- Se o projeto for confirmado, o Ibama terá que se pronunciar. Dependendo do local exato, como tem poder supletivo e é executor da política nacional do meio ambiente, pode até vetar - informou o chefe da APA de Guapimirim do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Breno Herrera.
Até quem faz oposição política apóia o projeto
O técnico do Ibama ressalta que se o projeto for levado adiante, deverá considerar, principalmente, o impacto da operação industrial sobre os efluentes lançados nos rios da região, que deságuam na Baía de Guanabara.
Na última sexta-feira, Herrera convocou reunião extraordinária do Conselho Gestor formado por representantes - secretários de meio ambiente, associações de moradores, universidades e organizações não-governamentais - dos quatro municípios que compõem a APA: Itaboraí, Magé, Guapimirim e São Gonçalo.
- A manifestação do conselho será considerada no processo de licenciamento, para assegurar a participação comunitária em sua aceitação ou reprovação - acrescentou.
Na cidade, não há oposição ao projeto, só apoios: do presidente da Câmara, Marcelo Lopes (PC do B); do vereador do PFL Alzenir Santana; do presidente do Sindicato da Indústria Cerâmica do Estado do Rio, Edézio Gonzalez Menon; da presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas, Alair Vieira Melo; e até do padre local. Todos destacam vantagens para o desenvolvimento local.
Os catadores de caranguejos Adílson Ribeiro Gonçalves e Barnabé Almeida acreditam não ter chances de emprego no pólo (que terá uma refinaria petroquímica e unidades industriais), mas têm esperanças de oportunidades para os filhos.
- Tenho 35 anos, minha vida inteira no mangue. Não vou conseguir emprego (no pólo).
Fora da cidade, porém, os ambientalistas se preocupam. Rubens Almeida Recio destaca a importância do manguezal para a vida que ainda resta na Baía de Guanabara. O professor da UFRJ Elmo da Silva Amador, integrante do Movimento Baía Viva, diz que a baía está saturada e não suportaria mais uma fonte de degradação.

Saneamento não chega a 40% da população
Cidade vive do caranguejo e da cerâmica

Itaboraí é um município pobre, que vive de atividades pouco rentáveis, como a produção de cerâmica e tijolos e a cata do caranguejo. Com estradas esburacadas e enormes problemas de infra-estrutura, um dos negócios mais rentáveis no local é vender água, a R$80 a R$200 o caminhão-pipa de dez mil litros. A rede de saneamento básico só chega a 60% da população, que conta ainda com 12 poços artesianos da prefeitura.
- Faço três a quatro viagens por dia - contabiliza Charles Barreto Pereira, que transporta água de Alcântara para Itaboraí.
A costureira Gisele Alves de Souza não tem água encanada. Sua casa, no bairro Retiro de São Joaquim, é abastecida por um poço artesiano. Mas, em sua opinião, a vinda de um empreendimento grande é oportunidade para solucionar as questões sociais:
- Falta muita coisa na cidade, principalmente nos bairros mais afastados. Mas acho que isso não pode ser impedimento para a Petrobras, que vai trazer muitos empregos.
Segundo o prefeito da cidade, Cosme José Salles, o complexo petroquímico vai gerar 70 mil a 80 mil empregos durante a obra, em seis anos. Na operação, prevista para começar parcialmente em 2010, seriam criados mais 25 mil empregos diretos e 120 mil indiretos.
Salles garante que o problema da água será solucionado. Ele afirma que se reelegeu basicamente pelo trabalho feito na área de saúde: diz ter diminuído a taxa de mortalidade infantil de 45 por mil nascidos vivos para 15,6 e ter conseguido não registrar mais casos de tuberculose - segundo o prefeito, Itaboraí é a única cidade brasileira a alcançar essa marca. Agora, acrescenta, é a vez da infra-estrutura.
O prefeito garante que não falta água. O problema é a distribuição. Itaboraí está situada ao pé da serra onde deságuam rios que formam bacias, como as dos rios Guapi-Macacu, Guaxindiba-Alcântara e Caceribu.
- Água tem. O problema é que a Cedae não distribui - justifica ele.
Com 215 mil habitantes, a cidade depende da máquina municipal, que emprega 3.100 pessoas. Itaboraí é um município de pequeno porte, que manteve uma participação constante de 0,54% no PIB do estado, nos últimos cinco anos até 2003, informa a coordenadora do Produto Interno Bruto Municipal do IBGE, Sheila Zani.

Prefeito emprega 4 parentes diretos

Disputa está longe de terminar e inclui denúncia de critério político
A briga pelo complexo petroquímico da Petrobras, com investimentos previstos de US$6,5 bilhões até 2011, está longe de terminar. Prefeitos de cidades preteridas como Itaguaí e São Gonçalo dizem não acreditar que o presidente Lula já tenha feito a escolha - o anúncio oficial ainda não ocorreu. Enquanto isso, tentam rever a decisão oficial travando um verdadeiro corpo-a-corpo com líderes do governo e denunciando falta de condições técnicas do concorrente azarão. E usam até argumentos para desqualificar a ação do prefeito Cosme José Salles. Ele emprega pelo menos quatro parentes diretos em sua administração.
A mulher, Fátima, o irmão, Francisco, a prima Nilcéia e o primo Barnabé são os Salles que, além de Cosme, estão na folha de pessoal da prefeitura.
- Eles têm qualificação e produzem. Se não trabalhassem é que seria nepotismo - afirma o prefeito.
- Não acredito que o presidente Lula já tenha batido o martelo - afirmou Carlo Bussato (PFL), o Charlinho, prefeito de Itaguaí, município que vinha liderando, com Campos, as apostas sobre os mais prováveis vencedores da disputa pelo empreendimento.
Charlinho diz que houve ampla discussão sobre os prós e contras da instalação do projeto em Itaguaí e Campos, mas não em relação a Itaboraí. Se a cidade for confirmada, diz ele, o critério só pode ter sido político, devido ao fato de o prefeito ser do PT, mesmo partido do presidente Lula.
A prefeita Aparecida Panisset (PFL), de São Gonçalo, cidade vizinha a Itaboraí, é outra que não se conforma com a escolha de Itaboraí. Ela passou três dias em Brasília, semana passada, atrás dos líderes do PT. Chegou na quinta-feira à noite e, na sexta, já estava batendo à porta da Petrobras:
- São Gonçalo foi o primeiro distrito industrial do país, tem uma área de 12 milhões de metros quadrados para oferecer e população de 1,3 milhão de pessoas, boa parte precisando de emprego. O presidente Lula é sensível à questão social e vai fazer justiça - disse.
Para a prefeita, Itaboraí não reúne as condições e só teria áreas rurais a oferecer.(M.L.)

Corpo a Corpo
Cosme José Salles

'Nepotismo é quando não se trabalha'
O prefeito de Itaboraí, o petista Cosme José Salles, diz que a cidade foi escolhida por sua qualificação técnica e não por critério político. Confirma que emprega parentes, entre eles a mulher. Mas diz que só há nepotismo quando o funcionário não trabalha. Se produz - ele raciocina - não há por que discriminar.
Por que Itaguaí foi escolhida?
Salles: A escolha foi técnica, devido à estrutura de malhas rodoviária e ferroviária, à saída para a Baía de Guanabara, à proximidade da Ilha D'Água (uma base de armazenamento de combustíveis da Petrobras) e à localização estratégica, no centro do estado.
Seu salário está vinculado à receita do município? Com uma receita milionária, o senhor passaria a ser o mais novo milionário entre os prefeitos?
Salles: Era assim no meu primeiro mandato. No segundo, meu salário passou a ser de R$15 mil por mês. Além disso, há um teto constitucional que não pode ser ultrapassado.
Há pessoas da sua família empregadas na prefeitura?
Salles: Parente direto, considerado família, até o primeiro grau, tem a minha esposa, Fátima, secretária de Desenvolvimento Social; a secretária de educação, Nilcéia, minha prima; meu irmão, Francisco, diretor administrativo do hospital municipal; e o Barnabé, diretor da secretaria de agricultura.
Isso não é nepotismo?
Salles: Nepotismo é quando não se produz, não se trabalha. Se o cidadão produz, qual é o problema? Aí você está discriminando. Não é uma discriminação racial, mas social.

O Globo, Economia, 19/03/2006, p. 46

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