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No AM, Lula lança pacote para índios

OESP, Nacional, p. A18
22 de Set de 2007

No AM, Lula lança pacote para índios
Plano prevê demarcação de 127 reservas, entre outros benefícios, mas líderes locais reagem com desconfiança

Roldão Arruda

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou ontem em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a Agenda Social dos Povos Indígenas, com a previsão de demarcação de 127 reservas até 2010 e o reassentamento das 9 mil famílias de trabalhadores rurais que, pelas estimativas oficiais, vivem nessas áreas. A agenda - vertente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) voltada para a questão indígena - também estabelece ações para a melhoria da qualidade de vida dos índios.

As ação variam desde o abastecimento de água potável, que deve chegar a 90% das comunidades indígenas, à busca de soluções para saneamento e construção de estradas. Ao todo, serão investidos R$ 505,7 milhões - R$ 305,7 da Fundação Nacional do Índio (Funai) e R$ 200 milhões, da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

"Hoje é o dia em que o País anuncia ao mundo que água potável e saneamento básico não é coisa só de quem mora na Avenida Paulista ou na Avenida Copacabana - é coisa também para quem mora aqui, nas comunidades do interior e nas comunidades indígenas", disse Lula, no discurso que fez em um ginásio municipal de esportes, perante uma platéia composta principalmente por estudantes do primeiro e segundo graus.

Lula aproveitou para anunciar a intenção de retomar uma obra que só foi lembrada depois que chegou a São Gabriel, em conversas com autoridades locais. Trata-se de uma hidrelétrica que, por reivindicação da Força Aérea Brasileira (FAB), começou a ser construída nas proximidades da cidade durante o governo de José Sarney e foi deixada de lado na gestão de Fernando Henrique Cardoso, por problemas com a construtora. A retomada agrada às Forças Armadas, aos índios e à população de São Gabriel.

'DIA DA REPARAÇÃO'

Pouco antes de ir ao ginásio, Lula havia mantido um encontro a portas fechadas com líderes indígenas, na sede do Círculo Militar do Alto Rio Negro. Participaram os principais representantes das 23 etnias que vivem na cidade e nas reservas de São Gabriel - cujo território, de 109.669 quilômetros quadrados é superior ao de vários Estados, como Alagoas, Sergipe e Santa Catarina. Dos 37 mil habitantes, 25 mil são índios.

Apesar do tom ufanista do presidente, que classificou a data como "dia da reparação do Estado brasileiro com os índios" e referiu-se à agenda como sinal de que o País está "começando a virar uma página da história social", os líderes não demonstraram muito entusiasmo. O presidente da Federação da Organizações Indígenas do Rio Negro, Domingos Barreto Tucano, disse em seu discurso que o governo não tem ouvido muito os índios.

Domingos lembrou que em 2002 os índios do Rio Negro entregaram à equipe do recém-eleito presidente Lula uma carta com as suas principais reivindicações e sugestões: "Agora, cinco anos depois, concluímos que as nossas demandas não foram contempladas. Mais uma vez estamos aqui para apresentá-las e reafirmar que se tratam de ações prioritárias para a melhoria das condições de vida dos nossos povos."

A demarcação das 127 áreas também é vista com cautela.Muitas delas dependem de processos judiciais demorados e, mesmo depois de concluídas, o governo enfrenta dificuldades para desocupar os territórios. Um dos casos emblemáticos é da Reserva Raposa Serra do Sol, que, apesar de ter sido homologada em 2005, continua ocupada por arrozeiros.

Estrada

Um dos pontos mais exaltados da Agenda Social lançada ontem, que foi a assinatura de um protocolo de intenção entre o Ministério dos Transportes e o Comando do Exército para obras de conservação na BR-307, no valor de R$ 10 milhões, também recebeu críticas.

Na opinião de Beto Ricardo, diretor do Instituto Socioambiental, uma das maiores e mais influentes organizações não-governamentais (ONGs) que atuam na questão indígena, não se trata de uma obra prioritária para os índios nem para o Exército. O trecho a ser melhorado tem uma extensão de quase 200 quilômetros e liga São Gabriel a Cucuí, na fronteira com a Venezuela e a Colômbia.

Visita a São Gabriel foi articulada pelo presidente da Funai

A visita do presidente Lula a São Gabriel da Cachoeira, às margens do Rio Negro e a 850 km de Manaus, em linha reta, foi articulada pelo presidente da Funai, Márcio Meira. No cargo há poucos meses, ele vem demonstrando ter mais influência e poder que o antecessor, Mércio Pereira. Uma das suas principais tarefas será elaborar plano para encorpar a Funai.

O encontro foi articulado às pressas. Até quarta-feira, lideranças indígenas sabiam só que Lula iria para São Gabriel. A parte pública da visita teve algumas saias justas. A principal foi a presença do prefeito Juscelino Gonçalves (PSL), que sentou ao lado de Lula e foi chamado de "meu querido". Impopular, Juscelino foi vaiado. Uma faixa dizia: "Fora, Juscelino, prefeito da corrupção, das fraudes e do nepotismo." Os índios, que, teoricamente, eram os principais convidados, sentaram-se na segunda fileira, atrás das autoridades.

OESP, 22/09/2007, Nacional, p. A18

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