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Nem tudo foi descoberto

O Eco - http://www.oeco.com.br
Autor: Carolina Elia
27 de Out de 2004

Quando se chega à costa no sul da Bahia, onde Cabral aportou com sua frota, é irresistível pensar sobre o gostinho que devem ter sentido os marinheiros portugueses ao descobrir algo que seus contemporâneos europeus nunca tinham visto. Passados 500 anos da sua chegada ao local, ainda há coisas desconhecidas por lá. E gente que se dedica a descobri-las. Parte desse mistério está submerso nas águas do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, a 35 milhas náuticas (66 km) da cidade histórica de Caravelas.

O ecossistema de 7 mil anos, formado pelo mais rico e extenso sistema de recifes do Atlântico Sul, abriga corais raros. Recentemente, quatro novas espécies, jamais catalogadas, foram encontradas na área. Serão apresentadas à comunidade científica através de um artigo em novembro, quando finalmente se saberá como foram batizadas. Por enquanto, por conta dos rigores que regem uma descoberta científica, seus pais só podem dizer a que gênero as espécies pertencem.

Uma se encaixa entre os Stephanogorgia e parece ser uma jóia da natureza. Foi avistada pela primeira vez a 15 metros de profundidade no Recife Califórnia, ao sul do Parcel dos Abrolhos. "Normalmente os exemplares dessa espécie são brancos, mas os encontrados nesta área possuem uma cor alaranjada", explica o biólogo Marcelo Medeiros. Os outros talvez não impressionem tanto os leigos, mas parecem ter tudo para atrair a atenção dos cientistas, a começar pelo nome complicado de seus gêneros. Um está entre os Trichogorgia, o outro é um Muriceopsis e o último um Lophogorgia.

Os recifes de corais são vitais para a saúde dos mares. Servem de casa e restaurante para milhares de espécies. Sem eles, o fundo do mar corre o risco de virar um deserto. O fotógrafo Carlos Secchin, autor da maioria das fotos submarinas tiradas em Abrolhos, lembra que o Parque Nacional Marinho foi criado no começo da década de 80 com o objetivo de proteger o recife mais rico da costa brasileira.

Abrolhos não chega aos pés do Caribe em termos de diversidade de corais - cujos recifes abrigam quatro vezes mais espécies - mas em compensação seus corais têm muita história para contar. Alguns, só existem ali. O mais famoso é o Mussimimilia braziliensis, que lembra um cérebro humano. Essa espécie é considerada um fóssil vivo porque já está extinta em regiões como o Mediterrâneo e a Flórida. Outros estão imersos em mistério, caso do Solanderia gracilis, coral raríssimo, visto uma única vez em 1982. Um outro exemplar da espécie só foi reavistado em 2000, em um lugar distante do encontro original. Detalhe importante: corais não andam.

Esse comportamento sedentário deu durante muito tempo aos humanos a impressão de que corais eram plantas. A investigação científica, ao descobrir que tinham boca, músculos, respiravam e se alimentavam de organismos complexos, os transformou em animais. Como os corais jamais se locomovem, eles desenvolveram tentáculos e mucos que contêm substâncias capazes de paralisar e matar as presas. Em Abrolhos, é muito comum uma espécie conhecida como coral-de-fogo. Ela tem um tipo de veneno que provoca uma forte ardência ao toque.

Uma marca registrada dos recifes de Abrolhos é a presença de formações subaquáticas conhecidas como chapeirões. Como descreve a especialista em geologia marinha Zelinda Margarida de Andrade Nery Leão, no livro Os corais do Sul da Bahia (Nova Fronteira, 1996), "os chapeirões são colunas de corais isoladas que crescem sobre o fundo do oceano em forma de cogumelo". Para os antigos pescadores da região essas formações lembravam chapéus, daí o nome.

Essas colunas de corais são conseqüência de algumas características da região. Uma delas é a abundância de corais-pétreos e octocorais, que têm esqueletos calcários. As espécies crescem sobre os esqueletos dos animais mortos e formam rochas de cálcio. Esse processo acaba sendo acelerado pelo hábito dessas espécies de se organizarem em colônias. Tudo isso submerso nas águas quentes da Bahia, que são propícias para o crescimento dos corais.

Alguns chapeirões chegam a ter 25 metros de altura. Do barco, é fácil ver as manchas negras pouco abaixo do espelho d'água. Segundo a professora Zelinda Leão, quando o topo dos chapeirões chega perto da superfície, o crescimento deles passa a ser conduzido pela procura de luz. Por isso o topo costuma ser mais largo que a base.

Muitos tipos de corais dependem da luz do sol porque abrigam algas dentro de seus tecidos. Elas são responsáveis, entre outras coisas, pela produção de carbonato de cálcio e pelas cores dos corais. Em caso de aumento brusco da temperatura ou da salinização da água, os corais eliminam essas algas e acabam ficando brancos. Eles assumem essa cor porque o tecido deles é transparente e a única coisa que se torna visível é a estrutura óssea. O fenômeno é conhecido como branqueamento e muitos cientistas o associam ao efeito estufa.

Já houve casos de branqueamento nos recifes de Abrolhos. Segundo o biólogo Clóvis Barreira e Castro, que liderou expedições à região, o motivo principal foi um aumento atípico de temperatura. O técnico Rodrigo Leão, que trabalha para a ONG Conservação Internacional em Caravelas, disse que é nítido o declínio dos corais da região, mas ainda não se sabe a causa. Duas hipóteses são a sobrepesca e o aumento de sedimentos no fundo do mar provocado pela realização de dragagens no sul da Bahia.

Dentro dos limites do parque é proibido pescar tanto de anzol quanto de arpão, mas nos arredores é comum a presença de barcos pesqueiros. "Este mês nós apreendemos uma embarcação pescando, à noite, dentro dos limites do parque" contou Adriane Nascimento Gomes, chefe-substituta da administração do Parque Marinho de Abrolhos. Os mergulhadores também são advertidos a não usarem luvas nem facas para não causarem danos aos corais. De qualquer forma, existe apenas um fiscal do Ibama para inspecionar todos os barcos que chegam a Abrolhos. E ele conta com um único barco, que é utilizado para fiscalizar todo o litoral da Bahia.

http://www.oeco.com.br/reportagens/868-oeco_10632

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