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18 de Set de 2023
Negócios verdes avançam e governo prepara plano para desenvolvimento da bioeconomia
Novas políticas prometem acelerar negócios com impacto ambiental, que vêm atraindo mais empreendedores e investidores
Por 33o Curso Estadão de Jornalismo
18/09/2023 | 10h31
A prática é tão antiga quanto o próprio Brasil, mas só neste ano o País deverá ter um Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia e uma Estratégia Nacional de Investimentos em Negócios de Impacto. Essas novas políticas prometem acelerar os chamados negócios verdes, que atraem cada vez mais empreendedores e investidores, e vão se somar ao Plano de Transformação Ecológica anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no início de agosto.
"Exportamos produtos da Amazônia desde Cabral", lembra o engenheiro agrônomo Beto Veríssimo, coordenador do projeto Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores para desenvolver a região de forma sustentável. "Essa não é uma agenda nova, mas agora a gente está descobrindo o potencial gigante da bioeconomia." Entre aceleradoras e fundos de private equity, é consenso que esse é um território ainda pouco desbravado para negócios no País. Um mercado considerado atraente, com potencial de chegar a R$ 40 bilhões ao ano só na região amazônica.
De acordo com o diretor de Novas Economias do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Lucas Ramalho, a Estratégia Nacional de Investimentos em Negócios de Impacto vai fomentar o empreendedorismo sustentável atuando em cinco eixos. O programa tem como foco organizar a oferta de capital, aumentar o número de negócios, articular organizações intermediárias, melhorar o ambiente de negócios e articular políticas federais, estaduais e municipais. "Assim que esse documento for assinado pelo presidente, lançaremos a estratégia, instituímos o comitê e iniciamos as ações", afirma Ramalho.
O plano de políticas públicas para a bioeconomia, por sua vez, já está em desenvolvimento. "É algo que tem de acontecer neste ano", disse a secretária nacional de Bioeconomia, Carina Pimenta. À frente da nova secretaria criada em janeiro de 2023 na estrutura do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Carina assumiu o posto em um cenário de investimento crescente em negócios verdes.
Dentre as iniciativas anunciadas por Haddad estão demandas apontadas como essenciais tanto por empreendedores quanto por investidores. Caso da regulamentação do mercado de carbono no País, da emissão de títulos sustentáveis e dos investimentos em inovação tecnológica.
Gostaríamos que o Brasil caminhasse na direção para compor uma bioestratégia nacional própria, que não existe hoje Jukka Kantola, presidente do Fórum Mundial de Bioeconomia
Segundo Kantola, o desenvolvimento da bioeconomia já vem sendo adotado fora do Brasil há cerca de duas décadas por pelo menos 60 nações. A expectativa é de que concentre um terço do valor da economia global, estimado em US$ 100 trilhões atualmente, de acordo com o Fórum Mundial de Bioeconomia. "Gostaríamos que o Brasil também caminhasse nessa direção para compor uma bioestratégia nacional própria, que não existe hoje", diz o presidente da organização.
Os números do levantamento feito pela Pipe.Labo, centro de pesquisas e tendências de negócios de impacto, mostram que os empreendedores vêm escolhendo o caminho da bioeconomia de forma mais assertiva há pelo menos dois anos. Em 2021, 49% dos 1.300 empreendimentos identificados no 3o Mapeamento dos Negócios de Impacto no Brasil já estavam concentrados em tecnologias verdes.
É uma tendência que deve se manter, afirma Mariana Fonseca, fundadora da Pipe. "Há uma evolução dos conceitos e uma oportunidade de mercado que se uniram ao longo dos anos, e que devem se manter. Muita coisa vai continuar saindo nos próximos anos", prevê.
Entraves
Apesar da atratividade, o mapeamento da Pipe.Labo revelou que o suporte necessário para que os negócios avancem não acompanha a necessidade dos empreendedores: 56% não conseguem acessar doações ou investimentos. "Os negócios precisam de apoio nos estágios iniciais, na modelagem, esse é o grande desafio", explica Mariana. "Há um grande volume de dinheiro sendo investido, mas que ainda não chega a eles porque os investidores buscam negócios mais avançados para, assim, diminuir o risco."
A secretária nacional de Bioeconomia, Carina Pimenta, concorda que o acesso ao financiamento é apenas parte de um conjunto de estímulos que precisam ser trabalhados para o avanço dos empreendimentos verdes no País. "Não adianta só colocar financiamento. Muitas vezes, é preciso (haver) aceleradoras, incubadoras e estratégias de apoio ao desenvolvimento daqueles negócios", afirma Carina.
Da perspectiva dos investidores, faltam regras claras. Segundo Ricardo Gravina, cofundador da aceleradora Climate Ventures, ainda há um vácuo de regulamentação que contribui para dificultar investimentos em negócios verdes. "Percebemos que havia um buraco enorme entre o mundo dos ambientalistas e o mundo dos investidores", explica o diretor executivo da aceleradora, que já investiu R$ 250 milhões em climate techs brasileiras.
O ambiente começou a tornar-se mais claro para investidores em maio deste ano, quando foi criado o Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas, responsável por estruturar a emissão de títulos verdes e a definição de critérios sobre o que pode ser compreendido como empreendimento verde. Em outubro, entrará em vigor a nova Resolução 175 da Comissão de Valores Imobiliários (CVM), que contempla, pela primeira vez, especificamente aspectos da divulgação de fundos da categoria ESG, que investem de acordo com parâmetros de impacto social, sustentabilidade e governança. O principal avanço é a equiparação dos créditos de carbono a ativos financeiros, o que viabiliza a aquisição desses créditos pelos fundos de acordo com regras específicas.
Por enquanto, o parâmetro dos investidores para aplicar em empreendimentos verdes é intangível e o retorno varia de acordo com a percepção de risco. "Embora não exista uma legislação, há uma diretriz do mercado do que seja um investimento atraente", explica Bruno Girardi, gerente de Investimento de Impacto da Sitawi, organização sem fins lucrativos que investe em projetos socioambientais. Esse ambiente, porém, explica por que a Amazônia recebe poucos investimentos apesar do grande potencial para desenvolvimento de negócios da bioeconomia.
Empreendedor acaba atuando na capacitação
Quem empreende na bioeconomia sente na pele as dificuldades no dia a dia. Fundadora da Manioca, empresa paraense que industrializou o tucupi, Joanna Martins criou um programa próprio para capacitar e formalizar 42 famílias fornecedoras do seu negócio. "Esse trabalho que fazemos no desenvolvimento de fornecedores não é nossa responsabilidade, era para o governo fazer. Assistência técnica? Quem tem de dar é o governo. Educação? Quem tem de dar é o governo. É o básico que a gente espera da política pública", diz a empreendedora.
A dimensão dos desafios aumenta quando se trata de empreendimentos menores em comunidades tradicionais, como quilombolas, indígenas e ribeirinhos. "São sistemas completamente diferentes e que entram no mercado de uma forma desigual, porque as suas externalidades econômicas não estão sendo consideradas", alerta o coordenador técnico de Cadeias da Valor do Instituto Socioambiental (ISA), Jeferson Straatmann. Em julho deste ano, mais de cem organizações dos nove países amazônicos entregaram uma carta aos chefes de Estado das Partes do Tratado de Cooperação Amazônica. O documento contém 31 recomendações para promover o desenvolvimento da bioeconomia na região.
Carina afirma que o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia terá um olhar mais atento para a sociobioeconomia, com governança específica para a participação de comunidades tradicionais, incluindo também extrativistas e agricultores familiares. "Eles são os guardiões da nossa biodiversidade, são os que manejam melhor, que detêm conhecimento sobre o uso e o acesso ao patrimônio cultural e material que nós temos", justifica a secretária Carina.
É preciso olhar para demais biomas
Apesar da importância mundial da Amazônia, a secretária nacional de bioeconomia reconhece que é preciso olhar para os outros cinco biomas brasileiros. "Estamos construindo uma política nacional de bioeconomia que vai considerar contextos regionais. A bioeconomia da Amazônia não é a mesma do cerrado, que não é a mesma da caatinga, que não é a mesma da região da mata atlântica", afirma.
No cerrado, por exemplo, segundo bioma mais devastado do País, empreendedores que estão investindo em técnicas da agricultura regenerativa já estão colhendo resultados positivos. De acordo com Martha Bambini, pesquisadora da Embrapa Agricultura Digital, o surgimento de startups que promovem práticas mais sustentáveis na agricultura vem crescendo e essa tendência deve continuar.
Rogério Fontes, CEO da startup Flora Pantanal, uma das agrotechs aceleradas pelo programa da Embrapa Digital em parceria com a Venture Hub, diz que faltam políticas públicas que estimulem produtores rurais a adiantar a recuperação de áreas degradadas por meio da comercialização de créditos de carbono.
Cofundador e CEO da Biome4all, que usa tecnologia para orientar o plantio e adoção de técnicas ideais para melhor aproveitamento do solo, o administrador de empresas Leonardo Mendes reforça o diagnóstico de Fontes. "Imagine que o governo estabeleça uma política pública para beneficiar de fato aqueles produtores que adotam práticas sustentáveis. Vai ter crédito mais barato, benefícios tributários, acesso a outros mercados. Vai ter tanto benefício que aquele que não tá nessa onda vai falar "poxa, eu preciso entrar lá", propõe. (Reportagem de Amanda Botelho, Anna França, Camila Pessoa, Ethieny Karen, Gabriella Reis, João Vitor Castro, Júlia Pereira, Katarina Moraes, Laura Abreu e Luísa Carvalho)
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