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Navios de carga levam 'passageiros' indesejaveis que ameacam ecossistemas

OESP, Geral, p.A7
12 de Abr de 2004

Navios de carga levam 'passageiros' indesejáveis que ameaçam ecossistemas São microorganismos que viajam na água de lastro e podem virar problema ao chegar aos portos
EVANILDO DA SILVEIRA
Nada menos que 80% do transporte mundial de mercadorias é feito por navios, que levam, pelos quatro cantos do mundo, os mais diversos produtos.
É quando viajam sem mercadorias, no entanto, que as grandes embarcações transportam sua carga mais perigosa. São microorganismos ou ovos e larvas de peixes, moluscos e outras espécies, que viajam como clandestinos na água de lastro, que enche tanques especiais dos navios para lhes dar sustentação e navegabilidade quando estão descarregados.
Em razão da gravidade do problema, a Organização Marítima Internacional (IMO), uma associação da ONU, realizou, em fevereiro, na sua sede em Roma, uma conferência que reuniu 74 países. "No encontro, foi elaborada uma convenção que criou normas para o gerenciamento da água de lastro em todo o mundo", explica Alexandre de Carvalho Leal Neto, do Ministério do Meio Ambiente, que faz parte da equipe brasileira que trata do problema. "Agora, para virar lei internacional, a convenção precisa ser ratificada por no mínimo 30 países, que representem 35% da frota mercante mundial."
Além de realizar a convenção, a IMO vem desenvolvendo, desde 2000, o Programa Global de Gestão de Água de Lastro (GloBallast). Com recursos de US$ 10,19 milhões - US$ 7,39 milhões do Fundo para o Meio Ambiente Mundial e US$ 2,8 milhões dos países participantes - o programa vem sendo adotado como projeto piloto nos Portos de Sepetiba, no Rio, Ilha Kharg (Irã), Dalian (China), Saldanha (África do Sul), Bombaim (Índia) e Odessa (Ucrânia).
Entre outras ações, está sendo feito um levantamento de todos os seres vivos na região desses portos. "O objetivo é identificar espécies exóticas ou outras que possam ser captadas com a água de lastro e irem criar problemas em outra região onde ela for despejada", explica o biólogo Flávio da Costa Fernandes, encarregado da Divisão de Biologia do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, da Marinha brasileira. "Na verdade, o GloBallast vai muito além disso. A idéia é elaborar um plano de gerenciamento de água de lastro."
Impacto - Essa mobilização internacional se justifica. Muitas vezes, os organismos carregados na água de lastro conseguem sobreviver à longa travessia oceânica e, ao ser despejados no porto de destino do navio, se adaptar ao novo ambiente, proliferar e até eliminar espécies nativas. Calcula-se que todo dia cerca de 7 mil espécies são transportadas de um lugar para outro na água de lastro. Só um ínfima parcela consegue sobreviver no novo ambiente. É o caso do mexilhão dourado, que chegou à bacia do Rio da Prata, na Argentina, em 1991 e hoje já infesta rios e lagos do Sul e do Pantanal no Brasil.
Quando isso acontece, os problemas são grandes. "Organismos transportados na água de lastro causam três tipos de impacto", explica Fernandes. "O primeiro é ecológico, porque as espécies invasoras podem eliminar as locais. O segundo é de saúde pública, já que a água de lastro pode transportar microorganismos que causam doenças, como o vibrião da cólera. Há ainda o impacto econômico, como o causado pelo mexilhão dourado, que está aumentando o custo do abastecimento de água de Porto Alegre, onde está se incrustando nas tubulações."
Para diminuir esses problemas, a convenção da IMO propõe medidas simples, como a troca da água de lastro em alto-mar. O navio a captaria no seu porto de origem e, em alto-mar, jogaria fora essa água, trocando-a pela do local, que, por sua vez, seria despejada no porto de destino. "Isso diminuiria o risco de a embarcação transportar espécies que pudessem causar problemas no país de destino", diz Fernandes. "Além de haver uma densidade menor de espécies em alto-mar, elas têm pouca chance de se adaptar a ambientes costeiros. Assim como os organismos dessas regiões também não se dão bem em alto-mar." Outra proposta é o tratamento e purificação da água de lastro antes de jogá-la fora.

OESP, 12/04/2004, p. A7

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