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Nasce o Redário, articulação inovadora para semear o bem-viver comum

ISA - https://www.socioambiental.org
Autor: ARAGÃO, Tainá
10 de Jul de 2023

Nasce o Redário, articulação inovadora para semear o bem-viver comum

Tainá Aragão

10/07/2023

Redes de sementes de todo o Brasil se uniram para trocar conhecimentos e exaltar a muvuca, técnica de plantio que une saberes tradicionais e biodiversidade

No coração dos biomas brasileiros, existem pessoas que, ancestralmente, mantêm modos de vida que convivem com as florestas, rios e culturas através do uso, do manejo e da preservação dos recursos naturais.

Dentre eles, as sementes.

Do intercâmbio de conhecimentos e experiências entre os povos dos territórios guardiões de sementes, nasceu o Redário, uma articulação entre redes e grupos de coletores, que se transformou em uma alternativa potente para a restauração ecológica no Brasil.

O Redário reúne 22 redes e grupos de coletores de sementes de todo o Brasil e tem como norte fornecer o apoio necessário à produção de sementes nativas, impulsionar mercado e viabilizar as melhores sementes para a recomposição de cada ecossistema.

A união resulta em uma cadeia de restauração em larga escala, pautada pelo comércio justo, ampla base genética e rastreabilidade.

Proporcionar a troca de conhecimentos e experiências entre as redes de coletores é uma valiosa ferramenta do Redário. "Estamos criando essa base da cadeia da restauração com sementes, com alta biodiversidade e alta variedade genética, um valor social construído em relações justas e colaborativas", explica Edu Malta, articulador do Redário.

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Redário é uma junção de várias organizações de todo o Brasil que acreditam e semeiam potencialidades das sementes|Webert da Cruz/Redário/ISA

Nesse sentido, o Redário apoia o desenvolvimento de organizações comunitárias regionais voltadas ao mercado de sementes nativas, a partir de capacitação, apoio técnico, gerencial, logístico, comunicacional, comercial e jurídico. Atualmente, a maioria das redes de sementes vinculadas, são de base comunitária - indígenas, quilombolas, geraizeiros, comunidades tradicionais e pequenos agricultores.

O Redário foi fundado com base na experiência exitosa da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX), que há 15 anos atua na restauração de florestas e cerrados na Bacia do Xingu e já ajudou a recuperar 8 mil hectares de área degradada, e valoriza o conhecimento tradicional das comunidades envolvidas.

Portanto, semeia, além de resultados ambientais e lucros financeiros, as conexões de pertencimentos para o bem-viver comum.

Assista ao filme Fazedores de Floresta e se aproxime das histórias, sementes e pessoas que provaram que a floresta viva é bom pra todo mundo.

"A origem da semente não está em pacotes disponíveis nos supermercados mas é o resultado de encontros verdadeiros e conexões poderosas. É por isso que a Rede de Sementes de Xingu ganhou reconhecimento internacional e prêmios por suas soluções baseadas na natureza", explica Rodrigo Junqueira, secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizações parceiras que fez germinar a iniciativa.

"Essa abordagem considera a natureza humana e a vida como um todo. É isso que está sendo transferido como base para o Redário".

Com cerca de 1.200 pessoas envolvidas diretamente na coleta de sementes, sendo aproximadamente 60% delas mulheres, só em 2021, a iniciativa gerou renda para mais de mil famílias, em 50 comunidades brasileiras. Em 2022, foram comercializadas pelo Redário mais de 16 toneladas de sementes de 170 espécies nativas destinadas a 47 projetos de restauração por meio da muvuca em cerca de 600 hectares.

Conheça a Aldeia Multiétnica:

Semeando futuros ancestrais
Além do Redário, existe a iniciativa irmã "Caminhos da Semente", que tem como objetivo principal a disseminação da semeadura direta e da muvuca para a restauração no Brasil. Entre os pontos cruciais dessa aliança para maximizar a restauração ecológica em larga escala, está a necessidade urgente de se procurar soluções socioambientais mais eficazes para recuperar as águas, as nascentes.

Para a jovem Fabrícia Santarém, vice-presidenta da Rede de Coletores Geraizeiros, em Minas Gerais, a recuperação da água foi o que motivou a sua comunidade a trabalhar com a restauração e coleta de sementes nativas.

"Lá dentro da Unidade de Conservação, a gente acha importante recuperar as nossas próprias áreas e também sempre batendo nessa questão da água, né? Porque a gente começou esse trabalho de coleta, sempre pensando em recuperar as águas da nossa região, que estavam muito comprometidas. Enfrentamos secas grandes, sendo abastecidos por caminhão pipa."

A rede de sementes Geraizeiros atua em cinco municípios do território do Alto Rio Pardo, onde 30 coletores, que vivem em oito comunidades, trabalham com aproximadamente 40 espécies nativas de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica.

"Eu aprendi muito com esses coletores e coletoras, principalmente os mais velhos. Eu aprendi a coletar sementes com eles, aprendi a beneficiar com eles. Então, tem sempre essa troca e essa gratidão também deles", completa.

Semente é autonomia
A semente simboliza encontros verdadeiros e conexões, que reconhecem a soberania e a plenitude da natureza.

Essa compreensão é compartilhada por diversos coletores de sementes, como Lucimar Soares da Mota da Rede de Sementes do Vale do Ribeira, São Paulo, e Alfredo Santana Ferreira da Coopajé Sementes, Sul da Bahia, que destacam a importância da coleta de sementes como parte fundamental de sua cultura e da preservação de suas comunidades.

Eles encontram na muvuca - técnica de semeadura direta - uma maneira de florestar autonomia e renda.

Leia os depoimentos:
Lucimar Soares da Mota

"Sou do Quilombo André Lopes, localizado no município de Eldorado. Para o meu povo, a coleta de sementes é essencial e faz parte da nossa cultura. Por exemplo, para preservar as árvores ao redor da minha casa, eu planto suas sementes, mas não tínhamos a técnica de trabalhar as sementes para venda. Agora, com a Rede de Sementes do Vale, essa atividade complementa minha renda. Há pessoas no meu quilombo que conseguem viver com a renda retirada das sementes."

Alfredo Santana Ferreira

"Nosso trabalho abrange desde a coleta até a preparação de mudas e a restauração de áreas. Buscamos constantemente mais conhecimento nessa área. Para mim, a semente é como se fosse mais das nossas famílias que estão crescendo. Com o Redário, mais sementes estão sendo plantadas e germinadas, mais de nós estão crescendo. E é uma forma de fortalecer nossa comunidade."

II Encontro do Redário: enredando políticas públicas
Em 2023, a expectativa é somar ainda mais os conhecimentos para potencializar o alcance transformador das sementes nativas. Para isso, entre os dias 30 de maio e 4 de junho representantes de redes de coletores, de instituições de pesquisa, órgãos estaduais e federais, do terceiro setor e financiadores estiveram reunidos no II Encontro do Redário, na Aldeia Multiétnica, em Alto Paraíso de Goiás.

Durante o evento, cerca de 160 pessoas de todas as regiões do país e do exterior abordaram temas voltados à governança desse coletivo e compartilharam conhecimentos técnicos. Também, foram discutidos os desafios e soluções estratégicas que norteiam os rumos da comercialização em rede de sementes nativas e restauração no Brasil.

Entre outras oficinas, coletores receberam orientações de comunicação. Are Yudja, comunicador popular da Rede Xingu+, ofereceu oficina de foto e vídeo durante o II Encontro|Ester Cruz/Redário/ISA

Diante da possibilidade da reconstrução de políticas públicas voltadas à restauração, a partir do novo Governo, órgãos e entidades públicas visitaram o encontro. A expectativa é que a tecnologia da muvuca seja ainda mais disseminada e quem sabe vapoiar a meta do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que pretende restaurar 12 milhões de hectares de floresta degradada no Brasil até 2030.

"Meu papel aqui é pensar a criação de uma política pública para abarcar a muvuca. Mas, indiretamente, a gente tem influenciado em editais para que haja coleta de sementes e que o trabalho de restauração seja feito junto com as comunidades locais. Temos influenciado e incidido em políticas públicas que estão sendo estabelecidas para que pensem nisso [na semeadura direta]. Temos trabalhado em conjunto com o Ministério da Agricultura para ajudar a desenvolver, melhorar e considerar isso que a gente está discutindo aqui", explica Alexandre Bonesso Sampaio, do Centro Nacional de Avaliação da Biodiversidade e de Pesquisa e Conservação do Cerrado do ICMbio.

Para Cintia Oliveira Silva, presidenta da Cerrado em Pé, associação parceira vinculada ao Redário, que atualmente conta com a participação de 240 famílias, incluindo kalungas, assentados e coletores urbanos do Cerrado, o encontro proporciona troca de saberes para trazer benefícios financeiros para as famílias, ao mesmo tempo em que mostra a importância do cuidado com os biomas.

"Ao apresentar essa proposta para as comunidades se mostra a importância de não desmatar mas preservar. Sempre falamos: Não é apenas sobre sementes, mas sobre tudo o que rodeia - uma forma de fazer e viver diferente", finaliza.

https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/nasce-o-redario…

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