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"Não queria abandonar as meninas"

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br
Autor: Kátia Brasil
28 de Out de 2013

Trabalhando na África desde o mês de janeiro deste ano, a italiana Giustina Zanato, 64, missionária da Congregação das Irmãs Salesianas, da Igreja Católica, foi a principal responsável pelas denúncias contra a exploração sexual de 12 meninas indígenas de São Gabriel da Cachoeira (a 850 quilômetros de Manaus), no Amazonas.

Irmã Giustina, como é mais conhecida na Amazônia, começou as denúncias em 2008, mas só no ano passado, depois de embates com pessoas do Judiciário e da Polícia Civil do Amazonas, suas cobranças por punição dos suspeitos obtiveram sucesso, inclusive, com repercussão na mídia internacional.

Dez pessoas, sendo duas mulheres, foram presas pela Polícia Federal no mês de maio. Comerciantes, políticos, servidores públicos e até militares do Exército são suspeitos de comprar a virgindade das meninas em troca de bombons, roupas e celulares.

Os suspeitos são acusados pela Justiça Federal dos crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição de vulnerável, rufianismo (tirar proveito da prostituição alheia) e coação no curso do processo.

Depois das denúncias, Giustina Zanato foi ameaçada de morte pelos suspeitos. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República chegou a analisar sua proteção. Mas, a Igreja Católica preferiu enviar a missionaria para Moçambique, na África. A igreja nega que a transferência foi motivada pelas ameaças.

Nascida em Marostica, província de Vicenza, Giustina chegou ao Brasil em outubro de 1984. Em São Gabriel da Cachoeira ela coordenou o programa assistencial "Menina Feliz", que atende vítimas de violência sexual e abandono. De Moçambique, ela concedeu esta entrevista exclusiva ao portal Amazônia Real.

Irmã Giustina foi recebida por missionários da Igreja Católica em Moçambique, na África.

A senhora foi enviada para África por causa das denúncias de abusos de crianças em São Gabriel da Cachoeira?

Giustina Zanato - Me disseram que estavam pensando em me enviar para Moçambique há quase um ano. Precisavam de mim como administradora. Isso não era um desejo meu porque já tinha feito esse trabalho em Manaus. Não esperava esta nova destinação pelo fato de que não é costume trocar de país. Eu estava no Brasil há 29 anos.

O que a senhora sentiu na partida de São Gabriel da Cachoeira?

Giustina - Que talvez precisava de alguém que sacrificasse os seus sentimentos na luta para que se fizesse justiça. E que as denúncias tivessem um fim realmente eficaz. Mas, eu não queria abandonar as meninas. Não queria deixar este campo de direitos, que sinto ser a minha luta de anos. Mas, teve um momento de incertezas. Depois pensei que perto ou longe iria continuar isso, mesmo com maiores dificuldades.

A senhora foi a principal voz nas denúncias contra a exploração sexual de crianças. O que os pais delas lhes diziam?

Giustina - Sei que foi fundamental este meu "abrir a boca" para denunciar. Os pais diziam que esses homens tinham que pagar, mesmo tendo a certeza que talvez nada iria acontecer. Eles são homens de dinheiro, que podiam comprar "todos".

Como são as famílias dessas meninas?

Giustina - Famílias muito pobres, com dificuldades de comprar comida. As meninas não podem ter aquilo que outras meninas desta idade têm. Elas se sentem atraídas por qualquer um que se interessar por elas. São atraídas para um passeio de carro ou um pouco de comida, que em casa não tem.

No mês de maio a Polícia Federal prendeu dez suspeitos pelos crimes. A senhora já estava em Moçambique. O que achou da operação?

Giustina - A Policia Federal foi nota 10! Deu logo muita atenção as nossas denúncias. Foi super atenta a tudo aquilo que íamos informando. Agiram com uma pontualidade que eu não esperava. Agradeço muito por tudo isso.

Mas a senhora vinha denunciando os casos desde o ano de 2008 para as autoridades do Amazonas. O que acontecia?

Giustina - Não senti este apoio por parte do governo do Estado do Amazonas. Mesmo quando isso era denunciado em encontros. Isso para mim foi um verdadeiro desafio. Espero que tenha servido para poder dar uma continuidade em outros municípios do nosso Estado. Os conselheiros tutelares são, muitas vezes, cobrados de muitas atividades, mas pouco são reconhecidos por aquilo que realmente precisam.

Por que a senhora não quis proteção da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República?

Giustina - A Secretaria ofereceu uma solução para quem estava sendo ameaçada de morte. Uma família foi transferida de São Gabriel da Cachoeira. Para mim foi solicitado várias vezes que tivesse cuidado. Me ofereceram proteção, que eu não aceitei. Pedi para as adolescentes. Agradeço muito por tudo isso.

Qual será o futuro dessas meninas em São Gabriel?

Giustina - Aquelas que se afastaram destes homens e entenderam que tiveram muitas dificuldades nos estudos, desejo que possam concretizar algo de melhor na vida. Que possam estudar, não ter filhos muito cedo (mesmo que algumas já engravidaram). Que possam sonhar com um futuro de maior amor. Aquele amor que não é sexo, mas carinho e compromisso com algo melhor da vida.

O que a senhora faz em Moçambique?

Giustina - Faço outras atividades mais burocráticas. Já tentei me integrar com o Ministério da Mulher. Vejo que aqui é com as mulheres que podemos e devemos trabalhar para chegar as crianças e adolescentes. É muito diferente a cultura. É pouco ou quase nada que se tem de Leis que possamos fazer apelo para defender as crianças e adolescentes que vivem aqui. Estarei disposta a fazer aqui algo que possa ajudar a ter uma sociedade melhor.

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