VOLTAR

Não entrei para ser enfeite, diz vice de Marina

O Globo, O País, p. 16
Autor: LEAL, Guilherme
18 de Jul de 2010

'Não entrei para ser enfeite', diz vice de Marina
Guilherme Leal, sócio da Natura, diz que não gosta de se expor, condena 'jogo baixo' na política e fala sobre 2o turno

Entrevista: Guilherme Leal

Com patrimônio declarado de R$ 1,2 bilhão, Guilherme Leal, sócio da empresa de cosméticos Natura, entra em sua primeira campanha eleitoral, como vice na chapa de Marina Silva (PV), e crê que sua vida está sendo revirada. Atribui a denúncia anônima de desmatamento ilegal em sua fazenda na Bahia ao "jogo baixo" da política. O Ibama anunciou sexta-feira que não achou irregularidades na propriedade. Na entrevista, no escritório da empresa que possui para administrar investimentos particulares, em São Paulo, ele se referiu a si próprio na terceira pessoa e bateu na mesa, de forma suave, ao responder a questões como o seu papel de financiador da campanha e a posição de Marina sobre o aborto.

Sérgio Roxo

O Globo: O senhor hesitou a aceitar ser vice. Falava que tinha medo da exposição. Já está sentindo a exposição?

Guilherme Leal: É, como os fatos demonstram, precisa estar preparado.

O episódio da denúncia de desmatamento ilegal na sua fazenda tem a ver com isso?

Leal: Sem dúvida. Sempre busquei ter a minha intimidade preservada. O primeiro momento que comecei a aparecer de um modo que me incomodou foi quando (a revista) "Forbes" mencionou valores patrimoniais

Por que incomodava?

Leal Porque expõe. Nunca tive vocação para celebridade.

É constrangedor ter um patrimônio grande em um país com tantos pobres?

Leal: Não é constrangedor, foi construído produzindo e distribuindo riquezas. Não sou contra o capitalismo saudável. Agora, um exibicionismo de riqueza, sou contra.

E a questão da fazenda?

Leal: Faz parte de um processo de uso político. Faz parte de um desejo de prejudicar.

Houve exploração política?

Leal: Por isso, me preparei

Como foi isso?

Leal: Precisava me preparar emocionalmente por saber que essas coisas poderiam acontecer no jogo político.

A que o senhor atribui?

Leal: É um jogo político que a gente gostaria de ver transformado. Nós propomos uma política que discuta ideias, que não precisa fazer um jogo baixo de acusar as pessoas. Para ser específico com o caso da fazenda na Bahia, houve uma denúncia de uma pessoa X, que passa lá com helicóptero e tira fotografias de um ângulo específico e faz uma denúncia (de desmatamento irregular).

O senhor acha que sua vida está sendo revirada?

Leal: Provavelmente, sim. Mas como não tenho nada a esconder, estou sereno. O Ibama recebeu a denúncia, é papel apurar. Pediu documentos e não passou disso. É justo que eu seja considerado um criminoso ambiental? Não.

A Marina cita o senhor quando fala da questão tributária.
Como empresário sente os efeitos dos impostos?

Leal: Temos critica séria à carga tributária, começando pela regressividade. Uma pessoa que ganha até dois salários mínimos tem 48% de carga tributária e a pessoa que ganha mais de 30 salários mínimos cai para 26%. Uma injustiça tributária absurda.

E como mudar isso?

LEAL: Existe uma série de medidas para torná-la mais simples, menos injusta e mais eficiente, além da reforma. E uma grande reforma dificilmente poderá ser feita sem que haja um instrumento extraordinário como uma constituinte. Agora isso exige uma pressão social muito grande também

O senhor tem um protagonismo maior do que os outros vices?

Leal: Eu não sei dizer, elogio em boca própria é vitupério (insulto). Eu digo que eu estou tentando emprestar a melhor das minhas contribuições para o projeto. Eu não sou um vice passivo. Sou uma pessoa que pensa o país. Não entrei para ser um enfeite.

Há um mês, o senhor tinha doado R$ 1 milhão para campanha.
Já está em quanto?

Leal: (Risadas) Não nego que eu tenho vários papéis. Isso passa por uma ponte com empresários, passa por tentar angariar recursos para a campanha, isso passa sim, ninguém desconhece a minha próspera condição econômica, por colocar recursos próprios dentro da campanha. Os meus limites são mais éticos do que de outra natureza.

O que são limites éticos?

Leal: Digo porque existem práticas na política tradicional brasileira de abuso de poder econômico para a conquista de posições políticas.

Mas qual é o teto para as suas doações?

Leal: Queríamos que a campanha fosse financiada pelo maior número de doadores. Infelizmente, não conseguimos ainda viabilizar a contribuição via rede. Não nego que farei uma contribuição relevante

As questões do aborto e do casamento gay são o calcanhar de aquiles de Marina?

Leal: Quando a gente vê as pesquisas dos eleitores, eles são absolutamente inertes.
Marina é muito clara, ela separa completamente as questões de estado das convicções pessoais. Defende o estado laico.

É a favor do aborto?

Leal: Eu não sou a favor. Quem é que pode ser a favor?

A favor de discriminalizar?

Leal: Acho que o aborto hoje está equacionado. Tem situações em que ele é permitido. Se houver um movimento forte na sociedade brasileira no sentido de ampliar os casos em que o aborto deve ser permitido, eu acho que esse movimento deve ser acolhido de alguma forma. Acho que hoje não é um grande tema. Esse é um tema para um presidente porque a mídia quer colocar.

E o casamento gay?

Leal: Os direitos dos homossexuais têm que ser absolutamente garantidos, sem sombra de dúvida.

Já ouviu pessoas dizerem que não votarão na Marina por causa de conservadorismo nessa área?

Leal: Não ouvi. Sei que isso, na internet, acontece. Talvez existam interesses em se estimular esse tipo de coisa para criar um certo incômodo.

O senhor tem religião?

Leal: Não sou uma pessoa religiosa. Acredito em Deus, tenho a minha religiosidade, mas não professo uma religião de uma maneira mais intensa.

O Globo, 18/07/2010, O País, p. 16

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.