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Nanico e militarizado, reestruturação do ICMBio entra em vigor

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Autor: Daniele Bragança e Duda Menegassi
12 de Mai de 2020

Entrou em vigor nesta terça-feira (12) a reestruturação do Instituto Chico Mendes (ICMBio), autarquia que cuida das unidades de conservação e centros de pesquisas. Além do fim das onze coordenações regionais - agora haverá apenas uma gerência para cada região do país -, o Instituto pretende oficializar a criação de dezenas de núcleos de gestão integradas, que unirão as equipes de diferentes unidades de conservação vizinhas - e outras nem tanto - em uma mesma equipe, e com o mesmo chefe.

A centralização da gestão em núcleos, imitando o formato do mosaico de Unidades de Conservação, é justificada pela fragilidade orçamentária e de pessoal do Instituto. O que especialistas e servidores públicos da área ambiental ouvidos por ((o))eco reclamam é da rapidez com que essa reestruturação está sendo feita e da falta de transparência, além da crescente nomeação de militares para cargos de chefia dentro do ICMBio.

A Portaria publicada na manhã desta terça-feira (12) exonerou 38 servidores do comando ou que eram substitutos de chefia em unidades de conservação. Essas exonerações coincidem com informações de documento obtido por ((o))eco com a proposta de criação de 35 novos núcleos de gestão integradas. A atual administração do ICMBio também propõe o fechamento de 22 bases avançadas de unidades de conservação.

Os documentos apostam que a medida garantiria 5 ou mais servidores em boa parte das reservas terrestres e que seria possível ampliar em 40%, de 35 milhões de hectares para 50 milhões de hectares, a área beneficiada com recursos do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA).

Um desses novos núcleos será o de Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, que unirá a gestão do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, das Áreas de Proteção Ambiental (APA) de Petrópolis e de Guapi-Mirim, da Estação Ecológica da Guanabara e da Reserva Biológica do Tinguá, em uma única equipe. Pelo desenho proposto, a sede administrativa será em Teresópolis. Ainda não se sabe se as atuais sedes dessas unidades continuarão funcionando como subsedes desse núcleo. Segundo servidores ouvidos por nossa reportagem, os atuais gestores dessas unidades não foram ouvidos.

Um dos servidores, que pediu para não ser identificado, explicou que as equipes das unidades de conservação estão sendo informadas apenas pelas publicações no Diário Oficial da União ou no Sistema Eletrônico de Informação (SEI) e que ninguém sabe ainda como vai funcionar esse modelo de NGI em Teresópolis.

"Toda informação que a gente tem agora é a do Diário Oficial, não tivemos nenhuma informação vinda da Coordenação Regional ou da Gerência ou de Brasília. No caso das UCs da NGI de Teresópolis, temos unidades de conservação como a APA de Petrópolis e a APA de Guapi-Mirim, já estruturadas e com suas sedes, e que prestam diversos serviços para população desses locais, e não sabemos se esses atendimentos vão continuar, se todas as equipes irão pro Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Teresópolis. Nós já atuávamos na forma de Mosaico, então não teria problema trabalhar no formato de NGI, porém mantendo as bases próximas às comunidades de onde as UCs pertencem. Mas a gente não sabe se é isso que vai acontecer", explicou o servidor.

Anunciada em fevereiro, a mudança no ICMBio ocorreu a portas fechadas, sem participação de chefes de unidades de conservação, cargos que desaparecerão em algumas unidades.

A proposta de ampliar os núcleos de gestão integrada indica que talvez o ICMBio perca mais do que 22 vagas de chefias em unidades de conservação, medida anunciada em fevereiro. Antes, havia 204 cargos de chefia em unidades de conservação. Esse número caiu para 182 em fevereiro. Além disso, o governo manteve apenas 46 vagas para serem ocupadas exclusivamente por servidores públicos. Antes da reestruturação, 104 vagas eram destinadas para funcionários de carreira. As restantes poderão ser ocupadas por qualquer pessoa nomeada pelo governo.

"O que está sendo feito agora é a agregação de unidades de conservação muitos distantes, e a retirada de responsabilidades das equipes que estão alocadas próximas das unidades de conservação, algumas inclusive na incerteza se vão ficar por lá, ou se vão ser removidas para outro local. Então, tem sido gerado uma instabilidade, mas mais do que isso, um distanciamento, ou seja, está se privilegiando o fortalecimento, a ampliação, o inchaço de alguns escritórios de coordenação intermediária, em detrimento das equipes que atuam diretamente nas unidades de conservação", analisa Claudio Maretti, que presidiu o ICMBio entre 2015 e 2016.

Na análise de Maretti, a reestruturação do ICMBio parece ter sido pensada de forma a manter os analistas ambientais presos em processos burocráticos, longe da linha de frente do trabalho nas unidades. "A única conclusão que a gente vê com tudo isso é o progressivo enfraquecimento da atuação da instituição responsável pelas unidades de conservação, repito, de importância vital para a saúde, para o lazer e para a economia do país, compreendendo cerca de 15% dos territórios terrestre e marinho combinados, e uma perspectiva de trabalhos mais burocráticos evitando justamente a presença das equipes no campo, que são relacionadas a combate às irregularidades, o atendimento aos visitantes, o apoio às populações tradicionais e orientação daqueles que atuam de forma legal", diz.

Trabalho em dobro

Um dos Núcleos de Gestão Integrada propostos, conforme detalha o relatório técnico do ICMBio ao qual ((o))eco teve acesso, seria a NGI de Manaus, formada por 4 UCs: os parques nacionais de Anavilhanas e do Jaú, e as reservas extrativistas do Rio Unini e do Baixo Rio Branco-Jauaperi. Juntas, essas unidades somam um território de mais de 4 milhões de hectares. Já as equipes das 4 UCs, somam 9 servidores, 8 analistas ambientais e 1 técnico, que, especula-se, se tornarão 10 com a vinda de um novo nome para comandar o Núcleo.

De acordo com um servidor do ICMBio da região, que também preferiu não ser identificado, as unidades de conservação foram informadas há cerca de 2 semanas sobre a formação da NGI, a princípio com sede em Manaus, mas foi feito o pedido para que esta fosse movida para o município de Novo Airão, a 195 km da capital, onde já ficam as bases de Anavilhanas, Jaú e Unini. A criação do NGI ainda não oficializada no Diário Oficial.

"Como é que a gente se reestrutura estando em confinamento? Isso devia ser trabalhado com a devida calma e planejamento. É um absurdo por ser no meio da pandemia e um absurdo por não ser um processo de construção com as pessoas que estão na ponta efetivamente. O processo de criação da portaria da NGI Novo Airão, por exemplo, está secreto, a gente não consegue ver", questiona.

O servidor explica ainda que a inclusão da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi, criada em junho de 2018, torna a missão da NGI ainda mais complicada. "A Jauaperi destoa das outras UCs porque ela ainda está se estruturando, então não tem nada, nem Conselho Gestor, nem equipe". A única coisa que ela tem sobrando é: trabalho. A única servidora da reserva extrativista era a então gestora Adriana Mota de Souza, exonerada hoje pela Portaria do ICMBio.

"Com essa configuração, a gente vai ter uma nova unidade de conservação na nossa conta sem estrutura nenhuma, sem gente. É mais trabalho para menos pessoas. Já é difícil tocar as 3 que são unidades já consolidadas e que têm uma série de demandas, e entra mais uma UC, super problemática e com muita demanda, e sem gente", resume.

Prazer, gerência regional

Cada região do país conta a partir de agora com uma gerência regional, que concentrará os processos administrativos de multa, licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem unidades de conservação federais. Todas as demandas das unidades serão encaminhadas à gerência regional da região onde está inserida, que depois reportará à Diretoria de Planejamento, Administração e Logística (Diplan), que fica em Brasília.

As gerências regionais serão apoiadas pela Divisão de Apoio à Gestão Regional. Dos 4 gerentes regionais já nomeados, apenas o do Norte, Fábio Menezes de Carvalho, é funcionário de carreira do ICMBio. Os outros 3 nomeados são militares de forças auxiliares, vindos do alto oficialato do Corpo de Bombeiros e da Política Militar.

O único gerente regional não nomeado foi o da região Sul. A princípio, o major Marledo Egídio Costa, que ocupava a Coordenação Regional do ICMBio em Florianópolis, iria assumir a vaga, mas ele foi exonerado no começo de maio. Segundo fontes ouvidas por ((o))eco, Costa foi demitido por criticar a forma como a reestruturação estava sendo conduzida. ((o))eco encaminhou na tarde desta terça-feira (12) uma série de perguntas para a sede do ICMBio em Brasília, e solicitou entrevista com o presidente do órgão, coronel PM Homero de Giorge Cerqueira, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta

"É preocupante a perda de quadros técnicos dentro do principal órgão de gestão das UCs do país, afetando tanto cargos estratégicos quanto os de ponta, na chefia das áreas. Temos imensa responsabilidade perante o mundo e as futuras gerações que não pode ser subjugada ao interesse momentâneo. O que nota-se ao observar as recentes alterações, exonerações e nomeações é uma ação orquestrada, que resulta no enfraquecimento do ICMBio e na proteção ambiental: primeiro são diminuídas as CRs e transformadas em 5 GRs, em seguida certos cargos que antes eram apenas técnicos passam a ser ocupados por quem não é da área, em seguida acaba-se com a chefia de dezenas de UCs, criando inúmeras NGIs, com menor número de técnicos e que podem ser geridos por quem muitas vezes nunca pisou em uma UC", critica Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Pro UC.

Um servidor, que não quis se identificar, disse que a reestruturação do ICMBio mostra a competência do governo em travar os serviços públicos quando querem. "Foi feita com muita competência, a ideia era destruir o órgão e travar tudo", disse.

Criado em 2007, o Instituto Chico Mendes é responsável por proteger 78.763.278 hectares do território continental, cerca de 9% do território terrestre e 92.660.914 hectares do território marinho, cerca de 24% desse território.

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