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Na estrada com os índios, de Marabá ao Cateté

VALOR ECONÔMICO
06 de Jun de 2007

São pouco mais de 8h da manhã de uma quinta-feira e Francisco Ramos, o gerente kuben (branco) da Associação Indígena Kákárekré, dá as últimas instruções a Vicente, o motorista xikrin que nos levará de Marabá até a aldeia, na Terra Indígena Xikrin do Cateté. Entrega a requisição para abastecer o carro e sugere a compra de uma lona para cobrir a caçamba da caminhonete Mitsubishi vermelha L200 GLS, placa NGR 7200.

Um motoqueiro entrega uma encomenda de última hora: pacotes e pacotes de fraldas descartáveis. Sim, boa parte dos indiozinhos xikrin usa hoje fraldas descartáveis, muitas delas encontradas no chão das duas aldeias, a Cateté e a Djudjêkô. Na caçamba, já estavam acomodadas duas bicicletas, TV Samsung de 29 polegadas, colchão infantil, uma caixa de som grande e minha mala. Ao volante, Vicente. Ao seu lado, o cacique Karangré, da aldeia Djudjêkô. Atrás, a mulher de Karangré com o neto no colo, o índio Bepkré e, entre os dois, eu. Após abastecer, a primeira parada (das muitas daquele dia) é no atacadista Correntão, à saída de Marabá. Compro pilhas e Vicente ajeita a lona. A mulher do
cacique, que fala poucas palavras em português, me pede para comprar amendoins e brinquedos para o neto. Esse tipo de pedido se repetiria várias vezes: para chiclete, bolos e salgadinhos.

A viagem para a aldeia começa na PA-150, de Marabá a Xinguara. Embora ainda seja Amazônia legal, a região não guarda nada do que se entende por Amazônia. Esqueça matas e grandes árvores. À saída de Marabá estão as
siderúrgicas de ferro-gusa, atividade que contribuiu para o desmatamento da região. Em seguida, as fazendas de gado. Karangré conta como era aquela área antes do avanço dos kuben. Sua mulher fala algo, aponta para o lado e dispara em português: sem-terra. Era o primeiro dos três assentamentos do trajeto. Ligeiro alvoroço, ar de excitação e a caminhonete pára. Karangré desce e negocia com uma sem-terra que vende produtos na beira da estrada. Volta satisfeito.

Comprara quatro jabutis vivos. A fêmea, maior, custou R$ 20. Os menores, R$ 10 cada. A carne do kapran é muito apreciada pelos xikrin. O almoço é em um restaurante em um posto de gasolina. O cacique se serve de arroz, feijão, frango e muita farinha de mandioca. O neto, de dois anos, pede coxinha. Pago a conta de todos. No carro, as conversas
são na língua dos índios. Mas eles me deixam à vontade para puxar conversa. Karangré, atencioso, explica tudo. Em Eldorado dos Carajás, ele me chama a atenção para grandes troncos queimados. Foram colocados ali em homenagem aos 19 semterra que morreram em 1996 em conflito com a polícia.No som do carro, música sertaneja. Depois, forró do Risca Faca, sucesso entre os xikrin com músicas politicamente incorretas ("Quer beber? Quer beber? De bar em bar, de mesa em mesa, bebendo cachaça, tomando cerveja"). Em Xinguara, Karangré pára e compra CDs piratas, como todo o comércio de CDs por ali. Não é fácil uma viagem tão longa sem música. A partir de Xinguara, a caminhonete segue para
Água Azul do Norte pela PA-279. A cidade é a última parada antes da reserva. No Comercial Pereira, cada um compra seus mantimentos, inclusive carne, já que agora faltam apenas três horas para a aldeia.

No caixa, um aviso da outra associação indígena, a Bep Noi, alerta que as compras só podem ser feitas com requisição. O dono do estabelecimento, Hortêncio, tem a receber cerca de R$ 240 mil da Bep Noi. A Kákárekré está em dia. A essa altura, a caçamba e meu colo estão abarrotados. Com esforço, consegue-se encaixar um botijão de gás, amparado por uma corda. A partir de Água Azul do Norte, o asfalto, que já era ruim, some e dá espaço a caminhões levantando
poeira. Um bom trecho da estrada ainda não está pavimentado. A mulher de Karangré não se incomoda com os buracos e amamenta o neto, comum entre os xikrin. Uma conversão e, logo mais à frente, a porteira que dá acesso à terra indígena pelo lado do posto PKV. A diferença na paisagem é gritante. Os pastos dão vez à mata nativa. Karangré
conta histórias de fazendeiros invasores. O ar mais fechado do cacique se transforma. Mostra árvores, diz nomes de rios, seus afluentes e caminhos, faz questão de parar na Fazenda Tep Kré, onde os xikrin do Djudjêkô criam 570 cabeças de gado. Para montá-la, a associação aproveitou uma área que fora invadida. Os investimentos foram de R$ 182 mil.

A estrada é estreita, está em condições ruins e tem precárias pontes de madeira. Paramos para ver uma jibóia. Mais à frente, casas de pau-a-pique. É o início da terceira aldeia, a Ô-Ô-Djã, liderada por Bep Karôti e Bep Tum, que deixaram a aldeia do Cateté em parte por conta dos problemas financeiros. Karangré aponta as roças comunitárias
e diz que, com o crescimento da população e a impossibilidade de migrar para novas áreas, as roças e a caça estão cada vez mais distantes. Por isso a necessidade de caminhão e carro para transporte
dentro da aldeia. Às 19h dez horas após a partida chegamos a Djudjêkô. Vicente, o motorista, faz o trajeto Marabá-aldeia pelo menos duas vezes por semana, ida e volta. Dirige do início ao fim da viagem. Na volta, no domingo, teve trabalho extra. Um caminhão ficou preso em uma ponte e foi preciso sair da aldeia pelo posto Bekaware, em direção a Ourilândia do Norte. A estrada estava ainda pior e foi necessário usar a tração nas quatro rodas. À saída da reserva, as grandes obras de Onça Puma chamam a atenção. A volta levou 11 horas. O mesmo CD do Risca Faca tocou por quase cinco horas. (RB)

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