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Na China, boa surpresa com o uso de algodão transgênico

OESP, Vida, p. A22
Autor: REINACH, Fernando
02 de Out de 2008

Na China, boa surpresa com o uso de algodão transgênico

Fernando Reinach*

É natural que a introdução de novas tecnologias cause receio na maioria das pessoas. O uso doméstico de energia elétrica foi inicialmente rejeitado por medo das possíveis mortes causadas pelos choques. E quem não se lembra do medo de ser cozido por dentro caso os novos fornos de microondas deixassem escapar as microondas? Ainda existem pessoas que acreditam que o uso de celulares junto ao crânio causa o aparecimento de tumores cerebrais. Na maioria dos casos, esses medos não se concretizam. Algumas vezes, os efeitos são piores que o imaginado (é o caso das malformações causadas pela talidomida). E muito raramente uma nova tecnologia traz benefícios maiores do que o esperado. Esse parece ser o caso da introdução do algodão transgênico na China.

A Helicoverpa armigera é uma espécie de mariposa que causa grandes estragos na agricultura. Ela não existe no Brasil, mas na China, a cada ano, quatro gerações desses insetos infestam as plantações. No início do ano, as larvas atacam as plantações de trigo. Meses depois, as novas gerações se espalham atacando o algodão, a soja, o milho e, finalmente, as hortas. Sua capacidade de devorar diferentes plantas, combinada ao fato de se espalhar rapidamente, faz dela uma ameaça constante à agricultura chinesa. Não é para menos que o combate a essa mariposa seja uma das principais causas do uso extensivo de inseticidas.

O INESPERADO

Em 1997, os chineses aprovaram o plantio de sementes de algodão transgênicas contendo o gene Bt. Esse gene é oriundo do Bacillus thuringiensis, um bacilo que costuma ser usado pelos agricultores orgânicos como inseticida natural, capaz de matar insetos sem afetar os seres humanos. Os cientistas retiraram do bacilo o gene da toxina e o colocaram no algodão. Ao contrário da maioria dos inseticidas químicos, que ao serem espalhados nas plantações matam diversas espécies de insetos, as plantas contendo essa toxina matam somente os insetos que mordem suas folhas, poupando os que vivem nas plantações sem atacar o algodão. A tecnologia funciona. A infestação de insetos nas plantações de algodão cai drasticamente, o que permite a redução do uso de inseticidas.

A descoberta inesperada veio quando cientistas chineses contaram, ano após ano, o número de larvas e de mariposas nas plantações não transgênicas de milho, soja e hortaliças.

Descobriram que, à medida que o algodão de uma região era substituído pela variedade contendo o gene Bt, a infestação de mariposas nas outras culturas caía rapidamente. Na maioria das regiões, a queda chegou a 90% ao longo de dez anos. Esse resultado sugere que a presença de campos de algodão Bt interrompe parcialmente o ciclo de reprodução da mariposa e, desse modo, protege indiretamente as culturas em que a toxina não está presente.

Essa descoberta demonstra que a introdução do algodão Bt permitiu não somente uma diminuição no uso de agrotóxicos nas plantações de algodão, mas também uma redução do seu uso em outras culturas plantadas na mesma região. A relação é curiosa: a alface não transgênica colocada na mesa dos chineses contém uma quantidade menor de agrotóxicos porque a roupa que eles usam é feita com algodão Bt.

*Biólogo - fernando@reinach.com

*Mais informações em: Suppression of Cotton Bollworm in Multiple Crops in China in Areas with Bt Toxin-Containing Cotton. Science, vol. 321, pág. 1.676, 2008

OESP, 02/10/2008, Vida, p. A22

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