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Na Amazônia, Enricão é a lei

JB, Pais, p.A2
Autor: AMBROSIO, Marcelo
16 de Fev de 2005

Na Amazônia, Enricão é a lei

Marcelo Ambrosio

Vivi quase um ano trabalhando como geólogo na Amazônia, desterrado em uma mineração cercada por garimpos miseráveis no meio da selva amapaense, em algum ponto perdido perto da fronteira com a Guiana Francesa. Isso foi em 1985, período áureo da corrida do ouro que só levou doenças e destruição ao meio ambiente nos lugares por onde passou.

Havia ali uma combinação de vácuo legal com corrupção e violência cujo maior reflexo era o grande número de vítimas anônimas. Algumas encontrei enterradas certa vez num cemitério clandestino às margens de uma trilha que conduzia à base. As circunstâncias dessas mortes, se conhecidas por alguém, nunca geraram qualquer manifestação por parte do Estado. A Justiça, como avisaram os garimpeiros, vivia no coldre de Enricão, um sujeito que se apresentava como policial, usava chapelão de cowboy preto e carregava dois 38 cromados na calça. Ele era a lei.

As circunstâncias que envolvem a morte da irmã Dorothy Stang no Pará fecham um ciclo e me jogam 20 anos para trás, para minha visão das valas e das toscas cruzes de madeira. A facilidade com que ainda se mata na Amazônia é até maior hoje. Se não é pelo ouro, é pela madeira. Se não for pela madeira, continua sendo pela terra. Uma nova Constituição, eleições diretas em todos os níveis e a revolução tecnológica da internet de nada serviram porque o Estado continuou tão refém quanto antes. O país mudou muito, para não mudar nada. Infelizmente, Enricão continua mandando.

O que espanta é ver a diplomacia brasileira falando grosso quando não manda no próprio quintal. ''A Amazônia não vai ser um jardim botânico'', ruge o Itamaraty, preocupado com interferências estrangeiras quanto ao destino da região. Só que o mesmo governo que permite mortes como a da freira (reprise do caso Josino) não deve contar que confiem em declarações corajosas diante desse cadáver tão incômodo.

Por isso entendi como poucos o recado do embaixador americano no Brasil. Pelas razões que conheci, avisou que a irmã Stang atuava em programas apoiados pelo Departamento de Estado. E que espera Justiça rápida e transparente. Traduzindo: os cowboys de lá estão de olho nos daqui.

JB, 16/02/2005, País, A2

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