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Museu do Índio: Indígenas da Aldeia Maracanã respondem ao governo do RJ

Caros Amigos - http://carosamigos.terra.com.br/
30 de Jan de 2013

Na qualidade de representante da Comunidade Indígena Aldeia Maracanã, a Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro (DPU/RJ) enviou na terça (29), resposta à carta-proposta do Governo do Estado, recebida via Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH). O documento, elaborado pelos próprios índios que habitam o antigo Museu do Índio, foi enviado por fax à Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro.

Abaixo, texto da carta elaborada pelos índios:

"Excelentíssimo Senhor Governador,

Recebemos com um misto de júbilo e apreensão sua carta-proposta (via Secretaria Estadual de Direitos Humanos) que trata da nossa permanência no velho prédio do antigo Museu do Índio e das possibilidades de darmos continuidade ao nosso projeto de transformá-lo em uma instituição cultural digna da cidade do Rio de Janeiro e da nossa presença nessa cidade.

Passamos dias e dias discutindo sua proposta, entre nós indígenas, e com todos os não indígenas que vêm nos prestigiando em suas demonstrações de interesse e amor por nossa causa.

Qual a nossa causa, Senhor governador?

É simples, porém difícil de ser realizada, e acreditamos que só poderá ser realizada numa cidade como o Rio de Janeiro, por sua abertura ao novo, ao inusitado, à criação cultural e política.

Queremos, como V. Exa., transformar o Museu do Índio num Centro Cultural que proporcione a todos nós uma vivência urbana digna, livre, autônoma e criativa.

Só que V. Exa. quer que saiamos deste prédio majestoso, varonil, e que guarda para nós, indígenas, a memória de nosso melhor relacionamento com a sociedade brasileira. Guarda também para os cariocas e todos os habitantes que amam essa cidade a memória de um passado que não pode ser destruído, sob pena de todos nós perdermos nossas raízes, nosso conhecimento e nossa memória histórica.

Perguntamo-nos: Será que o Exmo. Governador não freqüentou este prédio quando era o velho Museu do Índio?

Tantos homens e mulheres o visitaram em suas infâncias, levados por suas professoras para conhecer algo de nossas vidas e nossas culturas. Por certo o Senhor também o visitou, com seu ilustre pai e sua mais ilustre mãe, que é uma museóloga de mão cheia.

Não cabe nesta nossa simples resposta à sua carta-proposta explanar detalhadamente o que significa esse Museu para nós, para nossas culturas e para nossa história de relacionamento com a sociedade brasileira. Aqui foi elaborada e edificada a política indigenista brasileira, ao tempo de Marechal Cândido Rondon, Darcy Ribeiro, Orlando Villas-Boas e outros luminares do indigenismo brasileiro. Aqui nossos avós foram recebidos por esses homens cheios de boa vontade e amor para nos dar um alento e apontar uma direção para os nossos problemas criados pela expansão brasileira sobre nossas terras. Para maior esclarecimento sobre este ponto, incluímos em anexo a esta carta o laudo escrito pelo antropólogo Mércio Pereira Gomes sobre a importância deste Museu do Índio para nós.

Nossa proposta aqui não é bem uma contra-proposta. Achamos que ainda não é tempo de negociação e sim de diálogo.

Queremos convidá-lo para vir aqui e conhecer esse prédio maravilhoso, com pé direito de mais de oito metros, com paredes de um metro de largura, feitas com pedra, barro e gordura de baleia. É um prédio construído em 1862, Senhor Governador! E que está de pé, ainda imponente, à vista de quem vai ao Estádio Mário Filho, quem passa indo e vindo da Zona Norte, ao lado da UERJ, com saída do Metrô.

Como nos querer persuadir de que estaríamos melhor num antigo presídio, conforme sua proposta? Só o nome presídio nos causa calafrios, lembranças de tantos sofrimentos por que passaram nossos povos.

Estamos na cidade do Rio de Janeiro, e em tantas outras cidades brasileiras, Senhor Governador, porque queremos. Não somos rebotalhos de povos em extinção. Somos representantes de povos que aguentaram as agruras das perseguições, da morte morrida e da morte matada, e estamos em crescimento. Alguém diria: em crescimento demográfico e em ascensão político-cultural. Alguns de nós temos nossas terras demarcadas e garantidas, outras as têm em pequena porção do que já as tiveram, outros ainda precisam de ter suas terras reconhecidas. Inclusive neste estado fluminense, Senhor Governador.

Por que estamos aqui e por que queremos a criação de um Centro Cultural neste velho Museu? Porque queremos viver uma experiência humana que não conhecemos. Queremos viver uma vida urbana, sem perder nossa identidade. Queremos mostrar para o povo brasileiro não indígena que estamos vivos e que podemos contribuir para o avanço da cultura brasileira.

Podemos, sim! Nossas culturas são singelas, porém sólidas, complexas, ricas em conhecimento do mundo da Natureza, experiências humanas que não podem desaparecer. Isto sabem os que já viveram conosco, desde os marinheiros ingleses e irlandeses que tinham uma feitoria em Cabo Frio, em 1502, e que explicaram para Thomas Morus como era nossa cultura, nosso modo de ser. Thomas Morus, inspirado nesses relatos, escreveu a Utopia, um dos livros mais importantes da civilização ocidental, e que o Senhor certamente já o leu, ou sabe dele por sua experiência política de esquerda, num passado de sua vida não tão remoto.

O mundo vem mudando muito rapidamente. Em nossas terras sentimos dificuldades de compreender essas mudanças. Assim, a vinda de parentes indígenas às cidades não é só para passear, para vender artesanato ou para trabalhar, mas também para conhecer e vivenciar.

O que fizemos neste prédio magnífico foi retomá-lo de seu abandono. Resgatamos do tempo cruel esse prédio, Senhor Governador. Nos orgulhamos disso. E os nossos amigos e visitantes não indígenas sentem o quão importante para a cidade do Rio de Janeiro e para seus habitantes é este resgate.

Queremos dar vida cultural a esse prédio. Queremos que nossa cultura, nossas comidas, nosso artesanato sejam apreciados por todos. Aqui poderemos fazer algo excepcional, digno desta cidade maravilhosa, que todos amamos.

Venha nos visitar, Senhor Governador. Venha conhecer esse prédio e ver o que pode ser feito com ele e por ele. Por nós e por todos que nos ajudarem.

A nossa Copa do Mundo não vai melhorar se esse prédio for demolido. Ao contrário, vai empobrecer. O Senhor não acha que os estrangeiros que aqui virão não apreciarão o fato de ao lado do estádio de futebol mais lindo do mundo haver um Museu vivo da cultura indígena, a raiz do povo brasileiro? Sabemos que apreciarão, Senhor Governador. Eles vêm aqui em grande número. Jornalistas, principalmente, para noticiar em seus países o que estão fazendo sobre esse prédio e conosco, mas também gente curiosa, ansiosa por conhecer o que é o Brasil. O Brasil somos nós também, Senhor Governador. Ninguém quererá que eles tenham uma impressão de que o Brasil é um país que não respeita sua minoria mais enraizada, os brasileiros natos por excelência. Os estrangeiros, Senhor Governador, querem ver o Museu de pé, funcionando, e se alegrarão ao ver nossas representações culturais, quando aqui estiverem.

Por fim, Senhor Governador, temos a dizer que não sairemos do Museu do Índio. Negociaremos qualquer coisa, menos isso. Não adianta mandar policia nem tropa de choque. Até porque já enfrentamos a violência de fazendeiros, bandeirantes, milícias e forças militares. Perdemos muitas lutas, reconhecemos, mas ganhamos outras, no sacrifício, na inteligência, na paz. Por isso estamos vivos.

Seu governo se engrandecerá se nos ajudar a pôr em funcionamento o nosso plano, que também é, ao que indica sua proposta, seu também. A criação de um Centro Cultural Indígena, dirigido por nós, autonomamente, com a colaboração valiosa de todos os brasileiros que têm nos visitado, nos dado sugestões, voluntariamente convivendo conosco.

Em atenção à sua carta-proposta, nos despedimos aguardando sua visita e sua mais correta comunicação.

Atenciosamente,

Comunidade Indígena Aldeia Maracanã"

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