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Muros que limitam favelas dividem opiniões no Rio

FSP, Cotidiano, p. C1
Autor: MAGALHÃES, Sérgio; MORENO JÚNIOR, Ícaro
13 de Abr de 2009

Muros que limitam favelas dividem opiniões no Rio
Datafolha mostra empate técnico entre os que apoiam (47%) e os que são contra (44%)
Divisão entre apoiadores e críticos se repete também entre moradores de favelas; governo do Estado diz que quer proteger áreas verdes

Da sucursal do Rio

Os muros que o governo do Estado do Rio está construindo para cercar 11 favelas da zona sul dividem a cidade. Mas, desta vez, não se trata de um racha na opinião entre pobres e ricos ou entre moradores de áreas nobres e carentes.
No morro, no asfalto, em grupos de maior ou menor poder aquisitivo, o Datafolha revela que praticamente metade da população é a favor da iniciativa de cercar as favelas, enquanto a outra metade se opõe.
O argumento do Estado é de que é preciso conter a expansão de moradias irregulares em áreas de vegetação e que o objetivo da construção não é segregar os moradores de favelas.
A medida, no entanto, causou polêmica. Até o escritor português José Saramago criticou a iniciativa em seu blog, comparando os muros do Rio aos de Berlim e Palestina.
Na pesquisa, 47% dos cariocas posicionaram-se a favor da construção dos muros. Outros 44% declararam-se contrários. Foram feitas 644 entrevistas.
Como a margem de erro da pesquisa -que foi a campo entre os dias 8 e 9 deste mês- é de quatro pontos percentuais, trata-se de um empate técnico. O empate técnico persiste até quando se investiga a opinião apenas de moradores de favelas, com 47% apoiando a iniciativa e 46% contrários.
O mesmo se verifica no caso dos que vivem longe de favelas (44% a favor e 46% contra). Apenas entre os moradores de áreas próximas a favelas há uma diferença maior de opinião, mesmo assim, de apenas dez pontos percentuais (50% favoráveis e 40% contrários).
No morro Dona Marta, uma das favelas que ganhará muros, as opiniões também se dividem. "Se você perguntar ao morador aqui, ele nem sabe onde está esse muro. Para nós é indiferente", diz José Mário Hilário, presidente da associação dos moradores.
Já Juan Silva, também morador, tem posição mais crítica. "O muro não foi proposto pelos moradores, foi imposto."
O morro Dona Marta é vizinho de uma floresta.

Ricos e pobres
A análise dos números do Datafolha pelo recorte de renda mostra que, entre os mais ricos (renda mensal familiar superior a dez salários mínimos), o percentual dos que se declararam contra o muro (50%) é maior que o verificado entre mais pobres (39%), que recebem até dois salários mínimos.
Os cariocas só começam a mostrar mais concordância quando confrontados com algumas afirmações a respeito do resultado prático da construção dos muros.
Para 67%, eles vão ajudar a conter a expansão de moradias irregulares em áreas de vegetação. Também 60% dizem discordar da afirmação de que eles separarão ricos e pobres.
Para construir os muros, o governo prevê inicialmente investir R$ 40 milhões para erguer 11 quilômetros de paredões, de três metros de altura, em 11 favelas da zona sul, a área mais nobre da cidade.
O governador Sérgio Cabral ainda não falou publicamente sobre o assunto desde que ele veio à tona. Pouco mais de 50 metros dos 634 previstos já foram erguidos no morro Dona Marta, em Botafogo, ao longo de aproximadamente um mês.
Todas as áreas escolhidas, conforme levantamento do Instituto Pereira Passos, cresceram, em área, abaixo da média em comparação às demais comunidades.
No Dona Marta, por exemplo, houve redução de 0,99% do terreno ocupado. O governo estadual alega que, apesar da estabilidade da ocupação dessas favelas, é preciso evitar que os moradores ergam construções em áreas de risco.

Contra

Muro ou trincheira?

Sérgio Magalhães
Especial para a Folha

Cercar favelas da zona sul com muros é uma resposta de natureza semiológica a uma questão política. Sabemos que essas áreas estão relativamente contidas, por obstáculos naturais ou por limites construídos. Morros da zona sul tiveram a sua área florestada expandida. Não obstante, as favelas, como quaisquer outros elementos urbanos, não podem dispor do território indistintamente.
É do interesse da cidade e dos próprios assentamentos. A ocupação limitada, que preserva as infraestruturas implantadas, é consensual entre moradores e governos. Obras do Favela-Bairro construíram limites facilmente identificáveis. Onde possível, com muros, largos, mas de apenas 30 cm de altura, como no Vidigal. No entanto, a violência que assola nossas cidades tem produzido um sentimento de estranhamento em relação à diversidade. Bastamo-nos em nossos iguais. Diferente, a favela tem sido estigmatizada como lugar que dá causa à violência. É como se, sem favelas, a cidade se tornasse pacífica.
Ora, a violência tem outras matrizes, onde a morfologia urbanística por certo não tem protagonismo. Podem ser inseguros lugares com ruas retas e edifícios regulares; há favelas com e sem violência. A questão é de natureza política porque ela se estrutura na escassez de democracia. Territórios inteiros onde habitam milhares de cidadãos se encontram sob domínio de bandidos, que impõem suas próprias leis.
São territórios pobres, sejam favelas, loteamentos ou conjuntos residenciais. Dominados pelo tráfico ou por milícias, dissemina-se a violência. Mas o clamor contra a violência é gigantesco, com razão; a indignação é enorme; o medo aumenta. O governo reage muito bem quando anuncia a retomada dos territórios e a permanência da legalidade. Não reage tão bem quando confere aos muros um papel que serão incapazes de desempenhar. Na eventualidade desses territórios permanecerem no descontrole, os muros podem virar trincheiras para os marginais.
A incorporação ao Estado democrático dos territórios hoje na anomia construirá os muros mais poderosos contra a violência, bem como limites mais efetivos contra o crescimento de favelas. Tal é a resposta política que desejamos.

Sérgio Magalhães, arquiteto, professor da FAU-UFRJ, foi secretário de Habitação do Rio de Janeiro (1993-2000).

A favor

Os muros verdes

Ícaro Moreno Júnior
Especial para a Folha

Responsável pela execução das obras de construção dos muros no entorno de favelas do Rio, tenho acompanhado com atenção as manifestações sobre os "ecolimites", erguidos como proteção de nossos ecossistemas. E faço essa minha leitura indistintamente, dando valor igual a todas as opiniões, venham elas de moradores de comunidades, de cartas de leitores em jornais ou de intelectuais, escritores famosos.
Contabilizando as opiniões, verifico que o índice de aprovação é de mais de 80%. E com argumentos de quem conhece a nossa cidade e teme pelo pior se não forem adotadas medidas urgentes para conter a expansão de nossas favelas, em encostas. Entre as opiniões contrárias, de letrados, vejo comparações dos "ecolimites" com os muros de Berlim ou da Palestina e ilações de que praticamos cruel segregação.
O programa apenas cumpre a lei 11.428/2006, que proíbe a supressão da vegetação primária do bioma mata atlântica para fins de loteamento ou edificação nas regiões metropolitanas e urbanas. Aqui no Rio, fator decisivo para essa ampliação do desmatamento é a taxa de crescimento de favelas, cuja área de ocupação cresceu 7% de 1999 a 2008, uma expansão de 3 milhões de metros quadrados, equivalente a Ipanema.
Os "ecolimites" existentes se mostraram ineficientes em alguns pontos, exigindo a construção de barreiras, mas não se espera que só a construção dos muros resolva os problemas sociais e urbanos do Rio.
O que o Estado espera é que essa medida sirva de proteção a um bioma ameaçado e permita trabalhos como o do morro Dona Marta. Lá, com a ajuda de um censo que permitiu conhecer toda a comunidade, será possível não ter mais moradias em áreas de risco e garantir a acessibilidade para todos.
Assim, como rotular de segregacionista um programa que, além de proteger o ecossistema, permite reduzir desigualdades sociais com ações como as que executamos no Dona Marta e vamos estender a outras favelas, inclusive nas zonas norte e oeste? Prefiro cultivar em meu imaginário -e creio também que os 80% favoráveis- um muro verde, capaz de pôr fim a uma situação criada por governos que nada fizeram, a cultivar fantasmas de muros que aqui nunca existiram.

Ícaro Moreno Júnior é diretor-presidente da EMOP (Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro).

FSP, 13/04/2009, Cotidiano, p. C1

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