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Município está dentro da reserva

A Crítica, Brasil, p. A10
18 de Jan de 2004

Município está dentro da reserva
Famílias vivem drama de deixar a cidade

É uma história que divide famílias no lugar onde começa o País na sua fronteira Norte. Desde a decisão do governo em homologar a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, há três semanas, a cidade Uiramutã, de 5.800 habitantes, entre índios e não índios, vive em conflito. Toda a expectativa é em torno da extinção do município, que ocorrerá a partir da demarcação da reserva. 0 drama de ter que desfazer seus lares é um ingrediente emocional a mais na vida da politizada comunidade. É que a grande maioria das famílias é constituída de brancos e índios e com a extinção do povoado, os brancos terão que sair da área.
Em meio aos interesses de fazendeiros, madeireiros, religiosos, ongs e autoridades estaduais, os índios divergem sobre o destino dos brancos e deles próprios. "A encrenca está dentro de nossa casa", reclama a macuxi Francisca da Silva, 71 anos, que casou com um branco. Em tese, seu marido terá que sair da comunidade. Além desse dilema, ela, que é matriarca de um clã separado em duas facções, tem que administrar as divergências entre os familiares indígenas.
Chegar a Uiramutà não é nada,fácil. A estrada até a sede do município é de terra, com longos e vários trechos sinuosos e íngremes. Depois de seis horas de viagem em carro adequado a partir de Boa Vista, subindo a serra empoeirada, chega-se a Uiramutã, uma antiga vila de garimpeiros emancipada em 1996, em pleno processo de demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, que seria assinada pelo governo dois anos depois.
Uma das primeiras casas do lugar pertence à macuxi Adelaide Cavalcante de Lima, 29 anos. Com três filhos menores, Adelaide é mais uma índia casada com branco, o piauiense Francisco Waldiná Lima dos Santos, 40 anos, que possui um comércio no lugar. "E tudo muito absurdo. Isso mexe com o emocional da gente", conta, com os olhos marejados.
Política
Professora de matemática da escola de uma aldeia controlada por lideranças a favor da homologação, na sede, Adelaide diz sofrer discriminação por defender a manutenção do município. "Estou apenas defendendo o direito de ficar na minha casa, com o meu marido e os meus filhos", afirma. Conta que. não atravessará mais o igarapé para dar aula na aldeia dos macuxis, que é chefiada pelo seu tio Orlando Macuxi, o tuxaua (cacique) da comunidade.
A professora tentará viver apenas da roça. "Eles dizem que tem gente fazendo a minha cabeça'. Eu tenho meus próprios pensamentos", afirma, referindo-se às acusações dos índios favoráveis à reserva de que os fazendeiros "compram" as idéias dos indígenas.
Latifúndio
Os fazendeiros ocupam o extremo sul da área demarcada, já em terras do município de Pacaraima. Chegaram na região há menos de dez anos, quando o governo já sinalizava que iria implantar a reserva. Jacir José de Souza, coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), defende a proposta do governo federal. "A reserva vai garantir a preservação das nascentes dos seis maiores rios da área da Raposa Serra do Sol", salienta. Ele lembra que o Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso, sofre hoje com a poluição das nascentes dos rios que ficam fora da reserva. "Os plantadores de arroz em Roraima não respeitam o meio ambiente, queimam até a mata da beira dos rios."

A Crítica, 18/01/2004, Brasil, p. A10

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