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Multidão mata prefeito e seqüestra vereadores

CB, Mundo, p. 22
28 de Abr de 2004

Multidão mata prefeito e seqüestra vereadores
Indígenas Aimarás lincham governante de Ilave, acusado de nepotismo e desvio de verbas. Após pedir perdão, ele foi jogado de um prédio

Da Redação

A situação está fora de controle em Ilave, sudeste do Peru, afirmou ontem o ministro do Interior peruano, Fernando Rospigliosi. A população linchou o prefeito da cidade na segunda-feira, depois de 24 dias de protestos exigindo a renúncia de Cirilo Fernando Robles Callomamani, acusado pela comunidade de nepotismo e corrupção. Milhares de pessoas ocupavam ontem a praça central do povoado.
Após passar duas semanas na clandestinidade, Robles retornou no domingo a Ilave, no departamento de Puno, região fronteiriça com a Bolívia. O prefeito estava reunido com vereadores aliados e empregados na casa do irmão quando 2,5 mil moradores descobriram seu paradeiro.

Robles foi tirado à força do local, arrastado por uma multidão pelas principais ruas do povoado de 20 mil habitantes até a praça principal. Horas depois, o levaram até o terceiro andar do prédio municipal. ''Peço perdão ao meu povo'', disse o prefeito ao microfone, antes de ser jogado. O cadáver foi carregado até uma ponte e, de lá, lançado mais uma vez. Só então a polícia apareceu. Sobre o corpo, um cartaz de advertência: ''Assim morrem os corruptos.''

O político foi vítima de múltiplos ferimentos e hemorragia interna, conseqüência do linchamento. Além de Robles, a população também matou um vereador. Outros dois estão seqüestrados - um deles permanecia ontem à tarde amarrado em um poste no meio da praça, sob ameaças de ser carbonizado. Segundo a comunidade de Ilave, Robles desviou recursos e não fez as obras prometidas. Ele tinha salário equivalente a US$ 820 e era prefeito em uma das regiões mais pobres do país.

Descontrole
O conflito começou em 2 de abril, quando 20 mil indígenas aimarás iniciaram uma paralisação por tempo indeterminado exigindo a renúncia do prefeito. A medida foi anunciada pelos principais dirigentes da etnia e acatada pela maioria da população. Eles bloquearam a estrada Puno-Desaguadero, que leva ao lago Titicaca - na fronteira entre Peru e Bolívia.
Depois do linchamento, a delegacia de Ilave foi cercada por dezenas de pessoas, que atacaram os 80 policiais com coquetéis molotov, paus, pedras e outros objetos. Há relatos de tiroteio. ''Não há forma de controlar uma multidão furiosa. A comissão que se encontra no local está tentando se reunir com os dirigentes'', disse o ministro Rospigliosi.

Os camponeses se concentraram ontem na praça principal de Ilave para protestar. Rospigliosi afirmou que o governo não descarta adotar medidas como a decretação de estado de emergência, a fim de conter a violência. Para retomar a ordem, mais de 200 policiais tentaram ocupar a praça ontem. ''Ilave unido, jamais será vencido!'', responderam os moradores.

Os habitantes da cidade são aimarás - povo que habita o planalto onde está o Titicaca, lago de maior altitude no mundo, e foi subjugado pelos incas em 1450. ''Eles têm outra cultura, mas essa violência não pode ser justificada'', condenou o ministro peruano. ''Não devemos dizer que eles aplicam sua própria justiça. Isso não é democracia.''

''Nós, aimarás, somos inteligentes e fizemos nossa manifestação de forma pacífica. Mas o problema é que esse prefeito fugiu, se escondeu de nós'', explicou um morador. ''Por isso, chegamos a este caos. Isto é terra de ninguém'', reclamou, criticando a falta de ação do governo nacional.

Refém na Amazônia

Um grupo de indígenas aguarunas seqüestrou o prefeito Oswaldo Peralta e outros dois dirigentes em um povoado na região amazônica peruana. Os três políticos foram amarrados pelos índios e levados em uma voadeira até San José, dentro da floresta. O seqüestro ocorreu depois do fracasso de um referendo sobre o mandato do prefeito. Há alguns meses, os aguarunas haviam reunido assinaturas para afastar o político do cargo. Os indígenas acusam Peralta de usar sua influência para evitar a votação. Ao tomarem conhecimento do seqüestro, índios chayawitas, que apóiam o prefeito, tomaram como reféns vários aguarunas.

ANÁLISE DA NOTÍCIA
Sucessão de protestos

Sandra Lefcovich
Da equipe do Correio

O presidente do Peru, Alejandro Toledo, enfrenta uma onda de conflitos sociais, denúncias de corrupção contra membros do governo e críticas de inépcia em 33 meses de gestão. Esse quadro se traduz no índice de popularidade, divulgado semana passada: 8% - o mais baixo de sua administração. É comum o chefe de Estado ser vaiado em atos públicos.

Revoltas semelhantes à de Ilave estão se repetindo. Toledo já enfrentou - e enfrenta - protestos de norte a sul, vindos de todas as categorias. Um dos mais graves ocorreu em Arequipa, em julho de 2002. A população da segunda maior cidade peruana se opôs à privatização de duas empresas de energia elétrica, obrigando Toledo a recuar e mudar o gabinete. Troca de ministros é praxe no governo.

Apesar dos intensos confrontos entre a polícia e os manifestantes, que deixaram dois mortos e centenas de feridos, a rebelião de Arequipa não chegou ao nível de brutalidade protagonizado pelos aimarás em Ilave, onde o povo ensandecido não poupou a vida do prefeito. Analistas peruanos afirmam que a população castigou, com o linchamento, a classe política e a Justiça - alvo de descrédito não só no Peru, mas em toda a América Latina.

Os conflitos também atingem outras regiões do país. Na área cocalera, milhares de camponeses estão em greve por tempo indeterminado contra a política antidrogas de Toledo. Eles iniciaram a Marcha do Sacrifício e devem chegar amanhã à capital, Lima, para exigir o fim da erradicação forçada das plantações da coca (matéria-prima da cocaína).

Em Lima, 45 mil trabalhadores da Previdência se somaram à greve dos médicos.Os mineiros anunciaram ontem que iniciarão uma paralisação no setor, e os professores exigem aumento salarial. Caso contrário, não haverá aulas.

CB, 28/04/2004, Mundo, p. 22

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