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Muito minério no Pará: a quem é que beneficia?

Envolverde - www.envolverde.com.br
Autor: Lúcio Flávio Pinto
01 de Abr de 2010

Foi grande - de quase 80% - a redução do lucro líquido da Mineração Rio do Norte, uma das maiores produtoras de bauxita do mundo, instalada no Pará: caiu de 220 milhões de reais em 2008 para apenas R$ 46,3 milhões no ano passado. Uma das causas desse fraco desempenho foi a crise internacional de 2009, que provocou a diminuição tanto da produção quanto dos preços, conforme fenômeno que abalou o mercado internacional de commodities. Mas o fator principal foi interno: a MRN desistiu de continuar a contestar na justiça a autuação que recebeu da Receita Federal em 2000. Essa autuação resultou, três anos depois, na aplicação maior multa já recebida por uma empresa no Brasil.

A Receita considerou ilegal a redução de 30% do seu capital que a mineradora fez em 1999, alegando estar com excesso de capital. Os recursos foram distribuídos entre os acionistas. Como a Rio do Norte foi beneficiada por colaboração financeira da Sudam e isenção ou redução de impostos, o governo devia ter sido consultado para aprovar a redução, que abrangeu dinheiro público, oriundo de renúncia fiscal do tesouro nacional. A autuação foi, na época, de R$ 316 milhões. Hoje, com as atualizações, chega a quase o dobro do valor inicial.

A empresa fez o depósito judicial não só para poder recorrer em juízo como para não perder os benefícios do programa de refinanciamento de sua dívida com o próprio governo. Em 2000 a MRN fez um Refis no valor de R$ 51,6 milhões, referente a débitos de PIS e Cofins/Finsocial, que seriam quitados em 10 anos, com pagamentos mensais. Se não fizesse o depósito judicial do valor da autuação de 2003 perderia o benefício e teria que pagar toda a dívida à vista.

Considerando "as divergências de votos nos últimos julgamentos" do seu recurso e os benefícios que o governo instituiu em maio do ano passado, transformando em lei uma medida provisória que concedia novos e maiores benefícios aos devedores do fisco, "a MRN decidiu descontinuar o processo judicial", informou a diretoria, no relatório do balanço anual de 2009, publicado no início do mês. Ela lembra que o processo "está suportado por depósito judicial no valor de R$ 600 milhões e o custo de liquidação será de R$ 283 milhões", valor que pesou sobre suas contas anuais.

Graças a esse novo Refis, o valor do débito atualizado, que era de R$ 507,2 milhões, foi reduzido para R$ 283 milhões, sendo R$ 118,3 milhões do principal e R$ 165,1 milhões de atualização monetária. Para cumprir o compromisso, a mineradora recorreu a empréstimos, que, junto com os dividendos distribuídos, tornaram negativo o capital circulante líquido (em menos R$ 89,5 milhões). Feita a quitação do débito, a empresa, "baseada na opinião de seus assessores legais, espera que o valor líquido do depósito judicial seja levantado ainda no exercício de 2010 e, portanto, reclassificou o saldo para o ativo circulante". Saldo que, no caso, seria de mais de R$ 320 milhões.

Como em seus últimos relatórios a mineradora sempre manifestou a confiança de vencer a disputa judicial, iniciada em 2003, a decisão de desistir da querela e recorrer ao novo Refis, para uma redução de quase 50% no valor atualizado do auto de infração, sugere suas coisas. Uma: que a crença na vitória em Brasília não era tão forte. Dois: foi um bom negócio. A MRN acabou formando uma poupança forçada extra para 2010, que deverá ser o ano de recuperação. O desempenho em 2009 ficou abaixo da atuação no ano anterior.

As vendas se reduziram de 18,25 milhões de toneladas, o recorde nos 30 anos de operação da mineradora (como também de produção), alcançado em 2008, para 15,64 milhões no ano passado. Os preços da bauxita foram 11% inferiores porque desabou também o mercado de alumina e alumínio, o maior demandante do minério. Por isso, a receita líquida, que tinha passado ligeiramente de um bilhão de reais em 2008, diminuiu 23%, ficando em R$ 788 milhões.

Mesmo assim, a Rio do Norte foi destacada pelo anuário Valor 1000, pelo segundo ano seguido, como a melhor empresa de mineração do país, numa demonstração do quanto 2009 foi ruim para o setor. Com a incorporação do saldo do depósito judicial, a MRN terá recursos suficientes para prosseguir seus investimentos, com a abertura de novas minas e a manutenção da sua elevada produção, 78% dela destinada agora ao mercado interno, para suprir as fábricas de alumina da Alunorte, no Pará, a maior do mundo, e a da Alumar, em São Luís do Maranhão. Além de tentar recuperar a saúde financeira, que perdeu o viço de exercícios passados. Há três anos o capital líquido circulante é negativo por causa do recurso aos empréstimos. Em 2005, por exemplo, seu lucro líquido foi de R$ 420 milhões.

A perspectiva é de que a produção de bauxita continue a aumentar em grande escala e haja uma especialização entre os produtores, dentre os quais estão as principais multinacionais do setor. Tanto para suprir as necessidades nacionais como para atender a demanda mundial. Consolidando assim essa função de suprimento de matéria prima na qual a Amazônia vai sendo especializada.

Muito minério no Pará: a quem é que beneficia?

O setor mineral investirá 40 bilhões de dólares (quase 70 bilhões de reais) no Pará nos próximos cinco anos (2010/2014). Dá uma média de US$ 8 bilhões ao ano. É quase o dobro da receita tributária líquida do Estado, o dinheiro que mantém a máquina pública em funcionamento e responde pelos investimentos públicos, que não vão além de 10% do total. Nenhuma atividade econômica terá aporte semelhante de capital. É possível que, afinal, o Pará assuma a liderança da economia mineral brasileira. Dos US$ 40 bilhões que constam da programação das empresas, quase US$ 26 bilhões serão aplicados na extração de minério, menos da metade (US$ 11 bilhões) na indústria de transformação, US$ 2,7 bilhões em infraestrutura e transporte e US$ 505 milhões em outros negócios.

O cômputo inclui apenas 14 projetos de extração de minério (oito deles de responsabilidade direta da Vale e um de sua coligada Mineração Rio do Norte) e 8 de indústria mineral (só 3 da Vale, em um dos quais associada à Sinobrás), mais três de infraestrutura e transporte (sendo dois da Vale) e dois de "outros negócios (um só da Vale e outro em associação). Mas há mais 18 projetos minerais em fase de pesquisa, alguns dos quais conduzidos por grupos multinacionais ou internacionais de porte, como a Xstrata, a chilena Codelco, a Rio Tinto e a Caraíba Metais, a única indústria de cobre do país (e a única associada do sindicato mineral que não atua no Pará).

O principal efeito desses investimentos será incrementar ainda mais a especialização do Pará como Estado exportador (talvez vindo a ocupar a 4ª ou mesmo a 3ª posição nacional em 2014) e gerador de saldo de divisas (o 2ª mais importante do Brasil). A fatia dos minérios e derivados na pauta de exportação paraense, que já é de 85%, poderá experimentar expansão ainda maior (talvez para 90%). E, internamente à economia mineral, o setor meramente extrativo deverá ultrapassar dois terços do produto mineral, enquanto a indústria de transformação encolherá um pouco.

Esses números escancaram uma realidade da qual os paraenses precisam se dar conta o mais rápido possível (o que já tarda demais a acontecer): o subsolo do Estado é tão rico que sua vocação mineral é inevitável. Um novo produto, o níquel, começará a ser produzido neste ano, juntando-se aos demais, que têm expressão internacional, como o minério de ferro, a bauxita, o cobre, o caulim, a alumina, o alumínio, a gusa e, no futuro, o aço. Como na economia prepondera a mera extração do minério e sua dita industrialização se reduz a insumos e semi-elaborados, a se manter esse perfil o Pará deverá ter o mesmo destino dos Estados e países de economia primária: crescer sem se desenvolver, gerar renda sem progresso. Não há exceção a essa regra.

Ao apresentar os números do balanço mineral de 2009 à imprensa, há duas semanas, o presidente do Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará, Eugenio Victorasso, chegou a admitir que o setor mineral "pode ter sido um grande vilão no passado", mas que teria se livrado desse estigma. Hoje as mineradoras têm consciência de sua responsabilidade social e ambiental, que incorporaram ao seu modo de proceder para não serem apenas geradoras de riqueza bruta. Não querem continuar a ser enclaves, que só agregam benefícios em torno de si e, mesmo assim, mínimos, se considerados os efeitos multiplicados no local de destino dos seus produtos, onde serão realmente manufaturados até o fim da cadeia produtiva.

De fato, o comportamento das mineradoras melhorou bastante em relação ao padrão de atuação em outras áreas coloniais. Algumas se esforçam para melhorar sua imagem, preocupadas apenas em fazer relações públicas. Outras parecem de fato empenhadas em distribuir seus resultados por mais gente e mais longe do que sob a influência direta da mina. Ainda neste caso, porém, o benefício é residual. No ano passado o setor mineral exportou US$ 7,1 bilhões (dos 8,3 bilhões do comércio exterior do Pará), o equivalente a pouco mais de 12 bilhões de reais. Os royalties pagos chegaram a R$ 243 milhões, ou 3% do valor das exportações. E esse valor foi recorde. A arrecadação da CFEM cresceu cinco milhões de reais em relação a 2008, apesar da queda de receita de exportação de 22% (igual ao percentual de baixa nas exportações totais do Pará).

Provavelmente esse fato se deve às vendas internas de minérios, cujos dados não foram incluídos no balanço mineral. Parte crescente da produção da bauxita paraense, que é a terceira maior do mundo, destina-se às duas fábricas de alumina (a de Barcarena e a de São Luís do Maranhão). Como uma nova planta está prevista para Barcarena, ao custo de US$ 2,2 bilhões, para que as mineradoras continuem a exportar bauxita terão que elevar ainda mais a produção do minério, o que deverá fazer o Pará pular pelo menos uma posição no ranking internacional.

Embora a esmagadora maioria do minério de ferro extraído de Carajás ainda tenha como destino a exportação (sobretudo para a China e, mais secundariamente, o Japão), se o projeto da siderúrgica de Marabá por implantado (investimento de US$ 3,7 bilhões), uma parcela mais significativa será absorvida localmente. Como até 2014 a produção de Carajás irá dobrar, indo para 200 milhões de toneladas anuais, esse incremento do consumo interno (hoje exclusivo das guseiras) será relativizado pelo crescimento ainda maior do comércio internacional.

Mais atentas para a natureza e o homem, ainda assim as empresas do setor mineral não conseguem fazer crer que essas mudanças irão alterar o perfil colonial que o Pará tem hoje. Mudanças há e por isso elas decidiram finalmente criar um sindicato da categoria, quase 30 anos depois que os grandes projetos entraram em operação. O sindicato tem apenas seis empresas associadas e é controlado pela Vale, a cujos quadros pertence o presidente da entidade. A iniciativa de convocar os jornalistas para lhes apresentar o balanço anual foi positiva. Mas muito ainda precisa ser feito até que se possa "desenvolver uma cultura mineral" no Pará, como admitiu Victorasso. E precisa ser feito com urgência porque o fluxo de saída de minério, com as características de uma hemorragia desatada, não pode esperar por esse estado de consciência. Talvez nem queira esperar. Os paraenses, cujo território é tão prodigioso em minérios, é que precisam fazer a sua parte.

Uma das iniciativas pode ser estabelecer um percentual de participação do Estado a partir de determinado volume de lucro líquido alcançado pelas empresas. Em 2005 a Vale foi a companhia que mais distribuiu dividendos no mundo inteiro. Uma vez assegurada a remuneração estabelecida em lei para os acionistas e a reserva legal, as distribuições a partir desse ponto deviam incluir o Estado e os municípios com um percentual para que, aí, sim, eles tivessem ganhos reais sobre a lucratividade adicional com a exploração dos seus recursos naturais e não apenas compensações marginais, como agora. Ou então a linha do crescimento físico continuará a evoluir em paralela muito mais ascendente do que a do desenvolvimento, que a acompanhará em posição muito inferior.

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